História
Publicado por Anna Anjos,
é ilustradora e artista plástica. Atua para publicidade, editorial,
moda, mobiliário e cenografia. Apaixonada por música, mitologia, folclore e
antropologia cultural.
Desempenhando um
fundamental papel histórico no entendimento sobre o que significa "ser
humano", as máscaras permitiram a experiência da imaginação. Segundo o
escritor e poeta mexicano Octavio Paz: "Enquanto estamos vivos, não
podemos escapar de máscaras e nomes. Somos inseparáveis de nossas ficções –
nossas feições".
Ornamentadas em diversos materiais (madeiras,
metais, conchas, fibras, marfim, argila, chifre, pedra, penas, couro, peles,
papel, tecido e palha de milho), as máscaras representaram, ao longo dos
séculos, os seres sobrenaturais, as divindades e os antepassados. Uma das mais
antigas práticas humanas, o uso das primeiras máscaras pelo homem primitivo
teria ocorrido em 9.000 a.C.. Em fase de restauração no Museu Bible et
Terre Sainte, em Paris, e no Museu de Israel, em Jerusalém, as máscaras
antropomórficas (detentoras de características humanas) teriam sido utilizadas
em diversas celebrações, cultos e rituais de povos primitivos. Elas buscariam a
associação do usuário com algum tipo de autoridade incontestável, tal como
"deuses" ou alguma outra forma de creditar a reivindicação da pessoa
em um determinado papel social.
Na China, as máscaras eram usadas para
afastar os maus espíritos. No Egito Antigo e na Grécia, elas eram inseridas
sobre o rosto dos falecidos na crença da passagem para a vida eterna. Essas
máscaras mortuárias estilizadas tinham a função de orientar e evitar a
"fuga" espiritual do corpo, seu lugar de descanso eterno. Elas eram
feitas de tecido coberto com gesso ou estuque (uma argamassa composta de gesso,
água e cal, de secagem rápida) e pintadas logo em seguida. Para personagens
mais importantes, foram utilizados metais preciosos como a prata e o ouro.
Foi também durante a Grécia antiga que
surgiram as máscaras teatrais. O exagero de expressão era característica
principal dessas máscaras, que maximizava a natureza de cada personagem. Usadas
em rituais de drama (também adotadas nas festas dionisíacas), elas foram
projetadas em um tamanho que permitisse ampliar a presença do ator e também sua
voz, através de um dispositivo embutido em uma espécie de "megafone".
Entre o final da Idade Média e ao longo do
século 18, a confecção das máscaras mortuárias para a realeza da Europa foi
reavivada, tornando-se tradição entre as pessoas famosas da sociedade europeia
entre o século 17 e 20. Com cera ou gesso líquido de paris (feita de minério de
cálcio e água, que tem a propriedade de não encolher e endurecer rapidamente),
o negativo do rosto humano era produzido e agia como um molde para a imagem
positiva. Segundo o historiador José Mattoso, em As Máscaras: o rosto
da vida e da morte (Universidade do Porto, 1999), "(...) este
ritual tinha por si mesmo uma forte eficácia como elo de coesão para o grupo de
descendentes. (...) A manutenção deste elo garantia a prosperidade e a
fecundidade do grupo, isto é, assegurava a sua perpetuação."
O teatro japonês No (misto
de canto, pantomima, música e poesia) possui cerca de 125 variedades de
máscaras, que são classificadas em cinco tipos gerais: pessoas de idade
(masculino e feminino), deuses, deusas, demônios e duendes. Confeccionadas em
madeira, revestidas de gesso, envernizadas e douradas, as máscaras são pintadas
respeitando significados de cada cor: simbolizando a violência e a brutalidade,
o vilão é representado pelo preto; o branco caracteriza um governante corrupto;
o vermelho significa um homem justo.
José Mattoso analisa o papel dual da máscara:
"Se repararmos para que serve, sobretudo nas sociedades ditas 'primitivas'
e nas sociedades tradicionais, tem de se reconhecer, creio eu, que a máscara,
longe de ocultar, revela; que ela retira a expressão pessoal do rosto, mas
manifesta aquilo que na vida cotidiana não se pode ver; que ela serve, enfim,
para descobrir um certo sentido do rosto que está para além das aparências:
aquele sentido em que a face viva e individual faz esquecer e só aparece com a
morte." Um exemplo disso são as máscaras criadas por povos do Himalaia,
que funcionavam, sobretudo, como mediadores de forças sobrenaturais.
