História natural
David
RobsonDa BBC Earth
Olhando pelo lado direito,
um frango da granja de H. E. Schaef se parecia com qualquer galo juvenil, com
sua crista e papo vermelhos. Mas, pelo outro lado, seria possível pensar que se
tratava de uma galinha, com seu corpo mais leve e arredondado.
Até
o comportamento do animal era confuso: uma hora tentava acasalar com outras
galinhas; em outra hora, punha ovos.
Quando
a ave morreu, Schaef decidiu assá-la para o jantar. Mas, depois de depenada,
ficou claro que o lado direito de seu corpo era muito maior que o esquerdo.
E,
ao abrir a criatura, ele se surpreendeu ao encontrar um testículo e um ovário.
Era como se alguém tivesse cortado uma galinha e um galo pela metade e juntado
os dois corpos, sem deixar remendos.
A carne do animal acabou no estômago de Schaef, mas
o esqueleto foi doado à anatomista Madge Thurlow Macklin, que publicou suas
análises na revista científica Journal of Experimental Zoology,
em 1923.
Hoje
em dia, animais como esse são chamados de “ginandromorfos bilaterais”.
Diferentemente dos hermafroditas, cuja fusão de sexos normalmente se encerra
nos genitais, esses seres têm o corpo inteiro dividido em dois: macho de um
lado e fêmea de outro.
Como gêmeos siameses
Quase
um século depois da estranha refeição de Schaef, muitos outros exemplos de
ginandromorfos já foram encontrados entre lagostas, caranguejos,
bichos-da-seda, borboletas, abelhas, serpentes e várias espécies de aves. Suas
estranhas características podem explicar alguns dos mistérios do
desenvolvimento do sexo no organismo.
É
impossível determinar exatamente qual a frequência com que esses seres surgem
na natureza. O biólogo Michael Clinton, da Universidade de Edimburgo, na
Escócia, estima que uma em cada 1 milhão de aves se desenvolve dessa maneira.
Não se sabe a incidência entre mamíferos.
Durante
muito tempo, cientistas assumiram que o fenômeno se devia a um acidente
genético após a concepção.
O
sexo biológico é determinado pela combinação dos cromossomos sexuais. No ser
humano, os homens têm um cromossomo X e um cromossomo Y, enquanto as mulheres
têm dois cromossomos X. Em outras espécies, essa definição ocorre de maneira
distinta. Em galináceos, por exemplo, os machos têm dois cromossomos Z,
enquanto as fêmeas têm um Z e um W.
Há
poucos anos, Clinton e sua equipe tiveram a chance de estudar a fundo três
exemplares de galinhas ginandromorfas. Quando examinou os genes dos animais, o
cientista descobriu que elas tinham cromossomos sexuais normais – ZZ de um lado
e ZW de outro.
Ou
seja, as criaturas eram basicamente formadas como dois gêmeos bivitelinos
unidos pelo centro.
Truque evolutivo
Clinton
agora tem outra teoria para a origem da ginandromorfia: quando um óvulo se
forma, ele deve descartar metade de seus cromossomos em um pacote de DNA
chamado de “corpo polar”. Mas, em casos raros, o óvulo pode manter o corpo
polar, assim como seu núcleo.
Se
ambos forem fertilizados e a célula começar a se multiplicar, cada lado do
corpo se desenvolve com seu próprio genoma e seu próprio sexo.
Esse
aparente acidente pode, na realidade, ser um truque evolutivo que deu errado.
Faz
tempo que biólogos sabem que a proporção de machos e fêmeas em uma determinada
população pode mudar de acordo com o entorno. Durante épocas de mais estresse,
as mães têm mais chance de produzir fêmeas – essas têm mais chances de
encontrar um parceiro e passar adiante o DNA da mãe.
Clinton
acredita que se o óvulo da mãe mantiver seu corpo polar, criando dois núcleos,
e cada um deles for fertilizado, ela terá um embrião metade macho e metade
fêmea.
A
mãe poderia, então, rejeitar o sexo indesejado antes mesmo de liberar seus
óvulos, controlando perfeitamente o sexo de seus filhotes. No raro caso de o
núcleo indesejado não ser descartado, o resultado seria um ginandromofo.
Mamíferos são diferentes
As
conclusões de Clinton mostram que o sexo se desenvolve de maneira bem diferente
em aves e em mamíferos.
Em
espécies como o ser humano, são os hormônios sexuais que circulam pela corrente
sanguínea que têm o papel mais importante na determinação do gênero do bebê.
Isso pode explicar por que não encontramos muitos mamíferos ginandromorfos.
No
entanto, o fato de os dois lados do corpo de uma ave poderem se desenvolver de
maneira independente mostra que são as próprias células do animal que controlam
sua identidade e crescimento.
Mas
ainda não sabemos se isso se aplica a todas as criaturas ginandromorfas.
O
biólogo Josh Jahner, da Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, estuda
belas borboletas assimétricas. Ele suspeita que elas tenham origem em óvulos
duplamente fertilizados, mas é possível que outros mecanismos contribuam para
sua existência.
Explorar
esse processo pode ser crucial para entender o milagre do nascimento e da
reprodução. Por exemplo, por que os corpos dos animais se desenvolvem em uma
simetria quase perfeita?
Há
ainda uma última possível explicação para os ginandromorfos: o fato de, em
alguns lugares, a atividade humana ter dado origem a eles. Pesquisadores
encontraram uma abundância de borboletas ginandromorfas depois dos desastres
nucleares de Chernobil, na Ucrânia, e de Fukushima, no Japão.
“Não
há como saber se a radiação emitida foi responsável direta pelo fenômeno, mas
são coincidências estranhas”, afirma Jahner.
Por
enquanto, trata-se de mais um mistério associado a essas belas e quase míticas
criaturas.
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