Colaboração de Fernando Alcoforado*
O processo
de desenvolvimento econômico e social do Brasil ao longo da história seguiu uma
“via prussiana” nos moldes do processo de modernização capitalista da Alemanha
e em contraposição ao modelo dos Estados Unidos. Segundo Wladimir Lênin, na
“via prussiana”, a grande propriedade pré-capitalista da Alemanha do final do
século XIX se transforma, gradativamente, em empresa capitalista com as
relações de trabalho mantendo aspectos da coerção extra econômica que as
caracterizavam e os antigos proprietários, ao garantirem a manutenção das
formas econômicas em que se apoiam, conseguem manter papel proeminente no
aparelho de Estado e, assim, orientar o próprio processo de modernização. Em
contraposição, o modelo dos Estados Unidos, de caráter democrático, segundo
Lênin, se caracteriza pela destruição da grande propriedade pré-capitalista,
fracionada em pequenas propriedades camponesas.
As
transformações ocorridas na história do Brasil não resultaram de autênticas
revoluções, de movimentos provenientes de baixo para cima, envolvendo o
conjunto da população, mas se encaminharam sempre através de uma conciliação
entre os representantes dos grupos opositores economicamente dominantes,
conciliação que se expressava sob a figura política de reformas “pelo alto”
(Ver o artigo Os efeitos da “via prussiana” sobre a intelectualidade brasileira
de Carlos Nelson Coutinho disponível no website , 2008).
Segundo
Carlos Nelson Coutinho, todas as grandes alternativas concretas vividas pelo
Brasil (Independência, Abolição, República, modificação do bloco de poder em
1930 e 1937, passagem para um novo patamar de acumulação em 1964), encontraram
uma resposta “à prussiana”; uma resposta na qual a conciliação “pelo alto” não
escondeu jamais a intenção explícita de manter marginalizadas ou reprimidas de
qualquer modo, fora do âmbito das decisões, as classes e camadas sociais “de
baixo”. A tendência objetiva que tem a transformação social no Brasil de se
realizar por meio da “conciliação pelo alto” marca a história do Brasil. Surgem
entre nós manifestações explícitas da ideologia “prussiana”, que em nome de uma
visão abertamente elitista e autoritária defendem a exclusão das massas
populares de qualquer manifestação ativa nas grandes decisões nacionais.
A conciliação pelo alto pode assumir duas
características: 1) revolução passiva; e, 2) contrarreforma. No artigo
Revolução passiva ou contrarreforma? disponível no website , Carlos Nelson
Coutinho afirma que, ao contrário de uma revolução popular, “jacobina”, como,
por exemplo, as revoluções francesa de 1789 e russa de 1917, realizada a partir
de baixo — e que, por isso, rompe radicalmente com a velha ordem política e
social —, uma revolução passiva implica sempre a presença de dois momentos: o
da “restauração” (trata-se sempre de uma reação conservadora à possibilidade de
uma transformação efetiva e radical proveniente “de baixo”) e da “renovação”
(no qual algumas das demandas populares são satisfeitas “pelo alto”, através de
“concessões” das camadas dominantes).
No Brasil, a
Revolução de 1930, por exemplo, foi uma revolução passiva baseada na
“renovação” na qual algumas das demandas populares foram satisfeitas “pelo
alto”, 2 como é o caso das leis sociais introduzidas pelo governo Getúlio
Vargas que representaram “concessões” das camadas sociais dominantes. O golpe
de estado de 1964, por sua vez, foi uma revolução passiva baseada na
“restauração” porque ela foi realizada como uma reação conservadora à
possibilidade de uma transformação efetiva e radical proveniente “de baixo”
durante o governo João Goulart.
