Arte cinematográfica
Publicado por Vitor Dirami
“A beleza esta além do olhar.”
Ao longo das décadas, o
cinema brasileiro se desenvolveu oprimido pelas estéticas estrangeiras, vítima
de revezes e longas baixas, contudo, soube se recuperar inúmeras vezes e
crescer ainda mais. Conheça agora estas cinco obras-primas do cinema nacional.
Central do Brasil (1998)
Acompanhe agora estas cinco louvadas
produções selecionadas, algumas pouco conhecidas, outras reconhecidas
internacionalmente, mas todas ao longo dos anos adquiriram o status de
clássicos, e foram devidamente reconhecidas como obras-primas do cinema
nacional. Poucas delas estão disponíveis em DVD, mas para quem não se incomoda
com downloads, todas são facilmente encontradas na internet. Apreciem!
1º - Central do Brasil (1998)
Talvez, um dos maiores êxitos da história do
cinema nacional, o road movie do diretor Walter Salles conta a
história de Dora (Fernanda Montenegro), uma mulher que trabalha na estação de
trem Central do Brasil, escrevendo cartas para pessoas analfabetas. Certo dia,
uma de suas clientes, Ana (Soia Lira), aparece com o filho Josué (Vinícius de
Oliveira), pedindo que escrevesse uma carta para o seu marido dizendo que Josué
quer visitá-lo um dia. Saindo da estação, Ana morre atropelada por um ônibus e
Josué, de apenas 9 anos e sem ter para onde ir, se vê forçado a morar na
estação. Com pena do garoto, Dora decide ajudá-lo e levá-lo até seu pai, que
mora no sertão nordestino.
Central do Brasil é um retrato sentimental do interior do
país, que ao narrar as desventuras de Dora e o menino na busca emocionante pelo
pai, acaba contando a história de milhões de brasileiros que estão indo e vindo
pelo país a todo momento. Imigrantes que buscam uma melhor qualidade de vida,
ou outros que estão indo apenas rever seus parentes. Poucos filmes conseguiram
retratar com tanta beleza e emoção o interior do país, e o realismo da vida de
milhares de pessoas aparentemente comuns. É um filme que fala intensamente
sobre solidariedade e generosidade, no caso, a de Dora, mas não peca em não
abordar a pobreza e as dificuldades do povo nordestino, e os perigos
enfrentados pelos viajantes do interior do Brasil. A fotografia, direção de
arte e trilha sonora são primorosas. Ao longo do filme, é impossível não se
envolver afetivamente com os personagens de Fernanda Montenegro e Vinícius de
Oliveira, tão bem construídos e interpretados.
Na época de seu lançamento, fazia anos que um
filme brasileiro não alcançava tanto reconhecimento internacional. Central
do Brasil foi indicado na categoria de Melhor Filme em mais de dez
premiações estrangeiras, incluindo o Oscar, tendo vencido o BAFTA, o Globo de
Ouro e o Urso de Ouro do Festival de Berlim de Melhor Filme Estrangeiro. A
consagrada Fernanda Montenegro, celebrada como uma das melhores atrizes
brasileiras, tornou-se a primeira atriz latino-americana a ser indicada ao
Oscar de Melhor Atriz, perdendo para Gwyneth Paltrow por Shakespeare
Apaixonado (Shakespeare in Love). Ela também foi vencedora do
BAFTA de Melhor Atriz e do Globo de Ouro de Melhor Atriz Estrangeira.
2º- O Pagador de Promessas (1962)
Única produção brasileira até hoje a vencer a
Palma de Ouro do Festival de Cannes, O Pagador de Promessas conquistou
a atenção mundial ao contar a saga de Zé do Burro (Leonardo Villar), dono de um
pequeno pedaço de terra na Bahia, nordeste do Brasil. Seu melhor amigo é um
burro. Quando este adoece, Zé faz uma promessa à uma mãe de santo do candomblé:
se seu burro se recuperar, promete dividir sua terra igualmente entre os mais
pobres e carregar uma cruz desde sua terra até a Igreja de Santa Bárbara em
Salvador, capital do estado, onde a oferecerá ao padre local. Assim que seu
burro se recupera, Zé dá início à sua jornada. O filme se inicia com Zé,
seguido fielmente pela esposa Rosa (Glória Menezes), chegando à catedral de
madrugada. O padre Olavo (Dionísio Azevedo) recusa a cruz de Zé após ouvir dele
a razão pela qual a carregou e as circunstâncias "pagãs" em que a
promessa foi feita. Todos em Salvador tentam se aproveitar do inocente e ingênuo
Zé. Os praticantes de candomblé querem usá-lo como líder contra a discriminação
que sofrem da Igreja Católica, os jornais sensacionalistas transformam sua
promessa de dar a terra aos pobres em grito pela reforma agrária. A polícia é
chamada para prevenir a entrada de Zé na igreja, pondo fim à sua dramática via
crucis.
