Protesto
(A lama nossa de cada dia do Brasil de hoje, que o
povo recusa aceitar)
Ricardo
Senra - @ricksenraDa BBC Brasil em São Paulo
Um grupo de cinco pessoas que participou
de uma performance com lama em corredores do Congresso, na tarde de
quarta-feira, foi preso em flagrante sob alegação de crime ambiental.
O
auto de prisão feito pela Polícia Legislativa, ao qual a BBC Brasil teve
acesso, diz que os manifestantes foram detidos com base na lei de crimes
ambientais (9.605/98). O documento oficial cita o artigo 65 ("pichar ou
por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano"), além dos
artigos 140 (injúria) e 329 (resistência) do Código Penal.
Segundo
o texto assinado por Roberto Rocha Peixoto, diretor da Polícia Legislativa da
Câmara dos Deputados, um dos jovens foi "flagrado pichando algumas paredes
e piso da Câmara dos Deputados, sujando as pessoas que transitavam no local,
bem como ter resistido à prisão".
O
protesto aconteceu no anexo 2 da Câmara, próximo ao Departamento de
Taquigrafia. Os manifestantes seguravam cartazes com os dizeres
"Terrorista é a Vale" e "Código de Mineração + Mariana +
Morte".
O
alvo era a controladora da mineradora Samarco, dona da barreira de rejeitos de
mineração que estourou há 20 dias, espalhando o equivalente a 25 mil piscinas
olímpicas de resíduos químicos em Minas Gerais e no Espírito Santo.
À
reportagem, a presidência da Câmara afirmou, em nota, que "jovens que
teriam entrado na Câmara como visitantes picharam o local com uma substância que
se assemelha a lama".
A
nota prossegue: "a palavra 'morte' foi identificada entre as pichações, o
que pode significar uma referência à tragédia ambiental em Mariana (MG)".
'Paradoxo'
Logo
após a prisão dos cinco manifestantes, os deputados federais Jandira Feghali
(PCdoB), Chico Alencar e Ivan Valente (ambos do PSOL) pediram a liberação
imediata dos detidos.
À
BBC Brasil, Alencar classificou como "paradoxo" a prisão por crime
ambiental de manifestantes que criticavam o derramamento de lama.
"A
gente vive na Câmara dos Deputados do Brasil um tempo de inversão absoluta de
valores", diz. "Que paradoxo total é esse? Quem vem se manifestar na
casa do povo acaba sendo detido sob acusação de crime ambiental. Mas os
responsáveis pelo mar de lama da Samarco e da Vale, que vitimou diretamente 22
pessoas, incluindo os 11 desaparecidos, e os todos os danos ao rio Doce,
chegando ao oceano Atlântico, continuam soltos."
"Qual
é o real crime ambiental?", questiona o deputado, afirmando que a
liderança do PSOL na Câmara foi cercada pela Polícia Legislativa durante quatro
horas. Parte dos manifestantes procuraram representantes do partido em busca de
defesa.
Sobre
as alegações de crime ambiental, a Samarco tem dito que "não há
confirmação das causas e a completa extensão do ocorrido" e que
"investigações e estudos apontarão as reais causas".
Outra
manifestação de repúdio à mineradora, envolvendo lama, aconteceu na sede da
Vale, no Rio de Janeiro, logo após o derramamento em Mariana. "Naquela
ocasião ninguém foi preso", diz Alencar.
Segundo
a BBC Brasil apurou, parte dos manifestantes desta tarde Brasília faz parte do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), enquanto outros participam
de movimentos sociais que criticam os impactos sociais e ambientais da atividade
mineradora.
Detenção
À
reportagem, a Câmara dos Deputados disse que as pessoas envolvidas no protesto
foram "detidas e encaminhadas ao Departamento de Polícia Legislativa, onde
seguem prestando depoimento sobre o ocorrido".
O
advogado Fernando Prioste, que defende os presos, disse que eles devem passar a
noite detidos.
"Foram
presos por fazer um protesto lícito contra as violações de direitos humanos
perpetrados pela Vale", disse.
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