Espeleologia
O explorador de cavernas britânico Andrew Eavis é tido como a pessoa que
descobriu mais territórios no planeta do que qualquer um - só que tudo debaixo
da terra.
Aos 67 anos, expedições que liderou permitiram a documentação de mais de
520 km de passagens subterrâneas, e o número continua a crescer.
"Na minha opinião, os três lugares que ainda
restam a explorar são o espaço, o oceano profundo e as cavernas. E os dois
primeiros estão fora do meu alcance", disse Eavis ao programa Outlook, da BBC.
O que move esse engenheiro de minas, que fez fortuna com uma empresa
própria de embalagens de plástico, é a possibilidade de ser o primeiro a chegar
onde ninguém esteve. "Se tivesse vivido há 200 ou 300 anos, teria adorado
explorar países, continentes e ilhas."
A paixão pela espeleologia, o estudo das cavernas, veio ainda na
universidade. Sua primeira expedição, parte de uma atividade escolar, foi a
geleiras da Noruega em 1969.
Foi quando Eavis percebeu que as cavernas eram muito mais do que os
lugares gelados, úmidos e sufocantes que costumam habitar o senso comum. E que
existem cavernas gigantes e de grande beleza.
"Em cavernas tropicais, a superfície é quente, úmida,
claustrofóbica e tomada pelo barulho de insetos. Na verdade, é muito mais
agradável no subsolo, que é o oposto disso", conta o explorador.
Em 1975, Eavis organizou sua primeira expedição, para a Papua-Nova
Guiné. Foi uma viagem de seis meses com 24 pessoas, de custo alto para a época
(cerca de 80 mil libras esterlinas, ou quase R$ 500 mil) e bastante
responsabilidade para um jovem na casa dos 20 anos.
A viagem chamou a atenção da Royal Geographical Society, o principal
órgão de estudo da geografia no Reino Unido, que o convidou para uma
"oportunidade de ouro", como ele define: uma viagem, em 1978, à ilha
de Bornéu, na Malásia.
Ali, no parque nacional Gunung Mulu, apenas cinco pessoas de seu grupo
desbravaram mais de 150 km de um dos maiores sistemas de cavernas do mundo.
Tecnologia de ponta
E se naquela época Eavis documentava suas descobertas com fita métrica,
inclinômetro e poucos instrumentos, hoje encara as cavernas munido de laptops,
baterias e scanners a laser que chegam a custar R$ 600 mil cada um.
Esses equipamentos permitem fazer um levantamento topográfico com
precisão em centímetros, revelando os contornos de câmaras tomadas pela
escuridão e que podem ter o tamanho de três estádios de Wembley, o famoso campo
de Londres.
"Mas fico impressionado ao comparar os resultados de hoje com
pesquisas de 40 anos atrás: as medições são parecidas, o que mostra como
aquelas pesquisas eram boas", afirmou Eavis, hoje diretor da Associação
Britânica de Espeleologia.
O britânico, morador de Hull, uma cidade de 250 mil habitantes no norte
da Inglaterra, também foi um dos primeiros ocidentais a desbravar uma das áreas
mais importantes do mundo para o estudo das cavernas, a China.
Em 1982, esteve pela primeira vez em Guilin, no úmido sudeste do país,
conhecida como a capital chinesa do carste, o relevo típico das cavernas,
caracterizado pela ação geológica da água subterrânea sobre rochas solúveis.
"Na China, estive em vilarejos que só são acessíveis por passagens
por cavernas. E como (os vilarejos) estão relativamente intocados pela situação
moderna, estão em grande parte como há 200, 300 anos", disse.
Eavis abriu caminho para a espeleologia na China numa época em que o
país ainda vivia num regime político muito fechado, e seu trabalho e as
relações que estabeleceu por lá ajudaram a difundir o interesse pelas cavernas.
"Descobri uma caverna (na China) em 2000, voltei três anos depois e
tinha um milhão de visitantes", afirmou ele.
O explorador conta que muitas cavernas na China guardam ruínas de
antigas fábricas de sal - substância abundante nesses locais, e que também
servia para o preparo da pólvora.
"A China tinha pólvora há 5 mil anos, e isso por causa das cavernas,
e hoje ainda usam essa pólvora para abrir estradas (com explosões de rochas)
como faziam há 5 mil anos."
Perigos e família
Em quase 50 anos de exploração, Eavis tem a sorte de poder afirmar que
nunca se feriu gravemente nessas oportunidades.
Image
copyright Image caption Numa caverna no Brasil, Andrew Eavis aparece como um pequeno ponto
no centro da imagem
"Já passei por tudo que se possa imaginar, mas faço tudo de forma
muito controlada. Controlo meu próprio destino, e não entro numa caverna se
achar que não possa sair", afirmou.
E ele brinca ao dizer que, apesar de adorar desbravar as profundezas do
planeta, gosta também de sair delas, e que a claustrofobia que sente nas ruas
durante a época de compras de Natal o incomoda muito mais.
"Os humanos têm grande afinidade com a luz do sol, do dia. Amo
cavernas, mas gosto de entrar e sair delas", disse ele, que após quase 50
anos de viagens subterrâneas ainda fala com encanto das belezas naturais e
vestígios humanos do mundo das cavernas.
Para ele, a superfície pode ser até mais perigosa -
na entrevista ao programa Outlook, da BBC,
contou que na semana anterior fora queimado por um raio ao se debruçar na
janela de um edifício em Estocolmo para fotografar uma forte tempestade
elétrica.
A mulher de Eavis, Lilian, com quem tem três filhos, o acompanha em
muitas viagens, mas prefere não se aventurar nas profundezas.
Para ilustrar a relação da família com seu ofício de risco, ele conta
que a mulher chegou a decretar o fim da carreira de aventuras dele quando o
primeiro filho do casal nasceu, na década de 1970.
Mas depois, quando o caçula fez quatro anos, a mesma mulher perguntou
quando Eavis o levaria a uma caverna.
Hoje, esse filho mais novo, Robert, segue os passos do pai na
espeleologia.
E ainda há muito caminho à frente desse aventureiro: segundo estudiosos
do assunto, 90% das cavernas do mundo ainda são território inexplorado.
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