Publicado em artes e ideias por Priscilla Leal
Você
já ouviu falar em curadoria feminista? Antes de você concluir qualquer coisa,
te convido a ler este texto e conhecer mais sobre essa tendência.
A regente
Leopoldina presidindo sessão do Conselho de Estado, por Georgina de Albuquerque
Atualmente,
principalmente devido aos avanços da comunicação com a internet, muito se fala
do feminismo e das feministas. Alguns as acusam de radicalismo, outros não
entendem o motivo de brigarem por uma causa específica “não deveríamos ser
humanistas?” é o que se perguntam. Tais questionamentos surgem quando vemos na grande
mídia nomes de mulheres que se destacam ou que estão no governo, por exemplo.
No entanto,
não podemos deixar que casos de exceção se tornem regras. Pois, são exceções.
Infelizmente, pesquisas nacionais e internacionais vêm mostrando que a
igualdade de gênero ainda está longe de ser uma realidade em grande parte do
mundo.
Com esse
olhar mais atento, é necessário olhar o mundo das artes.
O discurso
padrão e imediato é o de que o gênero do artista não importa quando se vai
avaliar uma obra de arte, afinal é a obra que está em foco. Porém, a história
da arte nos mostra que não é bem assim que as coisas aconteceram.
Muitas
mulheres foram reconhecidas como grandes artistas em seu tempo, mas não foram
inseridas na historiografia como tal, ou chegaram até nós com fortes
estereótipos. Como a escultora Camille Claudel, sempre retratada como uma
mulher que enlouqueceu por amor, frágil e dependente. Mas, ao estudar a obra de
Camille verifica-se que a artista era apaixonada pelo seu trabalho, tenho
inclusive consciência do seu papel como mulher e artista, no período em que
viveu, final do século XIX.
Essa
introdução é importante para entendermos a importância da curadoria feminista.
Em síntese,
curador ou curadora, é o responsável pela preparação, concepção e montagem de
uma exposição.
Recentemente,
foi noticiada a abertura do primeiro museu feminista do mundo: o Kvinnohistoriskt
museum ou o Museu da História das Mulheres, na Suécia.
O Museu é
um espaço para exposições temporárias, e, em suma, se justifica afirmando:
“As
mulheres não tiveram o mesmo poder e oportunidades que os homens tiveram no
passado, para moldar a sociedade ou as suas próprias vidas”.
Na França,
as mulheres só puderam frequentar a Academia de Belas Artes a partir de 1897.
Antes, para estudar o ofício da escultura e pintura, era necessário contratar
um professor ou frequentar um ateliê particular. Isso porque, as mulheres não
podiam participar das aulas de nu. No entanto, naquele período, a escultura e a
pintura histórica eram consideradas as “artes nobres”. Ora, se as mulheres não
podiam frequentar as aulas de modelo vivo, como ter uma percepção real do corpo
humano para esculpir ou pintar um quadro mais elaborado? Para elas restavam à
natureza morta e os retratos de família.
No Brasil
essa abertura se deu em um período próximo ao da França, e a trajetória das
mulheres artistas não foi muito diferente. Apesar de elas terem permissão para
participar dos Salões de exposição, que eram no período a grande vitrine de
trabalho para um artista, as mulheres eram categorizadas como “amadoras”, mesmo
sendo alunas e mesmo tendo resenhas de elogio dos grandes mestres da época.
Em pesquisa
ao acervo fixo do Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 2012, constatou-se que
aproximadamente 380 obras em exposição eram de homens e apenas 28 eram de
mulheres.
Já na
década de 60 e 70, e com mais força na década de 80, a arte dita “arte
feminista” ganhou força. As artistas começaram a reivindicar o direito de
expressão e o seu lugar, utilizando sua arte para tanto. A performance surge
com vigor e temas como maternidade, menstruação e aborto, que antes eram
considerados tabus, ganham novos contornos com as obras dessas artistas. O
discurso é claro e objetivo, as mulheres começam a reivindicar seu espaço.
"Your
body is a battleground" - Barbara Krunger
Mas
evidentemente esse movimento não se deu de maneira uniforme no mundo todo, certo?
Essa breve
linha do tempo mostra a importância da curadoria feminista. Isso porque, apesar
das mulheres serem um grupo, dentro desse grupo há muitas nuances. Não basta
apenas expor essas mulheres ou resgatá-las. É necessário entender o período
histórico e o discurso da obra e da artista, com um olhar critico e de
desconstrução da história da arte.
O simples
fato de a obra ser de uma mulher artista, não significa que aquela obra tem um
discurso de gênero. Como o fato de uma obra ser de um homem artista, não
significa que não possa conter um discurso feminista.
A
organização desses trabalhos é uma tarefa complexa, pois o discurso do artista
também é impactado pelo seu tempo. Portanto, identificar o discurso nas
entrelinhas da obra, é conjugar o gênero do artista com o momento político em
que vivia, com a classe social e o lugar ao qual pertencia. É uma tarefa
minuciosa e que requer um olhar atento.
Levantar
dados e números sem dúvida é muito importante, pois são esses indicativos que
justificam uma exposição ou um projeto cultural focado em mulheres artistas,
por exemplo, mas não podemos ficar apenas nessa etapa. É preciso que esse grupo
“mulheres” seja olhado de perto e que seja reconhecida sua pluralidade.
O gênero
tem que interagir também com outras plataformas como raça, orientação sexual,
classe social, período histórico, etc.
Assim, a
importância da curadoria feminista está na organização desses trabalhos, que
nos permite receber o discurso com a crítica. Ou seja, não só expor as mulheres
artistas, mas demonstrar, por meio de uma ação curatorial eficaz, os motivos da
exclusão, o discurso que ali estava sendo formado, qual foi a transgressão da
obra, etc.
O trabalho
de curadoria feminista proporciona o debate sobre as questões de gênero, além
do resgate das mulheres artistas que não foram inseridas na história da arte,
por meio de um ponto de vista crítico.
Esse
resgate e a consequente valorização da mulher na arte nos dias atuais, não é
tarefa simples. Muitas ações e pesquisas ainda devem ser feitas. A desigualdade
de gênero, infelizmente é um fenômeno globalizado, e na arte isso é ainda mais
latente, visto que, geralmente, não é um campo onde se investiga a relação de
gênero com habitualidade.
Felizmente,
exposições com o tema mulheres artistas e de mulheres artistas estão ganhando
espaço. Em 2010, na França, no Centre Pompidou, foi realizada a exposição
“ELLE” com obras de mulheres artistas constantes do acervo do museu. Essa
exposição tornou-se itinerante, vindo para o Brasil em 2013.
Atualmente,
na Pinacoteca do Estado de São Paulo, está em cartaz a exposição “Mulheres
artistas: as pioneiras (1880-1930)”, que fica até setembro e traz um acervo
belíssimo e raro das mulheres artistas brasileiras.
Coeur
meurtri, c. 1913, de Nicota Bayeux. Óleo sobre tela, 87 x 67 cm. Acervo da
Pinacoteca do Estado de São Paulo
Para
corrigirmos o curso da história é necessário sair do padrão imposto. A
curadoria feminista vem com este propósito: dar voz ao discurso das mulheres e
valorizar sua expressão.
Na minha
pesquisa encontrei o site do Feminist Curators United, o FCU, que é “uma rede
de curadores e estudiosos dedicados ao desenvolvimento da prática curatorial
feminista através da partilha de ideias e recursos, com programas que abrangem
eventos públicos, publicações e tutoriais”. Na grade de membros tem grandes
nomes como Linda Nochlin, historiadora americana pioneira na discussão da
invisibilidade das mulheres artistas e a pesquisadora e crítica de arte
Griselda Polock.
Contudo,
foi curioso notar que no site da Fundação há apenas um nome da América Latina,
listado no “Comitê de Direção”, a chilena historiadora de arte Soledad Novoa.
Acredito
que a criação de museus específicos e exposições sobre o tema, são um forte
indício de que a curadoria feminista é uma tendência que irá se desenvolver e
que veio para ficar. Temos que trazer o assunto para nos sensibilizar e começar
a questionar a história da arte. Especializar-nos para abrir espaços para a
diversidade cultural. Sem dúvida, acredito que esse é um dos caminhos para o
enriquecimento humano.
© obvious: http://obviousmag.org/las_abuelitas/2015/curadoria-feminista-ja-ouviu-falar.html#ixzz3h2V39d00
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