Jornal Correio da
Bahia/Repórter – em 06 de outubro de 2002
Postado
por LUIZ CARLOS FACÓ
(Antigo
sistema de transporte de Salvador permanece vivo nas recordações dos
sexagenários soteropolitanos, e desperta a curiosidade da nova geração baianos
que não o conheceu.)
Quem pongou,
pongou. Quem não pongou, dificilmente vai entender o fascínio que o bonde –
meio de transporte urbano mais popular do mundo na primeira metade do século
passado – ainda desperta em milhares de baianos, mais de 50 anos depois de
deixar de circular pela cidade. Não há habitantes de Salvador com pouco mais de
60 anos que não colecione suas lembranças dos veículos da Companhia Linha
Circular da Bahia, mais conhecida como a “Circular”. Namoros, conversas
políticas, passeios, casamentos e até cortejos de enterros tinham lugar nos
bondes. Eles detinham a hegemonia do transporte da cidade até o final da década
de 50, quando foram gradualmente substituídos pelos ônibus e automóveis. Ficam
porém rodando nos trilhos da memória de seus antigos usuários, com símbolo de
uma Salvador muito diferente da atual – menos e menos desenvolvida, mas
certamente mais ingênua, pacata e cordial.
“Era outro
mundo”, recorda o historiador Cid Teixeira – (mestre dos mestres historiadores
baianos) – figura assídua dos bondes da Federação e Rio Vermelho, bairros onde
passou a juventude. No bonde do Rio Vermelho, ele tinha até lugar marcado ( no
sempre existente jeitinho brasileiro). “Eu sentava sempre, na ponta do terceiro banco, do lado direito. Se alguém se sentava
no meu lugar eu ficava danado”. Lembra divertido. “Todo mundo que pegava o
bonde no mesmo horário se conhecia. Se alguém não vinha, os outros ficavam
preocupados: será que aconteceu alguma coisa com seu Fulano, que não apareceu
hoje?”.
Na nossa
cidade do início do século XX, fadada desde e sempre a ser capital do Brasil, e
o foi por centenas de anos, a cordialidade era uma coisa tão natural na
paisagem como os chapéus e as gravatas. Eram comum, por exemplo, que um homem
fizesse a cortesia de pagar a passagem de um amigo, de um conhecido, de um
conhecido de uma senhorita. Neste último caso, neste último caso a gentileza
podia ser pretexto para início de uma paquera.
O primeiro
bonde elétrico de Salvador foi inaugurado em 1897, marcando o início da
substituição dos antigos veículos puxados a burros. Para contar a história dos
bondes em Salvador (BA), é preciso lembrar d fatos históricos como esse – em
sua maioria bem documentados no arquivo da Coelba (ainda existe?), sucessora da
companhia de Energia Elétrica da Bahia (ECCB), um dos braços do grupo
empresarial da Circular. Mas, além disso, é preciso trazer à tona detalhes que
ficaram apenas na memória afetiva dos antigos passageiros: o uniforme cáqui do
motorneiro, o barulho condutor ao recolher o dinheiro das passagens, batendo as
moedas umas contra as outras na mão, a figura marcante do baleiro, com sua
cesta de vime, a sensação deliciosa de viajar pendurado no estribo. E, é claro,
o desafio de pongar, isto é, subir e descer do bonde ainda em movimento. Para
quem viveu essas experiências quando criança ou adolescente, o bonde será
sempre muito mais do que um meio de transporte.
O registro
da história dos bondes na Bahia (Salvador), Brasil, aliás, deve muito à
dedicação desses passageiros saudosistas. Um dos maiores especialistas
nacionais do assunto, o advogado Waldemar Corrêa Stiel, começou a fazer
pesquisas por conta própria, depois de se aposentar. Ele é o autor do livro
História do Transporte Urbano no Brasil, um levantamento sobre os bondes e
trólebus em 69 cidades brasileiras que serviu de fonte para muitos dados
citados nesse artigo. Na Bahia, destaca-se o nome do dentista Geraldo da Costa
Leal, que também resolveu enveredar pela história ao se aposentar. Autor de
vários livros sobre a Salvador antiga, ele acaba de lançar novo trabalho que
aborda os bondes, intitulado Perfis Urbanos da Bahia - Os Bondes, A Demolição
da Sé, O Futebol e os Gallegos. Trata-se de uma obra repleta de lembranças e
dados interessantes, um apanhado de memórias para saudosista nenhum botar
defeito.
“Não se pode
falar nada se referindo aos bondes, extintos na passagem dos anos 60, sem que
logo se encontrem pessoas que queiram opinar com empolgação sobre tudo que
aconteceu com os bondes da Circular”, afirma Leal, em seu livro. É verdade. Nas
ruas de Salvador, não é difícil encontrar pessoas que sabem de cor, até hoje,
os números referentes às principais linhas de bonde. É o caso, por exemplo, do
aposentado
Felipe Argolo Sacramento, de 60 anos, que caminhava numa manhã de domingo pelo
Comércio. Abordado pela repórter, ele se lembrou de detalhes dos bondes, dos
números da linhas da Cidade Baixa, além de apontar o local onde ainda existe um
resto de trilho, ao lado da Praça Deodoro. No fim da conversa, deixou
transparecer como a recordação do bonde
toca fundo seu coração. “Quando passo ali e vejo o trilho, eu chego a me
arrepiar. Eu fico pensando: qual foi o último dia em que o bonde passou aqui? ,
disse, quando ia embora tentando disfarçar a emoção.
Amei let essas informações e lembranças sobre Salvador, com isso eu fico sabendo sobre a história do estado aonde eu moro... Fiquei feliz em saber que a população um dia foi mais humana, genuína, até eu sentir saudade..
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