sexta-feira, 27 de novembro de 2015

3.0

Livro: sociedade




Publicado em recortes por Juliana Rosas
é jornalista porque não é filósofa. Vê filmes como se fossem não a sétima arte, mas a sétima maravilha. Fotografa por brincadeira com seriedade. Ama a arte alheia porque não conseguiu liberar a sua própria.


Conexões pessoais entre Bauman e Balzac: as mulheres de trinta 3.0.


Comprei o livro “A mulher de trinta anos” ano passado, por razões pessoais. Folheei-o e comecei a ler apenas o primeiro capítulo, despretensiosamente, na sala de espera de um consultório.


Não prossegui a leitura por alguns motivos, entre eles, já estava lendo “Amor líquido”, de Zygmunt Bauman. E também porque aquele primeiro capítulo revelou uma trama diferente da que eu imaginava. Mais densa e de conteúdo menos leve do que previa.
Apesar de ter esperado para ler o livro (ainda não o terminei, não esperem aqui uma crítica literária ou algo do tipo) foi bom a coincidência de estar lendo uma das obras mais conhecidas de Bauman, que trata justamente de relacionamentos humanos e amorosos, embora não de maneira ficcional.
Gostei do prefácio da edição que comprei. Foi mais um motivo que me empolgou para ler a obra, ao dizer que “A mulher de trinta anos” é talvez o título mais conhecido de Honoré de Balzac. Foi este romance que originou o termo (horroroso, em minha opinião) “balzaquiana” para designar mulheres mais maduras. Conforme apontaram os críticos Gabriel Hanotaux e Georges Vicaire, “Balzac prestou às mulheres um serviço imenso, que elas nunca lhe poderão agradecer suficientemente, pois duplicou para elas a idade do amor... Curou o amor do preconceito da mocidade”.
Ainda dizem que Balzac, em “A mulher de trinta anos”, foi um precursor do feminismo, ao mostrar Julie, a infeliz heroína, às voltas com problemas fundamentais da vida amorosa e sentimental das mulheres e com o fracasso do casamento. Isso me faz lembrar mais ainda o livro de Bauman. Claro que isso pode ser apenas uma conexão pessoal, afinal, os livros retratam épocas diferentes e apesar de bem representar a sociedade da época, a obra de Balzac é literária e ficcional, enquanto que a de Bauman faz parte de sua análise sociológica da sociedade líquida contemporânea.
Minhas conexões vão no sentido de que retratando a sociedade de meados do século 19 e suas mudanças, com um pé no retrógrado e outro no liberal, Balzac descreve o despertar das mulheres sobre as mazelas do casamento, sobre amores maduros, sobre quebras de tradições, dos “sólidos” que pareciam certezas eternas.
Enquanto as sociedades moderna e contemporânea tiraram proveito da emancipação feminina e até com algumas vantagens, como mencionaram os críticos; começou aí, também, a frouxidão das relações humanas, como nos lembra Bauman.
Hoje, a mulher de trinta anos parece continuar sofrendo com esses aborrecimentos, com o pé entre o tradicional e o contemporâneo, entre as tecnologias que evoluíram de 2.0 a 3.0 ou sei lá... Somos a geração Y, nascidos pós 1980. Somos filhos de uma geração mais “aberta”, mas de avós tradicionais. Descobrimos a internet em nossa adolescência, mas não somos a geração Z, que já nasceu em meio à tecnologia e que provavelmente nunca ouviu falar em bola de gude.
Algumas definem a idade 3.0 porque trinta parece muito. Mas às vezes é pouco. Ainda estamos divididas entre casar, ter filhos e ser feliz ou adiar tudo isso e investir na carreira. Parece que Balzac duplicou para as mulheres a idade do amor. E a sociedade contemporânea, com suas pressões, duplicou o tempo do estudo, o tempo para sair da casa dos pais, do amadurecimento e ao que parece, com tudo isso, também preocupações e infelicidades.
Bauman não duplicou nada, mas fez reconhecer os efeitos da liquidez, da frouxidão dos laços, dos relacionamentos virtuais. No mundo dos trinta ou 3.0, no século 19 ou 21, parece que “balzaquianas” continuaram a sofrer com as mazelas reconhecidamente “baumanianas”.




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