Por que os animais também têm um evoluído
senso de beleza?
Melissa
HogenboomDa BBC Earth
Há muitas coisas nas quais eu vejo
beleza: em uma coreografia alegre, um música marcante ou um rosto intrigante.
Mas nem sempre consigo explicar conscientemente por que os considero bonitos.
As aranhas do gênero Maratus também
são assim. Os machos têm um belo abdômen colorido que eles exibem ao fazer uma
complicada dança. Tudo isso para conseguir conquistar uma fêmea.
Essas aranhas e eu não somos os
únicos – quando a questão é encontrar um parceiro, muitos animais parecem ter
uma noção bem clara do que consideram bonito.
Essas preferências são aparentemente
arbitrárias. É difícil entender como uma aranha Maratus fêmea pode se
beneficiar ao escolher como parceiro o macho mais bonito do grupo. Mas, na
realidade, esse tipo de escolha pode ter tido um efeito profundo na maneira
como evoluímos.
Seleção
sexual
A ideia de que os animais possuem
traços "bonitos" para atrair seus opostos para o acasalamento foi
inicialmente lançada por Charles Darwin. Para ele, um dos sexos – geralmente o
masculino – disputa a atenção do outro.
Darwin chamou isso de "seleção
sexual". Pela mesma teoria, o sexo que está sendo cortejado – em geral, o
feminino – prefere o parceiro com qualidades mais desejáveis.
Essa disputa não chega a matar ninguém.
Em vez disso, o pretendente mal-sucedido acaba tendo menos filhotes.
Isso é bem diferente do que Darwin
chamou de seleção natural, ou a sobrevivência do mais apto: animais com genes
de pior qualidade, que os tornam mais vulneráveis a doenças ou predadores,
tendem a morrer mais cedo, de maneira que apenas os melhores genes são
transmitidos para as próximas gerações.
A seleção sexual e a seleção natural
levaram os animais a evoluírem de maneiras diferentes, em uma espécie de
cabo-de-guerra.
Cuidados
com a cria
Darwin estabeleceu muitos exemplos de
traços extremos e belos que evoluíram pela seleção sexual: as lindas plumas das
chamadas aves-do-paraíso, os grandes galhos dos veados, as maravilhosas cores
de alguns insetos, e o canto dos pássaros.
Essas qualidades às vezes podem ser
prejudiciais. Uma plumagem colorida pode atrair mais predadores, por exemplo.
Mas pode ser compensada pela capacidade de encontrar o melhor parceiro possível
e produzir vários filhotes saudáveis.
Darwin, no entanto, nunca conseguiu
explicar como essas preferências surgiram nos animais. "Você não pode
simplesmente assumir que os seres têm um senso de estética e que isso levou ao
processo de seleção sexual", conta Adam Jones, da Texas A&M
University.
Uma explicação fundamental foi apresentada
nos anos 70 pelo biólogo Robert Trivers, que percebeu que a chave de tudo era o
esforço que muitos animais colocam nos cuidados com a cria.
Segundo ele, as espécies que investem
tempo e forças na criação de seus filhotes tendem a ser mais seletivas na hora
de escolher seus parceiros, em comparação a animais cujos filhotes precisam de
menos atenção. Nessa hora, a beleza é um indicativo dos parceiros mais
saudáveis.
A elaborada cauda do pavão é talvez o
exemplo mais conhecido. Quanto mais longa a cauda de um macho, mais difícil é
para ele fugir de predadores. No entanto, as fêmeas preferem justamente aqueles
que apresentam o maior número de estampas em sua cauda.
Indicação
de fertilidade
Para Jones, a decisão da fêmea, no
entanto, nem sempre é consciente. "A atração por algo bonito pode ser
simplesmente uma resposta fisiológica", afirma.
A
fêmea da mosca-da-azeitona (Bactrocera oleae), por exemplo, prefere machos que consigam vibrar suas asas rapidamente.
Trata-se de uma seleção sexual, mas não necessariamente se trata de uma decisão
consciente.
A resposta à beleza pode ser também
instintiva, o que certamente é o caso do ser humano.
Homens tendem a preferir mulheres com
uma proporção ideal entre a cintura e os quadris, enquanto elas preferem
parceiros com voz mais grave e mandíbulas quadradas. Assim como a cauda do
pavão, esse traços são indicadores de saúde e resistência a parasitas, e são
difíceis de serem criadas artificialmente.
Eles também mostram nossa
fertilidade. Os traços atraentes nos homens indicam maior testosterona, e nas
mulheres, mais estrógeno – dois hormônios envolvidos na concepção.
A
importância do rosto
Mas será que nossos ancestrais
hominídeos também tinham preferências semelhantes às nossas? Olhando outros
primatas é possível colher evidências promissoras.
Um estudo de 2006 mostrou que macacos
Rhesus, assim como o ser humano, também se atraem por rostos mais simétricos,
como indicadores de parceiros de maior qualidade.
As fêmeas do orangotango preferem
machos com bochechas mais largas.
Isso sugere que o homem e seus
parentes têm usado o rosto para fazer propaganda de suas qualidades genéticas
há muito tempo.
"Também é natural escolher
parceiros mais jovens sem nenhum sinal de doenças", afirma Glenn Sheyd, da
Universidade Nova Southeastern, na Flórida. Essa combinação "ativa o
desejo de se reproduzir preferencialmente com um indivíduo do que com
outro".
A
evolução da preferência
Daí
surge outra questão: como nossas preferências específicas evoluem? Um estudo
com pequenos pássaros chamados mandarim (Taeniopygia
guttata) pode dar uma pista.
A descoberta feita por Nancy Burley,
professora da Universidade da Califórnia em Irvine, ocorreu por acaso, em 1982.
Quando seu laboratório recebia novas espécimes de mandarins, elas recebiam
pequenas faixas coloridas para que a cientista pudesse identificá-los.
Para a surpresa de Burley, os
pássaros que usavam certas cores tinham mais sucesso em encontrar um parceiro e
até cuidavam melhor de sua cria. As fêmeas preferiam os machos com a faixa
vermelha, enquanto eles preferiam as que tinha faixas rosa ou preta.
Os mandarins desenvolveram todo um
novo código de preferências sexuais no laboratório.
Aparentemente, essas aves têm uma
inclinação natural para valorizar certos sinais. Mas o estudo mostra que há
algo quase aleatório sobre os traços que os animais consideram bonitos.
Assim como o homem, os mandarins de
Burley poderiam ser tornados mais atraentes apenas pela manipulação de sua
aparência. Segundo ela, isso sugere que algumas preferências estão bem
implantadas no cérebro.
Resposta
inata
No futuro, essas mudanças aleatórias
no DNA dos mandarins podem produzir novos traços de beleza que serão escolhidos
pelos futuros parceiros.
Sem essa resposta inata à beleza e a
competição que resulta dela, a vida pode ser bem diferente.
As drosófilas comuns, por exemplo,
são normalmente bastante promíscuas. Em 2001, um estudo descobriu que quando os
machos são forçados à monogamia, eles evoluem para corpos menores e produzem
menos esperma. Da mesma forma, quando as fêmeas são geneticamente modificadas
para serem monógamas, elas também se tornam menos férteis.
Ou seja, se não houvesse seleção
sexual, o próprio sexo deixaria de existir.
Enquanto a maioria de nós nunca vai
ter a chance de assistir às danças da aranha e da ave-do-paraíso, estamos
cercados de belos animais que foram parcialmente moldados pela seleção sexual.
Muito da diversidade e da glória da
vida se deve à apreciação que os animais têm da beleza.
"Se você tem que competir por
parceiros e precisa ser bonito para isso, a disputa acrescenta uma nova
dimensão à evolução daquele organismo", afirma Jones.
De certa maneira, não importa se eu
não descubra por que acho certas paisagens ou certas pessoas bonitas. O
importante é eu ter essas preferências. Sem elas, nossa história evolutiva
poderia ter sido bem diferente.
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