Quanto à
contrarreforma, Gramsci a caracteriza como uma pura e simples “restauração”,
diferentemente do que faz no caso da revolução passiva, quando fala em uma
“revolução-restauração”. Apesar disso, porém, ele admite que até mesmo neste caso
tem lugar uma “combinação entre o velho e o novo”. A diferença essencial entre
uma revolução passiva e uma contrarreforma reside no fato de que, enquanto na
primeira existem “restaurações” que visam barrar as exigências que vinham de
“baixo”, na segunda é preponderante não o momento do novo, mas precisamente o
do velho (Ver o artigo Revolução passiva ou contrarreforma? de Carlos Nelson
Coutinho disponível no website ).
O Welfare
State (Estado de Bem estar Social), por exemplo, introduzido na Europa Ocidental
após a Segunda Guerra Mundial foi uma revolução passiva com a introdução da
social democracia que teve o momento da restauração ao barrar as possibilidades
de sucesso de revolução socialista e o momento da renovação ao adotar as
políticas econômicas intervencionistas sugeridas por Keynes e ao acolher muitas
das demandas das classes trabalhadoras. Por sua vez, a contrarreforma tem como
exemplo o neoliberalismo que foi introduzido na economia mundial, inclusive no
Brasil, a partir da década de 1990 para barrar o declínio do sistema
capitalista.
Na época
neoliberal em que vivemos não há espaço para o avanço dos direitos sociais. Ao
contrário, há a eliminação de tais direitos e a desconstrução e negação das
reformas já conquistadas pelas classes subalternas levadas avante no Welfare
State. As chamadas “reformas” da previdência social, das leis de proteção ao
trabalho, a privatização das empresas públicas, etc. — “reformas” que estão
atualmente presentes na agenda política tanto dos países capitalistas centrais
quanto dos periféricos (hoje elegantemente rebatizados como “emergentes”) — têm
por objetivo a pura e simples restauração das condições próprias de um
capitalismo “selvagem”, no qual devem vigorar sem freios as leis do mercado.
Após a
revolução passiva baseada na “restauração” realizada pelo regime militar de
1964 a 1985, a política econômica adotada pelos governos Fernando Henrique
Cardoso, Lula e Dilma Rousseff representou um misto de revolução passiva
baseada na “renovação” e de contrarreforma. Com a revolução passiva baseada na
“renovação” algumas demandas populares foram satisfeitas “pelo alto”, como, por
exemplo, os programas de transferência de renda como o Bolsa Escola e o Bolsa
Família. A contrarreforma se caracterizou pela introdução do neoliberalismo do
qual resultou a eliminação de alguns direitos sociais, a desconstrução e
negação das reformas já conquistadas pelas classes subalternas, a privatização
das empresas públicas, etc.
A
conciliação pelo alto está em marcha, no momento atual, no Brasil com o conluio
do governo Dilma Rousseff com setores conservadores para evitar sua destituição
do poder através de impeachment e, também, o conluio entre o governo Dilma
Rousseff e o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha, para evitar
o impeachment da presidente da República por ter praticado crime de
responsabilidade 3 fiscal e ter utilizado recursos da corrupção da Petrobras em
sua campanha de reeleição em 2014 e a cassação do deputado pelo crime de
corrupção em flagrante desrespeito às leis e à vontade da grande maioria da
população brasileira. Enquanto isto, o País caminha celeremente para o colapso
econômico e político. Do conluio em curso no momento resultará um misto de
revolução passiva baseada na “restauração” porque se trata de uma reação
conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical do Brasil
que corresponda à vontade da grande maioria da população brasileira e de
contrarreforma porque visa a manutenção do modelo neoliberal no Brasil.
Pode-se
afirmar que, no Brasil, nunca houve, de fato, uma revolução social. O Brasil,
mais que qualquer outro país da América Latina, pode ser caracterizado como o
lugar por excelência da revolução passiva e da contrarreforma. A Independência
do Brasil diferiu da experiência dos demais países da América Latina porque não
apresentou as características de um típico processo revolucionário
nacional-libertador porque foi abortado, no caso brasileiro, pelo episódio da
transmigração da família real portuguesa para o Brasil, quando a Colônia acolhe
a estrutura e os quadros do Estado metropolitano.
O nativismo revolucionário, sob a influência
dos ideais do liberalismo e das grandes revoluções de fins do século XVIII
cedeu terreno à lógica do conservar-mudando que prevalece até hoje, cabendo à
iniciativa de D. Pedro I, príncipe herdeiro da Casa Real portuguesa, e não ao
povo brasileiro o ato político que culminou com a Independência. A
Independência do Brasil foi, portanto, uma "revolução sem revolução"
porque não houve mudanças na base econômica e nas superestruturas política e
jurídica da nação. O Estado que nasce da Independência mantém o execrável
latifúndio e intensifica a não menos execrável escravidão fazendo desta o
suporte da restauração que realiza quanto às estruturas econômicas herdadas da
Colônia.
O Brasil foi
o último país do mundo a acabar com a escravidão no século XIX, a reforma
agrária ainda está por se realizar porque a malfadada estrutura agrária baseada
no latifúndio continua existindo no Brasil, modernizada na atualidade com o
agronegócio, e o processo de industrialização foi introduzido tardiamente no
Brasil, 200 anos após a Revolução Industrial na Inglaterra. Isto reflete o
atraso econômico do Brasil em relação aos países mais desenvolvidos. As crises
econômicas enfrentadas pelo Brasil ao longo de sua história não foram capazes
de gerar crises políticas que levassem o povo brasileiro à revolução social e
colocassem em xeque o sistema econômico e os detentores do poder visando a
promoção de seu desenvolvimento econômico e social.
Apesar das
inúmeras revoltas populares registradas ao longo da história do Brasil, uma
verdadeira revolução política, econômica e social capaz de realizar mudanças
estruturais profundas e promover o desenvolvimento em benefício da população
brasileira nunca aconteceu efetivamente no País. Todas as tentativas
revolucionárias realizadas no Brasil foram abortadas com dura repressão pelos
detentores do poder. É sabido que, no mundo, os países que avançaram
politicamente são aqueles cujos povos foram protagonistas, através de
revoluções sociais, das mudanças realizadas nos planos econômico e social.
Ao longo da
história do Brasil, é flagrante a incapacidade do povo brasileiro de assumir
protagonismo nas mudanças estruturais necessárias ao progresso econômico e
social do País. De modo geral, em momentos de crise política e econômica sempre
ocorreram 4 acordos entre as classes dominantes e os detentores do poder
político que possibilitavam manter o “status quo” como ocorreu, por exemplo,
durante a “República Velha”, após a Proclamação da República em 1889 com a
“política do café com leite” e, após o fim do regime militar em 1985, com a
eleição indireta de Tancredo Neves à Presidência da República. Quando não houve
“acordos pelo alto” ao longo da história, o Brasil foi vítima de golpes de
estado como ocorreu em 1889 com o fim do Império, em 1930 com o fim da
“República Velha” e em 1964 com a implantação da ditadura militar. Ao longo da
história do Brasil, o povo brasileiro nunca foi protagonista das mudanças
políticas, econômicas e sociais. Isto precisa mudar para que se possa construir
um futuro radioso para o Brasil.
A crítica
situação política, econômica e social em que se encontra o Brasil no momento
não comporta a conciliação “pelo alto” como o que se esboça entre os detentores
do poder econômico e político para manter o governo Dilma Rousseff no poder.
Tudo leva a crer que se Dilma Rousseff não for destituída do poder através de
impeachment pelo crime de responsabilidade fiscal ou crime eleitoral, poderá
ocorrer convulsão social com o confronto entre a grande maioria do povo
brasileiro que deseja sua deposição e os partidários do governo. É preciso
levar em conta as lições da história que nos ensina que a convulsão social pode
levar à instauração de ditaduras de direita ou de esquerda. Este é o risco que
ameaça a sociedade brasileira. Desta vez, não há espaço para conciliação “pelo
alto”. O Brasil vive, portanto, momentos decisivos em sua história.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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