Turismo
Publicado por Milu Leite,
é jornalista e escritora.
Viaje sem pressa pela costa
cantábrica até a praia das Catedrais. Deixe-se levar pela beleza das encostas,
entrecortadas por rochas magistrais.
Desde a bela e pulsante A Coruña - cidade
portuária cravada em uma península na região nororeste da Galícia - até a
simpática e bem cuidada Ribadeo, percorre-se de carro não mais do que 153
quilômetros pela autopista. Mas, quem opta por esse trajeto rápido abre mão de
paisagens inesquecíveis.
Ainda que o objetivo seja conhecer a praia
das Catedrais -monumento esculpido pela natureza e certamente um dos mais
exuberantes e impactantes da Espanha -, o melhor a fazer nesta viagem é
deixar-se levar por caminhos inesperados e meter-se nas estradinhas que
recortam as montanhas cercadas de pinheiros, toxos e lavandas. Uma olhada
atenta no mapa revela linhas em ziguezague que, transformadas em realidade,
ganham a concretude de espetaculares penhascos debruçados sobre o mar, muitas
vezes perfurados por cavernas. Há trilhas estrategicamente distribuídas, com
bancos para rápidos descansos e, quem sabe, para um bocadillo de chorizo
acompanhado da deliciosa cerveja Estrella de Galícia. Sem pressa, esse momento
pode se transformar numa comunhão com a natureza, enquanto o viajante pousa os
olhos no horizonte, desviando-os de vez em quando para baixo, atraído pelo
estrondo das línguas do mar invadindo uma e outra cova rochosa, aos pés da
montanha.
Os pueblos são quase uma centena e garantem
peculiaridades. Uns mais bonitos do que outros, alguns têm faróis sinalizadores
que é obrigatório visitar. Além de boas vistas, esses pontos trazem ventos e
cheiros marinhos para alimentar a imaginação quando a viagem terminar. Ferrol,
Cerdeiro, Roncadoira, Ortigueira, Xove, Viveiro,
Barqueiro, Bares, Loiba são apenas alguns dos
locais obrigatórios nas Rías altas da Galícia. Aperitivos repletos de iguarias
raras (os bancos com panorâmica instalados no Picón, a principal delas) e que abrem
o espírito para a celebração maior: a praia das catedrais.
O nome é apropriado. Antes de chegar ali,
talvez reflita-se com algum incômodo sobre a escolha da palavra “catedral” para
algo que não tem nada de religioso. Basta descer do carro e botar os olhos na
praia para refazer esse ponto de vista. São de fato catedrais. De rocha, mas
muito parecidas com as construções arquitetadas por mãos humanas, só que
infinitamente mais bonitas, exuberantes e poderosas. É preciso dizer que o
poder da natureza se impõe aqui de modo mais profundo do que qualquer outra
coisa que inventemos. As catedrais desta praia são uma prova inconteste dele.
Somos formigas diante delas.
Na maré alta, ondas explodem contra as
paredes de pedra, revoltas, verdes, deixando rastros de espuma branca. Na maré
baixa, a praia e as catedrais se deixam visitar, exibindo uma paleta de cores e
texturas de dar inveja a qualquer artista. A água do mar goteja do teto das
grutas nutrindo de mistério o som incomum de pedras que respiram em segredo. A
luz filtrada pelas entradas, verdadeiros rasgos talhados em pedra, convida ao
silêncio, mas o coração dispara tão forte que a sensação vivenciada é a do
pré-nascimento.
Talvez, seja esta a razão do choro que me
colheu de maneira abrupta e visceral. Nunca antes havia me sentido dentro da
mãe-terra. E nunca mais vou esquecer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário