João
FelletEnviado especial da BBC Brasil à
Flórida
No Brasil eles
pertenciam ao topo da pirâmide social: ganhavam bem, moravam nos melhores
bairros, tinham mais de um empregado em casa. Mas abriram mão da posição para
viver como imigrantes nos Estados Unidos.
A BBC Brasil visitou três casas de brasileiros que
se mudaram para o Estado da Flórida desde o ano passado. Em comum, todos dizem
que migraram por causa da violência no Brasil e que tiveram de baixar o padrão
de vida no novo país.
"Tive dois amigos assassinados em
assalto", diz o advogado e juiz aposentado Newton Azevedo, 69 anos, que
trocou uma casa com sete suítes de frente para o mar no litoral paulista por
uma residência com três quartos perto de Orlando.
Sua casa no Brasil "tinha vários empregados
fixos"; hoje, conta com os serviços de um casal de faxineiros uma vez por
mês. "Os custos aqui são elevadíssimos, então tivemos de nos
adaptar."
Azevedo e a esposa, Rose, se mudaram em julho de
2014 para Winter Garden com a filha, o genro e os dois netos, que moram em
outra casa no mesmo condomínio.
Diferentemente de muitos brasileiros que vivem nos
Estados Unidos, os imigrantes entrevistados foram recebido de braços abertos
pelas autoridades americanas e não têm planos de voltar.
Para estar ali, cada família teve de investir parte
de seu patrimônio em negócios locais.
"Como nos anos 1990, há uma nova onda de
migração do Brasil para os Estados Unidos", diz a advogada brasileira
Renata Castro, que atende imigrantes na Flórida há 13 anos. Ela remonta o
início do fluxo atual ao segundo semestre de 2014, quando Dilma Rousseff se
reelegeu e crise econômica se intensificou.
Castro diz, contudo, que a leva atual é composta
por imigrantes mais ricos e qualificados que os vindos nas décadas passadas.
"Existe uma clara mudança no perfil. Muitos
brasileiros com recursos têm nos procurado para saber como podem migrar
legalmente, interessados nas vantagens que a legislação migratória americana
oferece ao grupo".
Visto de investidor
Azevedo e a esposa receberam um visto EB-5, que
exige um investimento mínimo de US$ 500 mil (R$ 1,8 milhão) e que gere ao menos
dez empregos fixos em áreas rurais ou com desemprego alto dos Estados Unidos.
A filha e o genro do casal investiram outros US$
500 mil para obter o mesmo visto, estendido também a seus filhos. A família
aplicou num fundo de investimentos de um hospital.
O governo americano criou esse tipo de visto para
atrair estrangeiros ricos e estimular a economia.
Também é possível conseguir a autorização para
residir nos Estados Unidos investindo em negócios próprios.
Ex-funcionário da Deloitte, uma das maiores consultorias
globais, o paulistano Marcos Vinicius Liberato, 29 anos, chegou a Boca Raton (a
70 km de Miami) há 50 dias para abrir uma creche com um sócio.
"Quando você vai empreender no Brasil, tem 'n'
fatores que vão contra você ter sucesso. Esse cenário fez com que eu pensasse:
'poxa, já que vou começar algo novo, por que não lá?'", ele diz.
Liberato, que também tem cidadania italiana, pedirá
um visto E-2. O visto não exige um investimento mínimo, mas só é concedido a
brasileiros que também sejam cidadãos de países que mantenham um acordo
específico com os Estados Unidos, entre os quais Itália, Espanha, Alemanha e
Japão.
Seu sócio no empreendimento - o amigo de infância
Leandro Maia, de 33 anos - investirá US$ 500 mil para conseguir o EB-5.
Dono de um restaurante de comida espanhola em São
Paulo, Maia diz ter decidido se mudar para os Estados Unidos quando, há um ano
e meio, foi alvo de dois disparos num assalto na capital paulista.
Na época, a esposa dele estava grávida da primeira
filha, hoje com um ano e oito meses.
Ele, a mulher, a filha e o sócio estão
temporariamente hospedados na casa de férias dos pais de Maia. Desde que
chegaram, os dois têm trabalhado do amanhecer até tarde da noite à procura de
um local para abrir a creche. O começo, dizem eles, tem sido difícil.
"Já tomamos dois baldes de água fria. Às vezes
nos perguntamos: 'Será? Vale a pena?' Mas acredito que, com o trabalho feito de
forma séria, você consegue", diz Liberato.
'A cidade menos americana dos EUA'
Em Miami há pouco mais de um ano, a ex-modelo
Karmel Portoleti e seu marido, Renato Mendonça, dizem já se sentir em casa.
Pais de três filhos, eles abriram um salão de
design de sobrancelhas em South Beach, um dos mais badalados bairros da cidade,
e planejam expandir a operação.
A maioria dos clientes são turistas e residentes
latinas, entre as quais muitas brasileiras.
Mendonça tem no Brasil uma confecção de roupas e
obteve um visto L-1, que permite a empresas estrangeiras enviar funcionários
aos Estados Unidos para abrir uma operação no país.
"Miami é a cidade menos americana dos Estados
Unidos - uma cidade muito latina, com uma mistura muito grande de brasileiros,
colombianos, venezuelanos, haitianos, russos... Isso facilitou a nossa
adaptação", ele afirma.
O empresário também diz que a violência foi o
principal motivo para deixar o Brasil.
"Não queria continuar achando normal andar de
carro blindado".
Hoje, ele diz não ter "a mínima vontade de
voltar, nem a passeio".
Nenhum comentário:
Postar um comentário