Colaboração de Fernando Alcoforado*
As crises
política e econômica que abalam o Brasil no momento apresentam algumas
semelhanças com aquelas que ocorreram em 1930 e levaram à deposição do então
presidente da República Washington Luis. A crise política em 1930 foi produto
do esgotamento do regime oligárquico inaugurado em 1889 com a Proclamação da
República e a crise econômica foi consequência do esgotamento do modelo
agroexportador existente no Brasil desde o período colonial que sofreu duro
golpe com a crise econômica mundial de 1929. Por sua vez, a crise política de
2015 no Brasil é produto do esgotamento do contrato social instituído com a
Constituição de 1988 e a crise econômica atual é consequência do esgotamento do
modelo econômico neoliberal dependente do exterior em vigor desde 1990 e está
sofrendo também as consequências da crise econômica de 2008 que eclodiu nos
Estados Unidos e se espraiou pelo mundo.
A deposição
de Washington Luís da presidência da República do Brasil ocorreu em 1930. O fim
do regime oligárquico esteve relacionado tanto à crise econômica que assolou o
Brasil, principalmente após a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, quanto à
crise política no contexto da própria oligarquia que comandava o Poder
Executivo Federal. A quebra da Bolsa de Nova Iorque, em outubro de 1929 e a
subsequente Grande Depressão influenciaram diretamente o declínio da economia
brasileira, já que o café representava ¾ das exportações brasileiras e, por
conta da crise econômica mundial, o País estava em precária situação
financeira. O resultado foi uma profunda crise na economia brasileira, que se
refletiu também nas alianças políticas da própria oligarquia agrária do país.
Washington Luís não atendeu ao pedido de salvação econômica exigida pelos
fazendeiros do café que haviam sofrido os prejuízos com a queda do preço do
produto no mercado internacional. Com isso, acabou cultivando uma insatisfação
de sua base de apoio política.
Na relação
com as oligarquias dos demais estados, o fato de ter indicado outro paulista
para sua sucessão, Júlio Prestes, resultou no abandono da aliança com os
políticos de Minas Gerais, conhecida como política do “Café com Leite”. Frente
a essa situação, foi formada a Aliança Liberal, cuja chapa, encabeçada por
Getúlio Vargas, era composta pelos oposicionistas de Minas Gerais, Rio Grande
do Sul e Paraíba, com uma plataforma política que buscava atrair os interesses
das camadas urbanas do Brasil. A eleição de 1930 que resultou na eleição de
Júlio Prestes foi considerada fraudulenta, fato este que fez com que as alas
mais radicais da Aliança Liberal iniciassem um processo de conspiração com
vistas à derrubada do presidente Washington Luís. A conspiração ganhou força
após o assassinato de João Pessoa, candidato a vice-presidente, em Recife. À
época, havia denúncias de que este crime havia sido ordenado por Washington
Luís.
Os membros
da Aliança Liberal conseguiram o apoio de parte dos oficiais que haviam
participado do movimento tenentista, nome dado ao movimento político-militar e
à série de rebeliões de jovens oficiais de baixa e média patente do Exército
Brasileiro no início da década de 1920, descontentes com a situação política do
Brasil. Em outubro de 1930, as movimentações militares iniciaram-se em Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, com a tomada do poder nesses estados. Em
24 de outubro de 1930, as forças militares no Rio de Janeiro conseguiram a
deposição de Washington Luís, passando a 2 ocupar provisoriamente o cargo de
presidente o gaúcho Getúlio Vargas. Era o fim da República Oligárquica ou
República Velha e o início da Era Vargas.
A grave
crise econômica que afetava o Brasil foi enfrentada e superada pelo governo
Getúlio Vargas. O modelo agrário-exportador foi substituído pelo modelo
nacional desenvolvimentista depois da Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas
sobe ao poder e inicia o período de industrialização no Brasil. Vargas baseou
sua administração nos preceitos do populismo, nacionalismo e trabalhismo. A
política econômica passou a valorizar o mercado interno, o que favorecia o
crescimento industrial e, consequentemente, o processo de urbanização. A Era
Vargas marca, portanto, a mudança dos rumos da República, transferindo o núcleo
do poder político da agricultura para a indústria. No entanto, a crise política
que levou Getúlio Vargas ao poder através de um golpe de estado resultou na
implantação de um regime de exceção sob seu comando, que ficou conhecido como o
“Estado Novo”, que só terminou em 1945.
