Cultura
Um grupo de intelectuais quer que a Unesco declare o dialeto Patrimônio
Imaterial
NATASHA R. SILVA/ FELIPE SANCHEZ
El País – O jornal global, Facebook
Comerciante da localidade uruguaia de Chuy, na fronteira com o Brasil.
Apenas uma
rua separa as cidades de Santana do Livramento e Rivera, em uma fronteira
difusa entre Brasil e Uruguai. Um grupo de historiadores, artistas e
linguistas de ambas as regiões organizou um ciclo de conferências no lado
uruguaio para iniciar um processo que, em princípio, parece quixotesco:
postular o portunhol, uma forma de expressão a meio caminho entre o
português e o espanhol, como Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco. “O
portunhol é a linguagem da fronteira. Muitas vezes um brasileiro do sul está
falando e parece um uruguaio”, conta Eduardo Palermo, historiador de 52 anos,
um dos defensores da petição. “O problema é que essa forma de expressão é
sempre discriminada”.
Atenti: atención; atenção.
Camiáu: camión; caminhão.
Dispôs: después; depois.
Ingatado: enamorado, enganchado; apaixonado.
Liña: frontera, línea divisoria; fronteira, linha
divisória.
Pasaye: pasaje; passagem.
Ratiño: ratito, momentito; um momento.
Séstia: siesta; sesta.
Shinéla: chancleta; chinelo.
Yeladera: heladera,
nevera; geladeira, refrigerador.
Quando um
riverense ou um santanense atravessa a rua que divide ambas as cidades, não
muda automaticamente sua forma de falar. E quem não fala portunhol tem o ouvido
familiarizado com os seus sons. “Pasáme una sía”, “vou passar a
plancha”, “busco un kilo de laranya”, “dame este biscoito”.
Qualquer habitante da fronteira sabe que alguém está pedindo uma cadeira, que
vai passar roupa, que quer comprar laranjas ou um biscoito.
“Por muito
tempo as pessoas tinham vergonha de falar portunhol”, diz Julho Piastre, de 47
anos, um dos coordenadores dos centros do Ministério de Educação e Cultura em
Rivera. “Antes era considerado uma espécie de doença, uma dislexia. Queremos
defender o orgulho de falar portunhol”, enfatiza. Para que a Unesco o declare patrimônio
da humanidade, primeiro o Governo uruguaio deve reconhecê-lo como tal. O ciclo
de conferências “Jodido bushinshe [tremendo rebuliço]. Do falar ao ser”, que
começou na sexta-feira passada e se estenderá até novembro, busca criar “uma
massa crítica” e produzir bibliografia para respaldar a proposta.
Fachada da
Galeria Vermelho em São Paulo com a palavra Vermello, parte da exposição do
mesmo nome sobre portunhol da artista argentina Ivana Vollaro. Ela pesquisa o
tema desde 2000.
O Uruguai
é, junto a México, Chile e Argentina, um dos quatro países de maioria falante
do espanhol que não especifica um idioma oficial em sua Constituição. “No final
do século 19 no Uruguai se falavam inglês, portunhol, francês e línguas
africanas. O castelhano só se consolidou no século 20”, afirma o
historiador Palermo. A fronteira norte uruguaia abrange cerca de 1000
quilômetros, que permitiram múltiplos intercâmbios com o Brasil. Ao todo
260.000 habitantes, de três departamentos uruguaios, comunicam-se em portunhol,
embora em diferentes níveis. O número pode dobrar se forem considerados os
falantes que migram para outras regiões do país, segundo os defensores da
petição.
“Esta é uma
linguagem livre que incomoda as estruturas hegemônicas. Incomoda porque é a
língua dos pobres, aquela que não pode ser padronizada”, assegura o historiador
Palermo. O presidente da Academia Nacional de Letras do Uruguai, Adolfo
Elizaincín, admite que essa variante foi considerada inferior ao longo da
história. A pesquisadora de minorias linguísticas Graciela Barrios ressalta que
a política do Estado uruguaio tem sido desencorajar o uso do portunhol.
Nas salas de aula se ensina a forma padrão do espanhol e, nos últimos anos,
também do português. “Quando o uruguaio da fronteira norte viaja ao centro do
país é chamado de bayano [em referência ao estado da Bahia], o
abrasileirado. Sempre o discriminam por falar diferente”, aponta Palermo.
Cartaz do
ciclo de conferências “Jodido Bushinshe. Do falar ao ser”
O mesmo
acontece do outro lado da fronteira. No município de Chuí, o ponto mais
meridional do Brasil, a mistura se dá porque muitos conhecem os dois idiomas,
ou pelo menos uma parte. “Este é um portunhol mais vinculado ao castelhano, mas
não tem nada a ver com o sotaque estrangeiro”, conta Katherine Moreno Martins,
assessora de imprensa da Prefeitura de Chuí (que também está separada apenas
por uma rua da uruguaia Chuy). Martins afirma, em português perfeito, que o
idioma tem efeitos no aprendizado das crianças: “Nos primeiros anos de escola a
grande maioria tem dificuldades para escrever algumas palavras corretamente, já
que falam um idioma em casa e outro no colégio”, afirma.
de portunhol
procurarão romper também a fronteira da discriminação perante a Unesco. Na
região da liña (fronteira em portunhol), a linha divisória
costuma ser rompida. Os falantes
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