Política internacional
Raúl Castro recebe Jorge Mario
Bergoglio no aeroporto de Havana
PABLO ORDAZ Havana
El País – O Jornal Global
Chegada do Papa a
Havana. / ATLAS / AP
Se a essas palavras se somam as
pronunciadas algumas horas antes, durante um encontro com estudantes de Nova
York e Havana, sobre os líderes que se transformam em tiranos, não é difícil
deduzir que Francisco, além de pedir o fim do bloqueio – como espera e
necessita o Governo cubano –, também lançará sinais de advertência para um
regime que não troca de sobrenome há mais de meio século. “Um bom líder é
aquele que é capaz de gerar outros líderes”, explicou o Papa em resposta a
perguntas de um jovem. “Se um líder quer sustentar a liderança, é um tirano. Os
líderes de hoje não estarão amanhã. Se não semeiam a semente da liderança em
outros, não têm valor. São ditadores”, acrescentou.
Não é difícil prever que em um país onde não existe liberdade de
imprensa, cada palavra que o papa Francisco pronunciar em Havana, Holguín ou
Santiago será analisada sob a lente da suspeita. O Governo de Cuba tem a
esperança de queJorge Mario Bergoglio, em quem vê um poderoso aliado
diplomático, mais que um líder religioso, manifeste-se de forma terminante contra o bloqueio dos EUA sem se meter – pelo menos,
não de forma explícita – em assuntos de política interna. É quase questão de
inércia.
Não se pode esquecer de que o
preço que a Igreja cubana teve de pagar para manter as pontes abertas foi em
muitas ocasiões o do silêncio condescendente. A estratégia de não romper em
nenhuma circunstância as comunicações com Cuba foi a linha invariável do
Vaticano desde João XXIII – que ficou furioso ao saber que a Igreja cubana
fugiu em polvorosa temendo represálias dos barbudos e ordenou que os padres
retornassem – até agora, e Francisco não vai mudá-la. Mas também é previsível
que, agora que Cuba pede e recebe, Bergoglio incentive sua disposição de fazer
concessões. O Papa argentino está disposto a aproveitar o trunfo que Barack
Obama e Raúl Castro lhe deram quando reconheceram publicamente, em dezembro, sua
contribuição para o diálogo.
Raúl Castro, por sua vez,
agradeceu ao Papa pelo apoio no restabelecimento de relações diplomáticas com
os Estados Unidos, um “primeiro passo no processo para a normalização dos
vínculos entre os dois países, que exigirá resolver problemas e reparar
injustiças”.
“O bloqueio, que provoca danos humanos e privações às famílias cubanas, é
cruel, imoral e ilegal, deve acabar”, afirmou Raúl Castro em seu discurso de
boas-vindas a Francisco. Além do fim do embargo, o líder cubano exigiu a
devolução do “território usurpado pela base naval [dos EUA] em Guantánamo” –
“justas reclamações” que, segundo ele, são compartilhadas “pelos povos e pela
imensa maioria dos governos do mundo”.
Em seu discurso no aeroporto de Havana, o Papa fez
uma referência, quase subliminar, à dissidência e ao exílio: “Queria que minha
saudação chegasse especialmente a todas aquelas pessoas que, por diversos
motivos, não poderei ver e a todos os cubanos espalhados pelo mundo”. Durante o
voo, o Papa contou que tinha se encontrado com a família de refugiados sírios
que foram acolhidos no Vaticano e assinalou que seu rosto – no qual estavam
reunidos todos os sofrimentos da guerra e da fuga – o deixara impressionado.
Por isso, pediu que os jornalistas refletissem sobre a importância da paz: “Eu
agradeço vocês por tudo que fizerem em seu trabalho para estabelecer pontes.
Pequenas pontes, pequenas, mas as pequenas pontes, juntamente com outras e
outras, fazem uma grande ponte para a paz”.
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