quarta-feira, 21 de outubro de 2015

VISÕES DO CONFRONTO ENTRE A LOUCURA E A RAZÃO NO SÉCULO XVI (SOB A ÓTICA DE ERASMO DE ROTTERDAM) E NA ERA CONTEMPORÃNEA





 Colaboração Fernando Alcoforado*


Elogio da Loucura (Porto Alegre: L&PM Editores, 2013) de Erasmo de Rotterdam, teólogo e humanista holandês, é uma sátira escrita em 1508 dirigindo críticas mordazes à vida numa sociedade medieval impregnada de uma cultura tradicional medíocre e hipócrita. As críticas são realizadas em defesa da personagem central, a Loucura. Nesta obra a Loucura é personificada na forma de uma deusa que conduz as ações humanas. Para o autor, Loucura é o estado natural do ser humano. Para Erasmo, a Loucura está por toda parte sendo infinito o número de loucos. Entre a Loucura e a Razão, Erasmo de Rotterdam se posiciona a favor da Loucura contra a Razão retrógrada que regulava a vida na Idade Média. As razões de seu posicionamento estão apresentadas nos parágrafos abaixo.
Erasmo elogia a Loucura afirmando que ela é responsável pela alegria dos homens e dos deuses, pois é a Loucura quem expulsa a tristeza de suas almas, propõe a fuga do sistema para buscar a felicidade como uma nova forma de viver. É a Loucura quem impulsiona a vida, fazendo com que ela valha ser vivida da melhor forma possível. Ela extingue os obstáculos da hesitação e do medo que acompanham a pessoa sábia e que a impedem de ousar e agir por impulso, pois, se a razão governasse o mundo não existiria a coragem. É sobremodo importante assinalar que Erasmo retrata-se à Loucura sã, destituída de patologia. Erasmo apresenta algumas considerações acerca das várias condições humanas da infância à velhice. Com relação às crianças, afirma que a infância é regada pela Loucura, pois é nesse momento da vida que falamos e agimos sem pensar, despreocupados com as consequências de nossos atos - e justamente por essa desnecessidade de sabedoria é que somos tão felizes e verdadeiros.
Erasmo considera que, enquanto adultos, os seres humanos passam pela etapa mais triste da vida, pois, orientados pelas lições e pela experiência do mundo, entram na infeliz carreira da sabedoria científica. Erasmo afirma que, na velhice, a Loucura faz os seres humanos de novo meninos. Na velhice, o ser humano já não tem mais o compromisso de ser um sábio, e, sai deste mundo como as crianças, sem desejar a vida e, sem temer a morte. Verifica-se que no paralelo que a Loucura faz entre a infância e a velhice fica claro que ela reina em ambas. Erasmo considera que o homem é mais racional e menos emocional, possui um humor mais áspero e triste, enquanto a mulher é mais suave, bela e alegre e, é justamente o dom da Loucura que permite às mulheres serem, em muitos aspectos, mais felizes do que os homens. Em seguida, diz que a amizade, que também é considerada uma Loucura, é um bem supremo que deve ser preferida a tudo neste mundo.
Para Erasmo, nenhum homem ou mulher de bom senso se arriscaria a casar e a ter filhos, a não ser inspirados pela Loucura e a ela, portanto, devem a vida. Sustenta que se as mulheres pensassem sobre o casamento veriam que não lhes é vantajoso – as dores no parto, as dificuldades com a educação dos filhos, o dever conjugal - só a Loucura para consentirem dessa maneira. Erasmo de Rotterdam afirma que é necessário que o homem fique tomado pela Loucura se quiser tornar-se pai, pois somente ela justifica a desenfreada perseguição do macho atrás da fêmea. É somente a Loucura que faz com 2 que o homem se escravize pelo casamento à monogamia, que se amarre a uma mulher e que através dela se estabilize para satisfazer um capricho tão passageiro.
 É através da ironia e da finura de espírito que Erasmo de Rotterdam ridiculariza praticamente todas as instituições, costumes, pessoas e crenças de sua época. Erasmo afirma que sem a ajuda da Loucura, a sociedade sucumbiria. A crítica maior de Erasmo de Rotterdam foi contra os excessos da Igreja Católica já envelhecida e conspurcada por práticas cerimoniais vazias e sem sentido. Foi-lhe necessário um alto grau de coragem para expor a corrupção da mais forte e poderosa organização da época. Embora sendo cristão, Erasmo de Rotterdam era contra a hierarquia da Igreja Católica, que declara guerras, faz cerimônias e rituais em demasia, e discutem eternamente o mistério divino, sendo que o mandamento de Cristo é apenas a prática da humildade, caridade e fraternidade do cristianismo primitivo.
Oportuno se torna dizer que o objetivo primordial de Erasmo de Rotterdam era regenerar a Europa, pondo o ideal evangélico contra as guerras. Claro, que ele não foi entendido tendo que amargar pelo resto de seus dias a acusação de herege e escarnecedor contra os representantes da Igreja Católica. Diferentemente de Erasmo de Rotterdam que fez o elogio da Loucura contra a Razão em sua época (século XVI), o mesmo não pode ser feito na era contemporânea, A tese de Erasmo de Rotterdam não se aplica à era contemporânea porque a Loucura atual extremamente retrógrada no que diz respeito, por exemplo, ao modo de produção capitalista, à economia mundial, ao meio ambiente global, às relações internacionais e ao Brasil no momento atual precisa ser superada pela Razão.
A Loucura representada pelo retrógrado modo de produção capitalista em todo o mundo resulta do fato de o capitalismo, apesar do progresso que tem proporcionado à humanidade, se caracterizar desde suas origens, como modo de produção social, pela selvageria, crueldade, desumanidade, incivilidade, massacres, genocídios e múltiplas formas de degradação humana sem que prevaleça a Razão com sua substituição por outro modo de produção racional que seja sua antítese. A Loucura representada pela economia mundial reside no fato deste sistema retrógrado apresentar tendência à depressão com a falência dos governos, a quebradeira de empresas, o desemprego em massa e até mesmo a eclosão de guerras civis em vários países e a possibilidade de nova conflagração mundial como já ocorreu no século XX com a 1ª e a 2ª Guerra Mundial e não prevaleça a Razão com a implantação de um sistema econômico mundial que opere em bases racionais.
A Loucura relacionada com o meio ambiente global é representada pelo esgotamento dos recursos naturais do planeta, o crescimento desordenado das cidades e a catastrófica mudança climática global que tende a produzir graves repercussões sobre as atividades econômicas e o agravamento dos problemas sociais da humanidade sem que prevaleça a Razão com o fim da exaustão dos recursos naturais do planeta, o ordenamento das cidades e o controle efetivo das emissões dos gases do efeito estufa para a atmosfera. A Loucura representada pelas relações internacionais resulta do fato de as Organizações Internacionais, como a ONU, não darem conta de evitar que o Homem seja o “lobo do próprio Homem”, chegando à borda da própria destruição civilizacional como ocorreu no século XX com a eclosão de duas guerras mundiais e a Guerra Fria e não prevaleça a Razão com o fim da desordem, do caos que tem caracterizado as relações internacionais ao longo da história com a criação de uma nova ordem mundial que seja capaz de evitar 3 guerras e conflitos internacionais das quais resultem crises humanitárias de grandes proporções como as que se verificam no momento.
A Loucura relacionada com o Brasil diz respeito à permanência no poder do governo Dilma Rousseff que é incapaz de superar a gigantesca crise econômica, a profunda crise política, a crise de gestão e a crise ética e moral em todas as instâncias do governo resultante da existência de corrupção sistêmica generalizada. Trata-se de uma Loucura manter no poder um governo que enfrenta a rejeição da imensa maioria da população e não fazer prevalecer a Razão que seria a substituição do atual governo por outro que promova a celebração de um novo contrato social no País e una a nação brasileira em torno de um projeto comum de desenvolvimento diferente do falido modelo neoliberal adotado desde 1990. Portanto, ao contrário de Erasmo de Rotterdam que fez o elogio da Loucura contra a Razão que prevalecia em sua época, defendemos a Razão contra a Loucura que prevalece na era contemporânea. *


Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).

Nenhum comentário:

Postar um comentário