O Pagador de Promessas é um filme essencialmente triste,
dramático, emocionante, mas cheio de simbolismo e com forte crítica social.
Através da ingenuidade do personagem Zé do Burro, o grande diretor Anselmo
Duarte aborda o preconceito e perseguição da Igreja Católica às religiões
afro-brasileiras e a manipulação da mídia sensacionalista. Tudo isso, tendo
justamente a Bahia como cenário principal, um dos estados mais multiculturais
do Brasil. Em que as tradições regionalistas e a forte influência das
religiões, se confluem, criando uma pluralidade cultural aparentemente
pacífica.
O Pagador de Promessas foi um dos primeiros filmes brasileiros
a despertar visibilidade estrangeira, tendo sido indicado ao Oscar de Melhor
Filme Estrangeiro. A fotografia impecável e as atuações intensas do elenco,
especialmente a do protagonista Leonardo Villar, fizeram do filme um clássico,
mas que demorou muito tempo para ter o devido reconhecimento. Um triste e
verdadeiro retrato da crueldade, ignorância, pobreza e sofrimento à que é
submetido o povo sertanejo. Essencialmente brasileiro.
3º - Noite Vazia (1964)
A obra-prima do talentoso diretor Walter Hugo
Khouri narra a noite de Luisinho (Mário Benvenutti) e Nelson (Gabrielle Tinti),
dois amigos que contratam os serviços da dupla de prostitutas Mara (Norma
Bengell) e Regina (Odete Lara). O que seria uma noite de prazer acaba se
transformado em um embate entre os quatro, revelando pouco a pouco suas
angústia e ressentimentos e aflorando seus sentimentos mais íntimos e
profundos.
Noite Vazia é nitidamente influenciado pelo neo-realismo
italiano, Walter Hugo Khouri foi buscar nas obras de Federico Fellini e Ingmar
Bergman, a inspiração para criar essa ode à modernidade. Ao contrário da
maioria das produções brasileiras dos anos 60, o filme passa longe da crítica
social, concentrando-se - com muito sucesso - nas emoções humanas, na vida
urbana das metrópoles e no existencialismo. A fotografia deslumbrante consegue
recriar na cidade de São Paulo, a atmosfera noturna, sombria e gélida, que
lembra a industrializada Nova York.
O filme aborda um leque de emoções e
sentimentos, principalmente a solidão, a futilidade e a angústia perpetrada nos
personagens masculinos, que saem na noite paulistana em busca de qualquer
divertimento rápido que possa preencher o imenso vazio interior dos dois. Ao
encontrar as belíssimas prostitutas Mara e Regina, o que pareceria ser uma
noite de prazer, se transforma em uma sucessão de desilusões, num jogo em que
os personagens explanam seus maiores remorsos, tristezas, frustrações e verdades,
admitindo o fracasso de suas vidas.
Tudo em Noite Vazia é
extremamente bonito, refinado e elegante. A direção de Walter Hugo Khouri é
muito competente, a trilha sonora do Zimbo Trio é ótima e a direção de arte
simplesmente magnífica. Nem o ritmo um tanto quanto arrastado demais consegue
atrapalhar a contemplação desta obra belíssima. O grande destaque é mesmo para
as interpretações esmeradas do quarteto de atores, principalmente a dupla
feminina Odete Lara e Norma Bengell. Deslumbrantes e no auge da beleza, elas
dão vida à prostitutas sem nenhum arrependimento ou culpa pela profissão que
exercem, mas enquanto a fria e realista Regina só pensa em ganhar dinheiro, a
doce Mara é romântica, numa clara referência do diretor à cortesã Cabiria, do
clássico de Fellini Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria,
1958).
Abordando a vida solitária e vazia nas
grandes cidades, Walther Hugo Khouri conseguiu prever como seria no futuro, a
vida nas grandes metrópoles, e qual o estilo de vida o Brasil, que naquela já
imitava os países desenvolvidos, adotaria no futuro. Noite Vazia foi
nomeado à Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1965.
4º - Os Cafajestes (1962)
Um dos primeiros filmes nacionais a chamar
atenção no exterior para o novo cinema que estava sendo feito no Brasil da
época, este longa-metragem de Ruy Guerra narra as tramoias de Vavá (Daniel
Filho) um jovem rico, muito mimado, que ao ver seu pai indo à falência,
organiza um plano para reverter a situação. Ele consegue um cúmplice, Jandir
(Jece Valadão) para armar um flagrante do tio rico com sua amante Leda (Norma
Bengell). O objetivo era tirar fotos e tentar ganhar dinheiro através de uma
chantagem.
