Costume/tradição
Publicado por Priscilla Santos,
não é daqui, nem de lá e tem nisso mesmo
orgulho e apreensão. Trabalha lendo papéis velhos e geralmente acredita que
ainda estamos nos 1800 e alguma coisa: História da Escravidão no Brasil.
Escreve pelos motivos - até ridículos - conhecidos a todos, mas atrasa porque
nascimento é um partir demorado. Nasceu na Freguesia da Candelária e sua mãe
comprou um armário azul, ficou feliz.
Bebida comunitária,
bebida obrigatória, ritual, símbolo tradicional representante de uma cultura
muito especial, tanto indígena quanto europeu. Através del mate, do
chimarrão, podemos conhecer melhor quem são, como vivem e que imaginário é
este, tão selvagem e livre, que vive ainda hoje nos povos da antiga bacia do
Prata.
Amargo doce que eu sorvo / Num
beijo em lábios de prata. /Tens o perfume da mata/ Molhada pelo sereno. /E a
cuia, seio moreno,/ Que passa de mão em mão/ Traduz, no meu chimarrão,/Em sua
simplicidade, / A velha hospitalidade / Da gente do meu rincão.
A palavra marron em português
quer dizer, entre outras coisas, clandestino. No castelhano, cimarrón,
em significado empregado do México ao Prata, significa chucro, bruto, bárbaro e
serve para designar animais domesticados que, após fugirem, se tornam
selvagens. A última analogia é certeira e diz daquele enunciado: um ritual para
dentro, da solidão. O gosto amargo, o cheiro, o ato de sugar a infusão. De
repente se está só, como um detetive de filme dos anos 50 está só com a fumaça
de seu cigarro em preto e branco, mas, ao invés de comungar a cidade,
comunga-se o verde e o mato.
A bebida é indígena e você descobre que ficar
perto assim da terra é aconchegante.
Foi pelo início do século XIX, no contato com
os guaranis naturais do atual Paraguai, que os aventureiros europeus deram com
o chimarrão. Os nativos desta região possuíam o costume de acocorar-se em roda
para partilhar a infusão de uma erva seca, cortada e moída; chamavam-na
de ka'ay, erva de água (para a botânica atual, Ilex
Paraguaiensis). Deve ter sido como desejava Oswald de Andrade naquele
poema Quando o português chegou / Debaixo duma baita chuva / Vestiu o
Índio / Que pena! Fosse uma manhã de sol / O Índio tinha despido/ o português.
E o índio despiu não só o português, mas o espanhol, o germânico, o africano e,
quiçá, o arábico, que migraria mais tarde para aquela região. Hoje, mais do que
um hábito largamente difundido, o mate é profundo signo cultural da Argentina,
do Uruguai, do Paraguai e de regiões ao sul do Brasil.
Embora não seja tão formal quanto um chá
chinês, o ato do chimarrão, sendo um ritual, possui seus cerimoniais: a infusão
deve ser preparada pelo dono ou chefe da casa e é este o primeiro a tomar da
cuia. Isto é visto por muitos como um sinal de hierarquia, mas, na verdade,
ninguém mais altruísta do que aquele que prepara o chimarrão: afinal, a
primeira cuia é também a mais amarga. Ao terminar, ele deve preencher novamente
o recipiente com água e passar para as mãos do próximo na roda. Assim, o
companheiro ao lado sempre beberá a cuia mais agradável recebida de mãos
amigas. Este é o ritual para fora, da solidariedade. Atenção: não passe a cuia
adiante sem antes tê-la feito roncar (é um ruído parecido com o final de um
milkshake), pois tal ato é muito mal visto. E a cuia sempre deve ser
transmitida adiante com a mão direita. Coisas da tradição!
Preparar – e tomar – o mate pode parecer uma
tarefa difícil, mas é questão de prática. Ser do sul, bailar o vaneirão ou ser
amante de tango é opcional. No vídeo abaixo você vai aprender como preparar
essa infusão que, como se não bastasse, é um excelente estimulante e faz bem à
saúde. Tendo uma cuia, erva, água quente (não fervente!) e uma garrafa térmica,
já se está apto a beneficiar, além de apaixonar-se, por este momento tão saboroso
e gaudério.
Epílogo Não sou do Sul. Lá, eles têm uma música que
canta: "eu sou do Sul/ é só olhar para ver que eu sou do Sul" -
então, basta olhar para ver que posso ser de qualquer lugar fluminense que meu
sotaque de erres pode acusar. No Rio de Janeiro, o chimarrão se chama cerveja e
a sexta-feira é uma instituição, uma provocante necessidade de se fartar com
geladas, amigos e algum petisco gorduroso sobre a mesa.
É incomum este meu gosto, essa paixão
por el mate, mas ela se explica: começou numa amizade eterna com a
menor e mais chucra das mulheres de São Borja e se amarrou de vez quando
descobri que não dava mais certo isso de não viver sob o mesmo telhado do meu
rapaz catarinense. Foi assim, em mais uma das nossas despedidas, que comprei a
primeira cuia, na beira da estrada, tão besta quanto alcoolizada, chorando
entre as paragens sulistas e o Rio de Janeiro. Depois, eu iria pendurar na
varanda da que hoje é a nossa casa, feito uma bandeira pirata, a camisa do
Joinville Futebol Clube; os vizinhos nos odeiam, nos acham muito estrangeiros.
Boi que foge do rebanho e se torna selvagem, andar por aí pouco fronteiriça no
amor.
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