Fernando Alcoforado*
No passado, era mais fácil mobilizar uma classe social ou
todo um povo contra um inimigo opressor claramente identificado. Na era
contemporânea, o inimigo opressor está fragmentado e atua abertamente e também
de forma subliminar sobre a mente das pessoas. Trata-se de um grande desafio
para os povos oprimidos do mundo inteiro se organizar para combater e derrotar
um inimigo não claramente definido que está presente em todos os quadrantes do
planeta e atua globalmente. Há vários responsáveis pelo totalitarismo moderno
destacando-se, entre eles, os governos das grandes potências capitalistas e dos
países capitalistas periféricos e semiperiféricos a eles associados, os
responsáveis pelo sistema financeiro mundial e nacional a eles associados, os
empresários detentores das grandes empresas multinacionais e empresários
nacionais a eles associados, entre outros. Como o sistema capitalista mundial
opera globalmente em rede envolvendo governos, empresas, bancos e outros tipos
de organizações, não se pode atribuir a responsabilidade apenas a um governo ou
organização pela opressão que se espraia pelo mundo e afeta a maioria da
população mundial física e mentalmente.
O primeiro passo para combater o totalitarismo moderno
consiste em desencadear em escala mundial uma luta no campo ideológico
denunciando o caráter da ideologia neoliberal imposta globalmente pelo sistema
capitalista mundial como responsável pela servidão da quase totalidade dos
seres humanos. O segundo passo consiste em destruir o mito de que não há outra
alternativa para a humanidade a não ser o capitalismo neoliberal apresentando
outro modelo de desenvolvimento da sociedade que representa sua antítese. Este
modelo de desenvolvimento da sociedade apresentaremos no próximo artigo sob o
título Novo modelo de sociedade a ser edificado no futuro. O terceiro passo diz
respeito à caracterização em cada país do mundo dos inimigos a serem combatidos
localmente e globalmente dentro da perspectiva de derrotar o totalitarismo
moderno. Finalmente, o quarto passo consiste em estabelecer alianças com
organizações governamentais, partidárias, sindicais e da sociedade civil de
cada país do mundo comprometidas com a luta contra o totalitarismo moderno
visando a construção de uma rede mundial de luta pela construção de um novo
modelo de sociedade que contribua para o verdadeiro progresso da humanidade.
A luta contra o totalitarismo moderno vem sendo assumido
pelo que Imannuel Wallerstein denomina
movimentos antissistêmicos (WALLERSTEIN, I. M. O que significa hoje ser um
movimento antissistêmico. In: LEHER, R.; SETÚBAL, M. (Org.). Pensamento crítico
e movimentos sociais: diálogos para uma nova práxis. São Paulo: 2 Cortez, 2005.
p.263-276). Segundo Wallerstein, desde a década de 1960, os movimentos
antissistêmicos são divididos em dois tipos diferentes: os chamados movimentos
sociais e os movimentos nacionais. O termo movimentos sociais refere-se às
organizações sindicais e aos partidos socialistas, tendo como objetivo
impulsionar a luta de classes contra a burguesia e contra o capitalismo no
interior de cada Estado nacional. Já os movimentos nacionais buscavam a criação
de um Estado nacional, pelo agrupamento de unidades políticas pertencentes à
nação e independência em relação a Estados que eram considerados impérios
opressores da nacionalidade.
Wallerstein,
evidencia que a situação mundial destes movimentos na década de 1960 se
caracterizaram por chegarem ao poder e não conseguir transformar o mundo. A
conclusão dos povos do mundo sobre o desempenho dos movimentos socialistas e
nacionalistas no exercício do poder foi negativa. Perderam não somente sua
crença de que o futuro seria glorioso, mas também a confiança nestes movimentos
e deixaram de crer que estes partidos os conduziriam a um mundo mais
igualitário. E por terem perdido sua fé neles perderam também sua fé na
conquista do poder dos Estados como mecanismo de transformação (WALLERSTEIN,
2005). No entanto, Wallerstein esclarece que, desde 1968, tem havido uma busca
persistente por um novo e melhor modelo de movimento antissistêmico ou
anticapitalista, pois a velha esquerda havia falhado, por não ter sido bem
sucedido ao aplicar a doutrina da revolução. O fracasso da velha esquerda
aconteceu também no esforço que fez de promover o real progresso econômico e
social em países onde alcançou o poder através de eleições como é o caso do
Brasil, entre outros.
O movimento operário foi um paradigma fundador dos
movimentos sociais historicamente estabelecidos de 1848 até meados da década de
1960. No entanto, com a desestruturação que vem ocorrendo no movimento operário
em todo o mundo, outro modelo de movimento social entrou em cena ao longo das
décadas de 1970 e 1980. Houve quatro tipos de tentativas de movimentos
antissistêmicos ou antiglobalização, algumas ainda em curso: (1) surgimento dos
múltiplos maoismos, inspirados na Revolução Cultural Chinesa, movimentos que
não existem mais; (2) o surgimento, da New Left (nova esquerda), os Verdes e
outros movimentos ecológicos, os movimentos feministas, os movimentos de
minorias raciais/étnicas, com destaque maior a partir dos anos setenta; (3)
emergência de movimentos de organizações de direitos humanos, adquirindo maior
força a partir dos anos 1980; (4) movimentos antiglobalização, com maior força
a partir dos anos 1990. Sendo assim, os movimentos antissistêmicos na
atualidade se apresentam de uma forma muito diferente dos movimentos dos
séculos XIX e XX.
No momento atual, existem inúmeras manifestações contra o
sistema capitalista mundial em escala global em consequência da expansão das
tensões e aprofundamento de suas contradições. Movimentos de libertação
nacional, insurgências proletárias, resistências e desafios civilizacionais,
contraculturas, revigoramento de religiosidades são alguns exemplos dessas
contradições. Neste contexto, qual deveria ser o lugar das lutas contra o
totalitarismo moderno? Primeiramente, há de se considerar que nesta incessante
luta contra o capital os movimentos contra o capitalismo local e global devem
assumir, na prática, múltiplas formas. Nem sempre o que está em jogo é a
derrubada da hegemonia do capitalismo ou a tentativa de por em prática os
ideais socialistas via partidos políticos visando a derrubada do neoliberalismo
e da hegemonia capitalista. 3 O movimento contra o totalitarismo moderno não
deve se reduzir apenas a um movimento contra-hegemônico que tenha suas bases
materiais no plano econômico. Ele deve ser mais amplo e invadir todos os campos
da vida como faz o totalitarismo moderno para se impor globalmente. Ao invés de
buscar a emancipação social via socialismo haja vista que vivemos em uma era
marcada pelo esgotamento de energias que visem revolucionar o status quo
através do socialismo, é preciso adotar, como transição para uma sociedade
verdadeiramente progressista e democrática no futuro, um modelo aperfeiçoado de
social democracia nos moldes escandinavos no qual os interesses do capital e da
sociedade civil sejam compatibilizados com a presença de um Estado neutro
mediador de conflitos. Este seria o caminho da transição no sentido de romper
com a lógica neoliberal.
A questão política e teórica mais importante atualmente, na
luta pela construção de um mundo melhor é aquela referente à construção de um
modelo alternativo ao modelo neoliberal que já revela sinais claros de
esgotamento. É preciso que se estabeleça em todo o mundo o debate dos temas ligados
a um modelo de sociedade alternativo ao modelo neoliberal. É preciso também que
haja o convencimento de que nenhum projeto nacional de desenvolvimento será
exitoso se for tratado de forma isolada e não estiver relacionado com o
desenvolvimento de todos os países de forma articulada em escala global. É
preciso centrar a luta pela destruição do sistema mundial capitalista em vigor
e suplantá-lo por um sistema diferente social democrata nos moldes escandinavos
evitando que dela resultem apenas ajustes e recomposição do sistema capitalista
atual, atacando parcialmente alguns de seus principais defeitos e aparando
apenas suas arestas mais cruéis e destrutivas.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no
Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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