Ciência
COMO SHOW DE ABERRAÇÕES FINANCIOU UMA
REVOLUÇÃO NA MEDICINA
No começo do século 20, feiras de aberrações atraíam multidões de
curiosos nos EUA e na Europa, reunindo de engolidores de espadas, mulheres
tatuadas e dançarinas burlescas a bebês prematuros expostos em urnas de
cristal.
Na
feira Luna Park de Coney Island, em Nova York, estes "bebês de
incubadora" faziam parte de uma exposição cuja entrada custava US$ 0,25.
A
exposição foi aberta em 1903 e se continuou em cartaz por 40 anos.
Mas,
por trás das estranhas urnas havia mais do que um homem de negócios: o doutor
Martin Couney, um neonatologista pioneiro que oferecia a pais desesperados uma
alternativa inovadora, quando os hospitais consideravam seus bebês
desenganados.
Beth Allen mostra uma foto feita
Era
este dinheiro dos visitantes que financiava o trabalho gratuito de Couney.
Um médico fora do sistema
O
médico se formou na Alemanha e mais tarde estudou em Paris com o doutor Pierre
Budin, pioneiro na teoria das incubadoras fechadas, projetadas para manter o
calor dos bebês e protegê-los dos germes.
Apesar
dos resultados positivos, as técnicas de Couney e Budin não se encaixavam no
receituário da maioria dos hospitais da época.
Beth Allen em uma incubadora do dr. Martin Couney
na exposição de Coney Island, Nova York, em 1941
Segundo
conta Jeffrey P. Baker em um artigo sobre a história das incubadoras, Couney se
queixava de ser visto como simples empresário, já que foi o
"salvador" de milhares de crianças.
Ele
afirmava que fazia "campanha pelos devidos cuidados aos prematuros".
Na
prática, afirma Baker, as exposições de bebês prematuros no começo do século 20
ofereciam uma tecnologia para cuidados médicos que nenhum hospital da época
possuía.
Nas
mostras, os bebês eram atendidos por médicos e enfermeiras que se revezavam em
turnos.
O
próprio doutor estimou ter mantido vivos entre 1903 e 1943 cerca de 7,5 mil dos
8,5 mil prematuros que passaram por suas incubadoras de exposição.
Um
destes bebês sobreviventes é Beth Allen, que nasceu prematura em 1941, com uma
irmã gêmea que não sobreviveu ao parto.
Beth Allen, nascida em 1941, é um dos bebês
sobreviventes das incubadoras do doutor Couney
Foi
o pai de Beth que registrou o trabalho de Couney em fotografias. É ela que
aparece nos braços do próprio doutor Couney, na foto que ilustra o alto desta
página.
Em
entrevista à agência de noticias AP, Allen contou que a sua mãe a princípio não
queria pôr a filha em uma das incubadoras de Coney Island, mas foi convencida
pelo pai.
A
mulher, que hoje tem 74 anos e mora em Nova Jersey, considera assustador o
espetáculo de prematuros, algo impensável hoje em sua opinião.
"Quanto
mais envelheço, mais aprecio a oportunidade que me foi dada para estar aqui
hoje falando com você e para viver a vida maravilhosa que tive", afirmou.
'Acho que pesava apenas uns 900 gramas'
Lucille
Horn, nascida em 1920, é outro bebê prematuro que sobreviveu graças às mostras
de prematuros.
"O
meu pai me disse que eu era tão pequena que eu cabia na palma da sua mão",
afirmou à própria filha em uma entrevista para o projeto StoryCorps, uma
iniciativa americana de registro de histórias pessoais em áudio.
Lucille Horn sobreviveu após ter nascido em 1920
pesando apenas 900 gramas
"Acho
que pesava apenas uns 900 gramas, e não podia sobreviver por conta própria, era
muito frágil", diz ela na gravação.
Lucille
também tinha uma irmã gêmea que morreu no parto. No hospital, não lhe deram a
menor esperança de vida.
Mas
ela conta que o pai não se deu por vencido: envolveu a criança numa toalha e a
levou num táxi até Coney Island, onde o doutor Couney mantinha a exposição de
prematuros.
E
ali Lucille passou seis meses.
A
hoje nonagenária afirma que quando era adolescente voltou à feira de aberrações
para ver os bebês. E decidiu se apresentar ao doutor Couney ao vê-lo.
"Havia
um homem em frente a uma incubadora olhando para o seu bebê, e o doutor Couney
se aproximou e o tocou no ombro", relembra Lucille.
"Olhe
esta jovem, é um de nossos bebês. E é assim que o seu bebê irá crescer",
afirmou o médico ao pai agoniado, segundo a sobrevivente.
Popularização demorada
A
invenção da incubadora em 1880 alimentou décadas de entusiasmo popular e
médico, mas o desenvolvimento da tecnologia foi lento nos 50 anos seguintes.
Voluntárias
aprendem a cuidar de bebês prematuros e a usar incubadoras no hospital de
Leeds, na Inglaterra, em 1939.
Um artigo publicado em 2000 na revista
especializada Journal of Perinatology aponta que
é importante considerar esta história não apenas pelo lado tecnológico, mas sob
a perspectiva da responsabilidade em relação ao recém-nascido, e como esta foi
sendo transferida das mães aos obstetras e, depois, aos pediatras.
O
doutor Couney morreu em 1950, pouco depois da popularização das incubadoras nos
hospitais.
Atualmente,
segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), 15 milhões de prematuros nascem
por ano – são prematuros os nascimentos registrados antes da 37ª semana de
gestação, das 40 de praxe.
Cerca
de um milhão desses bebês não sobrevive. E muitas destas mortes podem ser
evitadas mantendo apenas o calor dos bebês.
A
temperatura do corpo de um bebê cai logo que ele deixa o ambiente controlado do
útero materno. Por isso é importante regular a sua temperatura após o parto.
Ocorre,
contudo, que prematuros possuem pouca gordura corporal, daí a capacidade
reduzida de controlar a própria temperatura – e a importância do experimento do
dr. Couney.
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