Arquitetura
PRESERVAR É TOMBAR? REFLEXÕES SOBRE O CRITÉRIO PARA PRESERVAÇÃO NO
BRASIL
Formando em Arquitetura e Urbanismo. Achava que Le Corbusier era Deus
até conhecer Jan Gehl.
Por que devemos preservar nossas cidades e nossos edifícios? A
"museificação" de grandes centros históricos é comum hoje no cenário
nacional, mas será que o tombamento é a única solução para a preservação?
Há mais de vinte
anos, Carlos Nelson Ferreira dos Santos publicava mais uma de suas análises, na
década de 80 com uma forte crítica do que estava acontecendo na época. Segue o
trecho:
“Quando se pensa em preservar,
alguém logo aparece falando em patrimônio e tombamentos. Também se consagrou a
crença de que cabia ao governo resguardar o que valia à pena. Como? Através de
especialistas que teriam o direito (o poder-saber) de analisar edifícios e
pronunciar veredictos [… atribuindo] caráter distintivo a um determinado
edifício. […] Do jeito que vem sendo praticada, a preservação é um estatuto que
consegue desagradar a todos: o governo fica responsável por bens que não pode
ou não quer conservar; os proprietários se irritam contra as proibições, nos
seus termos, injustas, de uso pleno de um direito; o público porque, com enorme
bom senso, não consegue entender a manutenção de alguns pardieiros, enquanto
assiste à demolição inexorável e pouco inteligente de conjuntos inteiros de
ambientes significativos”
O Pelourinho em Salvador/Ba
Recapitulando a
problemática, é necessário lembrar que o conceito de preservação do patrimônio
surgiu na Europa na metade do século XIX, com o intuito de garantir uma
identidade nacional e preservar a memória da nação. Este mesmo conceito foi
introduzido ao Brasil pela Lei n° 25, de 30 de novembro de 1937, desde então há
inúmeros esforços para se fazer valer da lei e conseguir de alguma maneira
preservar nossa memória artística e cultural.
Ouro Preto (Vila Rica) MG
Obviamente a
preservação é muito mais abrangente que o tombamento em si. A preservação diz
respeito a um conjunto de medidas, desde intervenções físicas até políticas
públicas, o tombamento é apenas uma dessas medidas. Com os conceitos
devidamente explicados é importante ressaltar que somos carentes de cultura.
Com tantos problemas que nos assolam e que são considerados no âmbito das
necessidades básicas, como alimentação e moradia, pouco tempo nos resta para
nos preocupar com o lazer, as memórias e histórias da cidade. A pobreza e a
falta de escolaridade contribuem para a limitação do uso do patrimônio. E por
último por sermos colônia, estamos sempre a espera de um modelo europeu ou
português para, assim, introduzi-lo em nossa sociedade. O grande problema em se
tombar, como dito pelo autor, é que tudo fica a encargo do Governo Federal e
não existe hoje, representantes no Parlamento para defender a bandeira do
patrimônio histórico e cultural. A preservação nada tem a ver com a ‘museificação’
do local, ou seja, emular uma paisagem antiga aos tempos de hoje (como ocorrido
no Pelourinho), além de expulsar os usuários dos bens para longe, a fim de
iniciar uma higienização social. Muito pelo contrário, um bom projeto de
preservação garante a inserção da sociedade e dão sentido a apropriação e ao
uso local.
Temos então, dois
lados da moeda: por um lado o Estado, que impõe uma responsabilidade ao
proprietário e o deixa sem recursos financeiros com o imóvel muita das vezes
sem poder ser utilizado como comércio ou até residência. É um ônus sem qualquer
bônus ou incentivo. Do outro lado temos a ignorância da população e do
proprietário em relação ao valor cultural que a construção possui, temos então
um problema de educação cultural. Se não entendermos que cidades surgem e
desaparecem, da mesma forma que nós, jamais poderemos conviver com o velho e o
novo. Uma coisa é certa: não precisamos de uma cidade ‘museificada’, intocável.
De fato, projetos chamados de preservação, mas que engessam e de certa forma descaracterizam
e ‘museificam’ espaços não fazem sentido à preservação como um todo e a cidade
especificamente. Exatamente por ela conter fortes elementos vivos e de
interatividade.
O tropicalista
Gilberto Gil define bem o conceito: “pensar em patrimônio agora, é
pensar com transcendência, além das paredes, além dos quintais, além das
fronteiras. É incluir as gentes, os costumes, os sabores, os saberes. Não mais
somente as edificações históricas, os sítios de pedra e cal. Patrimônio também
é o suor, o sonho, o som, a dança, o jeito, a ginga, a energia vital e todas as
formas de espiritualidade da nossa gente. O intangível, o imaterial.”
Por uma CIDADE que
viva o presente, planeje o futuro e preserve o passado.
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