Curiosidade: ciência
e tecnologia
Jonathan
Amos Correspondente de Ciência da BBC News
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Image copyright Image caption O 'parque interplanetário de gêiseres de Enceladus': destino
turístico do futuro?
A sonda Cassini, um projeto conjunto da
Agência Espacial Europeia (ESA na sigla inglesa) e da Agência Espacial
americana (Nasa), fez descobertas incríveis em Saturno, mas nenhuma supera as
revelações extraordinárias sobre Enceladus.
O
que esse satélite movido a plutônio já viu nessa lua congelada de 500 km de
diâmetro é surpreendente.
A
Cassini detectou grandes jatos de vapor d'água e outros materiais jorrando de
rachaduras no polo sul da lua de Saturno.
É
um espetáculo único no Sistema Solar, afirma Carolyn Porco, que coordena o
sistema de câmeras da espaçonave.
"Brincamos
entre a nossa equipe que encontramos o 'parque interplanetário de gêiseres de
Enceladus', e que gerações futuras poderão ir para lá em férias", afirmou.
Mas
pesquisadores não estão brincando ao afirmar que esse pequeno mundo está entre
os melhores locais para se buscar vida fora da Terra.
O
"encanamento" dos jatos de vapor leva a um amplo reservatório de água
que pode atingir até 40 km de profundidade.
Os
instrumentos da Cassini puderam mostrar, sobrevoando e analisando as emissões
de materiais, que as condições e a química desse oceano subterrâneo podem dar
suporte à vida microbial.
Há
fortes indícios de que a água esteja interagindo com rochas no leito do oceano,
para produzir o tipo de coquetel de nutrientes que poderia alimentar pequenos
organismos.
Image caption As rachaduras no polo sul de
Enceladus são o foco dos jatos de vapor d'água
"Eu
me interesso há décadas pela busca por vida no Sistema Solar e ainda estou
espantado com o que estamos vendo em Enceladus. É um pequeno mundo tão distante
da Terra, expelindo uma riqueza de material orgânico, água e indícios de
habitabilidade. É surpreendente, e as amostras estão bem ali, livres para
coleta", disse Chris McKay, astrobiólogo da Nasa.
Mas
mesmo com toda sua capacidade, a Cassini, com sua tecnologia dos anos 1980 e
1990, não pode comprovar em definitivo a presença de micróbios sob a superfície
gelada de Enceladus. A sonda foi lançada em outubro de 1997 e chegou a Saturno
em julho de 2004.
Para
isso, seria preciso um outro tipo de satélite, com sensores especiais.
A
Cassini irá fazer uma última manobra de aproximação da lua na próxima semana
para coletar uma leva final de imagens detalhadas da superfície.
Depois
irá se deslocar pelo sistema de Saturno em preparação para observações finais
do planeta dos anéis.
Então
estamos quase dando adeus a Enceladus, e - claro - isso já motiva conversas sobre
como podermos voltar um dia com equipamentos mais potentes.
Image copyright Image caption O "encanamento" dos jatos de vapor de Enceladus leva a
um oceano subterrâneo que pode atingir 40 km de profundidade
Jonathan
Lunine é um cientista interdisciplinar na missão Cassini na Universidade
Cornell, nos EUA. Ele desenvolveu um conceito para uma espaçonave que chamou de
ELF (Enceladus Life Finder, ou localizador de vida de Enceladus, em tradução
livre).
Seria
uma sonda menor do que o satélite gigante que hoje orbita Saturno, mas a perda
em tamanho (e custo) seria compensada pela sofisticação.
Seus
instrumentos seriam voltados à análise do conteúdo dos jatos de vapor para
verificar qualquer componente químico associado a processos biológicos.
"Com
espectrômetros de massa potentes, poderíamos detectar e identificar aminoácidos
(matéria prima das proteínas)", afirma.
"Teríamos
capacidade de detectar ácidos graxos presentes em membranas de células de
bactérias; e seus 'primos', os chamados isoprenóides, que estão na membrana das
arqueobactérias, esses micróbios que habitam ambientes extremos da Terra.
"Também
poderíamos contar o número de carbono dos jatos para verificar se seguem o
padrão de vida. E finalmente mediríamos os isótopos (espécies do mesmo elemento
químico, de mesmo número atômico e diferentes números de massa) de todo o
carbono, nitrogênio e oxigênio, para ver se a química é parecida com a que
ocorre na Terra, onde organismos preferem os isótopos mais leves ao processar
esse material em seus sistemas."
Desafios futuros
O
ELF foi submetido a uma competição recente da Nasa para selecionar missões
planetárias futuras, mas não foi escolhido. Um dos problemas em empreitadas
desse tipo é a disponibilidade de energia em um ponto tão longe do Sol (1,4
bilhão de km).
A
sonda Cassini utiliza uma "bateria nuclear", movida a plutônio-238,
para todas as suas demandas de energia. Essa fonte é cara e hoje praticamente
não existe mais - o isótopo não existe naturalmente e parou de ser fabricado
após o fim da corrida nuclear no mundo.
Painéis
solares são uma opção, porém o desafio é grande: a intensidade da luz do Sol em
Enceladus é um centésimo da que atinge a Terra.
Apesar
disso, a possibilidade de voltar a essa lua branca e brilhante de Saturno é tão
instigante que um caminho certamente será descoberto. Não só porque Enceladus é
um dos melhores lugares para a busca de vida extraterrestre - é também o mais
fácil.
Image copyright Image caption A, com tecnologia dos anos 1980 e 1990, não se pode comprovar em
definitivo a presença de vida em Enceladus
Diferentemente
de Marte ou de Europa (lua de Júpiter), em Enceladus não há necessidade de
pouso e perfuração do solo para coleta e análise de amostras. As amostras são
permanentemente lançadas no espaço pelos jatos do polo sul.
Peter
Tsou, do laboratório de propulsão de foguetes do Instituto de Tecnologia da
Califórnia, tem um projeto para trazer essas amostras de volta à Terra para
avaliação mais detalhada em laboratórios de ponta.
Sua
missão se baseia no modelo da sonda Stardust da Nasa, que em 2006 coletou
amostras de poeira de estrelas e cometas.
Naquela
ocasião, Tsou usou um arranjo de espuma de dióxido de silício, chamado aerogel,
para coletar as amostras enquanto a sonda Stardust voava por nuvens de gás e
poeira dos objetos.
"Na
Stardust, eu lancei aerogel em cubos de 2x4x3 cm. Tinha 132 deles. E descobri
que um ou dois cubos já davam conta do recado", recorda.
"Então
não precisamos de muitos (cubos de aerogel). Contudo, o desafio é a dimensão
reduzida das amostras, e que estamos tratando de vida. Qualquer contaminação da
Terra pode arruiná-las, porque poderíamos descobrir (após a análise) 'É a minha
saliva!'", afirma.
Tsou
calcula que uma missão de coleta de amostras de Enceladus poderia levar 14
anos, do lançamento à presença de material lunar em um laboratório na Terra.
Origem da vida
"Se
descobrirmos vida em um lugar como Enceladus obviamente será algo simples, como
vida microbiana", afirma Carolyn Porco.
"Claro
que seria fascinante se descobríssemos lagostas; quem sabe? Talvez",
afirma a pesquisadora. "Mas estamos mirando em algo simples, apenas provas
de vida microbiana."
Image copyright Image captionMissão de coleta de amostras
poderia levar 14 anos, do lançamento ao retorno à Terra
"Seria
uma mudança de paradigma. Qual o tipo de vida que existe ali? É como a vida na
Terra ou não? É baseada no DNA ou não? Seria uma descoberta enorme,
provavelmente a maior descoberta científica que possamos fazer. Temos que
voltar."
Para
Jonathan Lunine, se Enceladus revelar sinais de vida, isso trará a certeza de
que "a vida teve uma segunda origem".
"Mas
isso também nos permitirá, acredito, mover nossa atenção para a galáxia, e
perceber que se a vida pode começar duas, três ou quatro vezes em nosso próprio
Sistema Solar, quantos planetas habitáveis na galáxia devem ter vida
hoje?"
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