Na era
contemporânea, a catástrofe que se registra hoje é o produto da crise quase
terminal dos sistemas político e econômico do Brasil. A crise política que
abala o Brasil resulta da falência do modelo político aprovado na Constituinte
de 1988. A falência do modelo político do Brasil está configurada no fato do
presidencialismo em vigor ter fracassado totalmente e ser gerador de crises
políticas e institucionais, o sistema político do País estar contaminado pela
corrupção e a democracia representativa no Brasil manifestar sinais claros de
esgotamento não apenas pelos escândalos de corrupção nos poderes da República,
mas, sobretudo, ao desestimular a participação popular nas decisões do governo.
A gigantesca
crise econômica em que se defronta o Brasil no momento resulta da falência do
modelo econômico neoliberal e antinacional. Este modelo faliu no Brasil depois
de provocar uma verdadeira devastação na economia brasileira de 1990 a 2014
configurada no crescimento econômico pífio, no descontrole da inflação, nos
gargalos existentes na infraestrutura econômica e social, na
desindustrialização da economia brasileira, na explosão da dívida pública e na
desnacionalização da economia brasileira. Na tentativa de superar a crise
econômica, o governo Dilma Rousseff decidiu adotar uma política extremamente
recessiva que já está se traduzindo na estagnação da economia, no aumento da
dívida pública, no desequilíbrio das contas externas e também no desemprego em
massa. A estagnação econômica que atinge o Brasil, além de comprometer os
lucros dos capitalistas, elevar o desemprego e afetar negativamente a
distribuição da renda, já está reduzindo as receitas do Estado que está a
exigir cortes no orçamento do governo e o aumento de impostos.
Nessas
circunstâncias, nenhum investidor interno e externo investiria no Brasil com
uma economia estagnada como se encontra no momento. A estagnação da economia
brasileira em que se encontra faz com que ocorra também queda da arrecadação do
governo em todos os níveis o que implica em não haver recursos públicos para
investimento em quantidade suficiente para investir na infraestrutura econômica
e social. Devido a tudo isto, Dilma Rousseff está perdendo progressivamente o
apoio das classes dominantes e também das classes sociais subalternas que está
se traduzindo nos baixíssimos índices de popularidade do governo. É preciso
deixar bem claro que, para poder governar, todo governo deve buscar assegurar
os ganhos dos capitalistas e a melhoria do bem estar material da população. E,
para melhorá-lo, o governo precisa promover o desenvolvimento econômico para
viabilizar a acumulação do capital e gerar emprego e a renda para a população.
A
governabilidade do Brasil e a economia brasileira estão em risco porque o
governo Dilma Rousseff não conta com o apoio da grande maioria da população e
de suas diversas classes sociais, além de não possuir maioria parlamentar para
implementar suas políticas. É preciso observar que a governabilidade diz
respeito à capacidade política do governo de decidir, possibilitando a
realização de políticas públicas. Dilma Rousseff não reúne nenhuma dessas
condições para governar a nação. Esta situação só será revertida com a
existência no Brasil de um governo que seja capaz de unir a nação em torno de
um projeto comum de desenvolvimento econômico, político e social e seja
constituído por gente competente no comando da nação.
Diante da
incapacidade do governo Dilma Rousseff de evitar o caos econômico e social em
curso que tende a levar a economia brasileira à bancarrota e ao incremento das
desigualdades sociais, assegurar a governabilidade política do País e unir a
nação em torno de um projeto comum de desenvolvimento, tornar-se-á cada vez
mais improvável sua permanência no poder. Diante da gravíssima crise política
do Brasil cujo governo sangra sem ter condições de se manter no poder diante da
rejeição da imensa maioria da população e da gravíssima crise econômica que
está levando o País à bancarrota, urge a substituição do governo Dilma Rousseff
por um outro que seja capaz de liderar a celebração de um novo contrato social
e unir a nação brasileira em torno de um projeto comum de desenvolvimento. Tudo
leva a crer que se Dilma Rousseff não for destituída através de impeachment
pelos crime de responsabilidade fiscal ou crime eleitoral, como ocorreu com a
eleição de Júlio Prestes em 1930, sua deposição poderá acontecer, da mesma forma
que em 1930, através de golpe de estado com o agravamento das crises política e
econômica.
* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de
Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor
nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros
Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a
Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o
Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento
do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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