Anthony Shelton, diretor do Museu de
Antropologia da Universidade da Colúmbia Britânica, afirma que a mais antiga evidência
de máscaras nas Américas é um fóssil de vértebra de lhama encontrado no México,
entre 12 a 10 mil anos a.C., que teria sido esculpida para representar a cabeça
de um coiote. Ele acredita que as máscaras de animais podem ter sido utilizadas
em cerimônias religiosas, iniciações e rituais de sepultamento, representando a
intervenção de entidades ancestrais. Além disso, elas poderiam ser utilizadas
como uma forma de divisão política do império Inca.
A iconografia andina inclui certos
personagens e temas onipresentes, desde a era Chavín (pré-inca) ao tempo dos
Incas (de 1500 a.C. a 1532 d.C.). Muitas das primeiras máscaras representavam
alguns animais, incluindo o jaguar (onça), o puma e a raposa (alguns dos quais
posteriormente assumiriam características cada vez mais antropomórficas entre
as civilizações Chimú e Moche). O cronista Felipe Guaman Poma de Ayala, que
viveu no Peru, desenhou alguns fazendeiros usando cabeças de raposas e peles
sobre suas próprias cabeças. Eles incorporariam personagens animalizados
durante cerimônias dedicadas a certas entidades espirituais.
Durante o Bal Masqué (tradicional
baile de máscaras europeu), o uso de máscaras era obrigatório - e até
satisfatório, devido a constantes conflitos políticos. Os cortesões mascarados faziam
brincadeiras, confiantes no anonimato, extravasando todos os seus impulsos
reprimidos e libertando-os das normas sociais.
Incerta, a origem da palavra
"máscara" é interessante: alguns acreditam que poderia ser
proveniente do latim (mascus ou masca;
"fantasma") derivado do árabe (maskharah, palhaço; e do
verbo sakhira, "ao ridículo"). Mas ela também poderia ser
proveniente do hebreu (masecha), cuja tradução seria algo como "ele
zombou, ridicularizou". Curiosamente, em Veneza, as máscaras tornaram-se
peças decorativas, transformando-se em principal atividade econômica para a
região. Usadas pelos "bobos da corte", artistas do riso, as máscaras
transformaram-se em Arlequim, Pulcinella, Pierrot e Colombina, personagens
da Commedia dell’arte. Realizado nas ruas e praças públicas, esse
teatro popular improvisado apresentava cenas que ironizavam a vida e os
costumes da nobreza da época. Mais tarde, esses mesmos personagens inspirariam
o Carnaval veneziano, que duraria até o final do século 18, com a queda da
República de Veneza, período em que o uso e a tradição das máscaras começou
gradualmente a diminuir, até desaparecer completamente.
Enquanto símbolo visual, a máscara retoma as
fontes dos mitos dos antepassados, dos deuses e dos animais totemizados. E
continua presente em eventos sociais como bailes, desfile de carnaval, festas à
fantasia e em diferentes profissões: médicos e dentistas usam máscaras
cirúrgicas, protegendo a si e os pacientes. O soldador protege-se das fagulhas
com uma máscara metálica; no esporte, o esgrimista, o jogador de futebol
americano e o lutador de boxe não podem entrar em combate sem sua máscara. Elas
servem não apenas para proteção, como também desempenham a construção de uma
identidade, de um imaginário acerca de determinada função na sociedade (isso
remete, ainda que de forma longínqua, às antigas máscaras gregas que serviam
para dar rosto aos personagens).
Segundo Mattoso, "é esse aspecto
misterioso e transcendente que a máscara tenta exprimir, através da distorção
ou do grotesco, do exagero ou da estilização, da transfiguração ou da
simplificação, da imitação ou da inversão. Por meio do recursos imprevisíveis,
e todavia repetitivos, da arte, a máscara procura abrir o caminho à compreensão
do que há de mais universal no homem, e do que inexoravelmente o liga ao
mistério das trocas entre a morte e a vida. Só assim se compreende o fascínio
pelas máscaras que inspiraram e inspiram tantos artistas do teatro e tantos
escultores em todas as culturas e em todas as civilizações." As máscaras
são narrativas visuais complexas, cuja função é dar voz a um personagem.
Carregadas de mistério e divindades, elas introjetam valores de culto aos
rituais, possibilitando por algum momento ser "o outro" que, com
poderes ocultos e inimagináveis se harmoniza ao grupo, que o acolhe em tempo e
espaço determinados pela história cultural.
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fantástico texto! :-)
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