Colaboração Fernando Alcoforado*
Erasmo elogia a Loucura afirmando que ela é responsável pela
alegria dos homens e dos deuses, pois é a Loucura quem expulsa a tristeza de
suas almas, propõe a fuga do sistema para buscar a felicidade como uma nova
forma de viver. É a Loucura quem impulsiona a vida, fazendo com que ela valha ser
vivida da melhor forma possível. Ela extingue os obstáculos da hesitação e do
medo que acompanham a pessoa sábia e que a impedem de ousar e agir por impulso,
pois, se a razão governasse o mundo não existiria a coragem. É sobremodo
importante assinalar que Erasmo retrata-se à Loucura sã, destituída de
patologia. Erasmo apresenta algumas considerações acerca das várias condições
humanas da infância à velhice. Com relação às crianças, afirma que a infância é
regada pela Loucura, pois é nesse momento da vida que falamos e agimos sem
pensar, despreocupados com as consequências de nossos atos - e justamente por
essa desnecessidade de sabedoria é que somos tão felizes e verdadeiros.
Erasmo considera que, enquanto adultos, os seres humanos
passam pela etapa mais triste da vida, pois, orientados pelas lições e pela
experiência do mundo, entram na infeliz carreira da sabedoria científica.
Erasmo afirma que, na velhice, a Loucura faz os seres humanos de novo meninos.
Na velhice, o ser humano já não tem mais o compromisso de ser um sábio, e, sai
deste mundo como as crianças, sem desejar a vida e, sem temer a morte.
Verifica-se que no paralelo que a Loucura faz entre a infância e a velhice fica
claro que ela reina em ambas. Erasmo considera que o homem é mais racional e
menos emocional, possui um humor mais áspero e triste, enquanto a mulher é mais
suave, bela e alegre e, é justamente o dom da Loucura que permite às mulheres
serem, em muitos aspectos, mais felizes do que os homens. Em seguida, diz que a
amizade, que também é considerada uma Loucura, é um bem supremo que deve ser
preferida a tudo neste mundo.
Para Erasmo, nenhum homem ou mulher de bom senso se
arriscaria a casar e a ter filhos, a não ser inspirados pela Loucura e a ela,
portanto, devem a vida. Sustenta que se as mulheres pensassem sobre o casamento
veriam que não lhes é vantajoso – as dores no parto, as dificuldades com a
educação dos filhos, o dever conjugal - só a Loucura para consentirem dessa
maneira. Erasmo de Rotterdam afirma que é necessário que o homem fique tomado
pela Loucura se quiser tornar-se pai, pois somente ela justifica a desenfreada
perseguição do macho atrás da fêmea. É somente a Loucura que faz com 2 que o
homem se escravize pelo casamento à monogamia, que se amarre a uma mulher e que
através dela se estabilize para satisfazer um capricho tão passageiro.
É através da ironia e
da finura de espírito que Erasmo de Rotterdam ridiculariza praticamente todas
as instituições, costumes, pessoas e crenças de sua época. Erasmo afirma que
sem a ajuda da Loucura, a sociedade sucumbiria. A crítica maior de Erasmo de
Rotterdam foi contra os excessos da Igreja Católica já envelhecida e
conspurcada por práticas cerimoniais vazias e sem sentido. Foi-lhe necessário
um alto grau de coragem para expor a corrupção da mais forte e poderosa
organização da época. Embora sendo cristão, Erasmo de Rotterdam era contra a
hierarquia da Igreja Católica, que declara guerras, faz cerimônias e rituais em
demasia, e discutem eternamente o mistério divino, sendo que o mandamento de
Cristo é apenas a prática da humildade, caridade e fraternidade do cristianismo
primitivo.
Oportuno se torna dizer que o objetivo primordial de Erasmo
de Rotterdam era regenerar a Europa, pondo o ideal evangélico contra as
guerras. Claro, que ele não foi entendido tendo que amargar pelo resto de seus
dias a acusação de herege e escarnecedor contra os representantes da Igreja
Católica. Diferentemente de Erasmo de Rotterdam que fez o elogio da Loucura
contra a Razão em sua época (século XVI), o mesmo não pode ser feito na era
contemporânea, A tese de Erasmo de Rotterdam não se aplica à era contemporânea
porque a Loucura atual extremamente retrógrada no que diz respeito, por
exemplo, ao modo de produção capitalista, à economia mundial, ao meio ambiente
global, às relações internacionais e ao Brasil no momento atual precisa ser
superada pela Razão.
A Loucura representada pelo retrógrado modo de produção
capitalista em todo o mundo resulta do fato de o capitalismo, apesar do
progresso que tem proporcionado à humanidade, se caracterizar desde suas
origens, como modo de produção social, pela selvageria, crueldade,
desumanidade, incivilidade, massacres, genocídios e múltiplas formas de
degradação humana sem que prevaleça a Razão com sua substituição por outro modo
de produção racional que seja sua antítese. A Loucura representada pela
economia mundial reside no fato deste sistema retrógrado apresentar tendência à
depressão com a falência dos governos, a quebradeira de empresas, o desemprego
em massa e até mesmo a eclosão de guerras civis em vários países e a
possibilidade de nova conflagração mundial como já ocorreu no século XX com a
1ª e a 2ª Guerra Mundial e não prevaleça a Razão com a implantação de um
sistema econômico mundial que opere em bases racionais.
A Loucura relacionada com o meio ambiente global é
representada pelo esgotamento dos recursos naturais do planeta, o crescimento
desordenado das cidades e a catastrófica mudança climática global que tende a
produzir graves repercussões sobre as atividades econômicas e o agravamento dos
problemas sociais da humanidade sem que prevaleça a Razão com o fim da exaustão
dos recursos naturais do planeta, o ordenamento das cidades e o controle
efetivo das emissões dos gases do efeito estufa para a atmosfera. A Loucura
representada pelas relações internacionais resulta do fato de as Organizações
Internacionais, como a ONU, não darem conta de evitar que o Homem seja o “lobo
do próprio Homem”, chegando à borda da própria destruição civilizacional como
ocorreu no século XX com a eclosão de duas guerras mundiais e a Guerra Fria e
não prevaleça a Razão com o fim da desordem, do caos que tem caracterizado as
relações internacionais ao longo da história com a criação de uma nova ordem
mundial que seja capaz de evitar 3 guerras e conflitos internacionais das quais
resultem crises humanitárias de grandes proporções como as que se verificam no
momento.
A Loucura relacionada com o Brasil diz respeito à
permanência no poder do governo Dilma Rousseff que é incapaz de superar a
gigantesca crise econômica, a profunda crise política, a crise de gestão e a
crise ética e moral em todas as instâncias do governo resultante da existência
de corrupção sistêmica generalizada. Trata-se de uma Loucura manter no poder um
governo que enfrenta a rejeição da imensa maioria da população e não fazer
prevalecer a Razão que seria a substituição do atual governo por outro que
promova a celebração de um novo contrato social no País e una a nação
brasileira em torno de um projeto comum de desenvolvimento diferente do falido
modelo neoliberal adotado desde 1990. Portanto, ao contrário de Erasmo de
Rotterdam que fez o elogio da Loucura contra a Razão que prevalecia em sua
época, defendemos a Razão contra a Loucura que prevalece na era contemporânea.
*
Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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