Um dos maiores sucessos do cinema nacional da
década de 60, o filme é famoso por mostrar o primeiro nu frontal do cinema
brasileiro - de Norma Bengell, e por ter sido o único blockbuster do
Cinema Novo. Esta obra goddardiana inspirada na Nouvelle Vague francesa
causou polêmica e frenesi na época de seu lançamento. Os Cafajestes foi
censurado e tirado arbitrariamente depois de apenas dez dias de exibição, porém
o furor foi tão grande que o filme "se pagou" em apenas quatro dias,
tendo tido um público estimado em dois milhões de pagantes.
Ousado para a época, Os Cafajestes é
cheio de transgressões morais e de valores, um filme que hoje é aclamado como
um verdadeiro clássico do cinema nacional, mas que na época, chocou o público
pela audácia de uma história centrada nas peripécias de dois maus-caracteres. O
público não estava preparado para a ousadia do filme. Apesar da precariedade de
recursos, o longa conta com belos planos e enquadramentos, a trilha-sonora de
Luiz Bonfá - invejável, a direção eficiente do moçambicano Ruy Guerra e
interpretações brilhantes do trio de protagonistas. A atriz Norma Bengell foi
catapultada ao estrelato pelo filme, tornando-se uma das grandes musas do
cinema nacional e feito carreira no exterior. Os Cafajestes chamou
a atenção até do diretor do Festival de Berlim, Alfred Bauer, que ficou
impressionado com a excelente fotografia de Tony Rabatoni. Indicado ao Urso de
Ouro do Festival de Berlim de 1962.
5º - Limite (1931)
Um filme quase mitológico. Considerado por
alguns como a obra-prima do cinema brasileiro, Limite é uma
experiência de 120 minutos de filme silencioso. O filme começa mostrando três
naufrágos - um homem (Edgar Brasil) e duas mulheres (Iolanda Bernardes e Olga
Bueno), à deriva em um pequeno barco no meio do oceano, eles desistiram de
remar e não sabemos quem são ou seus nomes. Por meio de flashblacks ao longo da
trama, descobrimos quem eles são, o que os fez ir parar ali, e o triste fim que
os aguarda. Dirigido por Mário Peixoto e filmado em 1930, Limite foi
apresentado pela primeira vez em 17 de maio de 1931, no Cinema Capitólio,
localizado na Cinelândia, na cidade do Rio de Janeiro. As filmagens foram
feitas no município de Mangaratiba, estado do Rio de Janeiro, na Fazenda Santa
Justina, pertencente a Victor de Souza Breves, primo de Mário Peixoto. O filme
suscitou muita polêmica nas suas primeiras exibições e inclusive houve quebra
quebra durante a sua estreia. Acabou se tornando um mito, já que por muitos
anos não foi exibido novamente. Recuperado nos anos 70, o filme tornou-se
reconhecido internacionalmente e aclamado no exterior.
A ideia de assistir a um filme mudo pode
assustar alguns, mas é verdade que a contemplação de Limite é
um grande exercício artístico, dada a tamanha complexidade do filme. Limite lembra
muito o expressionismo alemão, mas sua idealização e narrativa é totalmente
inovadora, arrojada, incompreensível e muito caótica. O ritmo lento, e a
narrativa não-linear são muito cansativos, mas como já disse, assisti-lo é um
exercício simplesmente artístico. A carga altamente dramática e pesada do filme
o faz muito difícil de ser entendido, posto que a proposta de Limite está
diretamente ligada às ideias quixotescas de Mário Peixoto, um homem que só fez
um filme - o próprio Limite, deixou outro incompleto e nunca mais
conseguiu filmar nada em sua vida.
Limite, em sua ótica abstrata e extremamente
experimental, é um filme que tenta extirpar as emoções e sentimentos humanos.
Para isso, ele está a todo momento da exibição testando os próprios limites do
espectador, levando-o ao desespero e ao mal-estar, na busca de decifrar os
enigmas de um filme absolutamente poético e lírico. A história é deixada de
lado perante a verdadeira catarse que o filme proporciona a quem o assiste. Não
existe interpretação. Resta apenas o transe provocado pela narração elíptica, o
desenrolar desconexo das imagens - sempre recorrendo à natureza e a experiência
sensorial de uma trilha sonora emotiva, toda recheada de obras instrumentais
clássicas.
Provavelmente, o maior destaque de Limite seja
a fotografia inspiradora de Edgar Brasil, os planos e enquadramentos
belíssimos, cheios de poesia e emoção e os movimentos de câmera excepcionais,
totalmente diferentes para a época. Limite é esteticamente
irretocável, e isso só acentua a sua maior característica: arte. O clássico cult ficou
anos escondido do grande público, o que o tornou praticamente uma lenda, mas
não o impediu de ganhar fama e reputação no exterior. Em maio de 2007, uma nova
versão restaurada foi apresentada no Festival de Cannes, como um dos filmes
selecionados pela World Cinema Foundation para preservação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário