Ainda sobre a 2ª Grande
Guerra
Curiosidade em relação à
perversidade é a chave do inesgotável interesse pelo nazismo
Jornal
El País – O Jornal Globaal – Facebook
Qual é o
segredo da permanente atualidade do nazismo? Já se passaram 70 anos desde o final da Segunda Guerra Mundial, que eliminou o hitlerismo, e o
interesse não dá sinais de se esgotar. Muito pelo contrário (embora, sem
dúvida, haja pessoas cansadas disso). Ensaios, romances, memórias, filmes,
documentários, minisséries, programas televisivos, exposições e até videogames
continuam a nos lembrar dessa fase sinistra da história, transformada num
filão. Um texto jornalístico com a palavra “nazista” no título inevitavelmente
estará entre os mais lidos. O trem nazista polonês, para não ir mais longe,
voltou a mostrar o quanto está vivo esse interesse público.
Entre as
publicações recentes de mais destaque, sem nenhuma intenção de esgotar as
opções, estão as memórias inéditas de Alfred Rosenberg, uma nova visão sobre o
mundo dos campos de concentração (KL, de Nikolaus Wachsmann), um
interessantíssimo livro do especialista Richard Evans (El Tercer Reich, en
la historia y la memória – o Terceiro Reich, na história e na
memória), que oferece novas perspectivas sobre diferentes aspectos do regime (a
influência, sobre o modelo hitleriano de colonização do Leste, da conquista do
Oeste norte-americano via Karl May) e o novo romance de Martin Amis (A Zona de Interesse, da Companhia das Letras), tão incômodo como foi em seu tempo o filme O
Porteiro da Noite, de Liliana Cavani. No cinema, um filme como Caçadores
de Obras-primas popularizou a predação nazista do patrimônio artístico,
tema também em alta.
Claro que
isso tudo é só a ponta do iceberg: por baixo há centenas de outras obras – e
com certeza muitos subprodutos – que abordam absolutamente qualquer aspecto
(real ou imaginário) relacionado ao nazismo, aumentando uma bibliografia já
imensa.
São diversas
as chaves desse inesgotável interesse pelos nazistas, interesse que vai do
científico e do mais legítimo ao espúrio e mórbido (uma das últimas modas é a
mistura de nazistas e zumbis, para se somar à interminável fascinação pela
estética e memorabilia nazista, uniformes, armas e complementos que
alimentam um mercado que não para de crescer). Mas o principal motivo que nos
leva ao interesse pelo nazismo, sem dúvida, é o fascínio pelo mal. Os nazistas
o encarnam como ninguém. Houve, claro, outros grandes criminosos na história – individuais
e coletivos –, mas a conjunção fornecida pelo nazismo de uma grande galeria de
mentes perversas e a escala de suas maldades é ímpar. Já se argumentou que os
crimes de Stálin, Mao e Pol Pot, para não voltar a Gengis Khan, são
comparáveis aos de Hitler e seus sequazes. Mas o que põe os nazistas numa
categoria à parte da perfídia é a atroz particularidade de seu programa: a
aniquilação de milhões de seres humanos simplesmente por motivos raciais. E o
método industrial usado para atingir esse objetivo. O Holocausto, expressão máxima da maldade hitleriana, está indubitavelmente no
centro de nosso interesse pelo nazismo.
Outro motivo
desse interesse é que em boa parte – e particularmente seus maiores horrores e
violências – o nazismo se desenvolve num marco tão apaixonante que é Segunda
Guerra Mundial. Essa disputa, a maior presenciada pela humanidade, e o nazismo
se retroalimentam para estimular o fascínio das pessoas. Muitos livros sobre o
nazismo são sobre a guerra, e vice-versa. A Segunda Guerra Mundial não apenas é
a maior, mas também a mais nítida (com seus conhecidos limites) em relação a
escolhas morais. Nunca –exatamente pelo nazismo– houve uma guerra na qual se
pudesse fazer a divisa tão claramente entre bons e maus (novamente, com todas
as exceções).
O nazismo
nos obriga, como poucos outros fenômenos na história, a nos perguntarmos o que
teríamos feitos se vivêssemos naquele tempo, na mesma Alemanha ou fora dela.
Teríamos enfrentado o mal ou teríamos contemporizado ou transigido? Teríamos
sido corajosos ou covardes? E mesmo: vítimas ou carrascos?
A atualidade
convida a revisitar o nazismo. O extremismo na Grécia e na Hungria, o movimento
Pegida alemão, determinadas reações de outros setores à chegada de emigrantes…
De maneira polêmica também se aludiu ao nazismo para desqualificar o
independentismo catalão.
E obviamente
há outra razão de peso para que o nazismo não pare de nos interessar: ainda há
muito a discutir e analisar. Faltam elementos para esclarecer totalmente o
processo de tomada de decisão que levou à Solução Final. Os próprios
historiadores –Timothy Snyder e Evans, para não ir mais longe – se mostram em
desacordo e polemizam sobre assuntos essenciais. Também surgem revelações
surpreendentes. Por exemplo, a de que os planos hitleristas para o Leste, se
levados a cabo, teriam representado a morte de cerca de 40 milhões de eslavos
nessas “terras de sangue”, para usar a expressão de Snyder.
O nazismo nos interessa, enfim,
não apenas pelo que foi, mas também pelo que poderia ter sido.
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