terça-feira, 29 de dezembro de 2015

FILMES PARA ENTENDER E/OU DESFRUTAR MELHOR STAR WARS



Arte cinematográfica: Star War 7

Os criadores da saga se inspiraram em figuras-chave do cinema, de Akira Kurosawa a David Lean passando por Stanley Kubrick


ÁLVARO P. RUIZ DE ELVIRA
Madri
EL PAÍS – O JORNAL GLOBAL

Fotogramas de O Retorno de Jedi e A Fortaleza Escondida de Kurosawa.

George Lucas tinha claro suas influências cinematográficas quando escreveu e dirigiu o primeiro filme de Star Wars. E nunca escondeu: o filme de Kurosawa, os seriados de Flash Gordon dos anos 30, os filmes sobre o velho oeste (e só algumas músicas da trilha sonora de John Williams já provam isso) e filmes e documentários sobre aviação das duas Guerras Mundiais, entre outros. As referências e influências que também foram comuns no resto dos filmes que ele produziu ou dirigiu na saga. E provavelmente algumas delas poderão ser apreciadas no novo filme Star Wars: O despertar da força, dirigido por J.J. Abrams.

Com a estreia de Star Wars VII propomos uma lista para desfrutar dos filmes antigos e dos que virão na série. Se você já é fã da saga, pode ter notado ou pensado em algumas das referências. Se esse fenômeno da cultura popular não chama sua atenção, mesmo assim essa lista poderá ajudá-lo a entendê-lo melhor:
O velho oeste selvagem

Na faculdade de cinema, Lucas teve a oportunidade de revisitar centenas de metros de fitas de westerns, um gênero que atingiu o auge entre meados da década de 40 e início dos anos 60, mas que na década de 70 estava mal visto nos EUA. A mitologia do oeste se ajustava com as ideias de Lucas de fazer um filme de aventura, escapista e visualmente atraente. Um tema que foi reforçado para o Lucas estudante com o boom de spaghetti western, especialmente as obras de Sergio Leone.

Han Solo é a combinação perfeita de John Wayne e Clint Eastwood quando o contrabandista sai do bar depois de matar Greedo. Esse caminhar lento, quase arrogante, o trai. E toda a atmosfera do Episódio IV, com o desértico planeta Tatooine na fronteira da galáxia, o bar cheio de bêbados e pilantras, os moradores das areias espreitando como se fossem índios, o duelo inevitável entre Darth Vader e Obi Wan, como se tivessem um duelo ao meio-dia na rua principal da cidade, e especialmente a música de John Williams, cujos temas mais western devem muito a Da Terra Nascem os Homens, Sete Homens e um Destino ou A Conquista do Oeste. Claro, John Ford é uma referência constante, como por exemplo, Rastros de Ódio: uma fazenda queimada no deserto desencadeando o início da odisseia de heróis, um veterano e um jovem ingênuo, à procura de uma mulher. Esta referência é dupla em Star Wars: por um lado o início da viagem de Luke e Obi Wan para encontrar Leia, e por outro, a dupla tentativa (a primeira falhou, a segunda com um resultado brutal) de encontrar a mãe de Anakin depois de ter sido sequestrada pelos moradores em Ataque dos Clones.

Metrópolis (1927)

Dizer que este filme de Fritz Lang influenciou só George Lucas e o designer Ralph McQuarrie pelo robô dourado (de Maria a C3PO) seria pouco. O filme repercutiu em muitos criadores de ficção científica no cinema. Metrópolis tem o robô, tem uma cidade futurista com grandes arranha-céus e veículos voadores, como a cidade imperial de Coruscant (bem, como Los Angeles de Blade Runner, ou Nova York O Quinto Elemento e muitos outros). É um filme de ficção científica feito na década de 20 que revolucionou parte da precária indústria da época. Star Wars também significou (junto com outros filmes, claro) uma mudança na maneira de fazer filmes na década de 70.

 O robô Metrópolis (à esquerda); um dos primeiros desenhos de McQuarrie para C3PO (centro) e o androide final de Star Wars.

Kurosawa

George Lucas e Francis Ford Coppola estava tão obcecados com o cinema do japonês Akira Kurosawa que acabaram produzindo um dos filmes dele, Kagemusha (1980). Para Lucas foi também uma forma de agradecer ao cineasta japonês todas as ideias e sequências que tinha “roubado” dos filmes anteriores, como Os Sete Samurais (1954) e, especialmente, A Fortaleza Escondida (1958) para Star Wars. No geral, Lucas se sentia atraído por toda a estética medieval do Japão e muitas das ideias espirituais. O capacete de Darth Vader tem um pouco de nazista e um pouco de samurai, por exemplo. Os Jedis, suas roupas, as espadas a laser também vêm desta cultura.
De Kurosawa tomou uma das grandes ideias para o primeiro filme, contar a história a partir do ponto de vista de dois personagens cômicos (C3PO e R2D2, na Fortaleza, dois camponeses que aparecem na foto que abre este artigo). E muito mais: as duas tramas compartilham a ideia de uma princesa e um personagem forte lutando para ultrapassar as linhas inimigas, a maneira como se passa de uma parte da história para outra com varreduras, a cena em que Luke e Leia cruzam presos a um cabo de uma porta para outra para não cair em um poço abismal...

Kurosawa sabia fazer cinema, era um mestre da composição e da montagem e sabia contar histórias usando todos os elementos. E influenciou muito do que Lucas, que sempre disse que é um editor, não um escritor ou um diretor, conseguiu fazer como cineasta. E é uma das grandes realizações do cinema: Lucas gosta de Kurosawa e o imita. O japonês gosta de John Ford e o imita. E chega Hollywood, onde gostam de Os Sete Samurais e o imitam (Sete Homens e um Destino). E o círculo é criado. E no final todos gostaram de Shakespeare e o imitaram. E, por sua vez, Shakespeare gostava de Chaucer e assim a roda torna-se infinita.

De 2001 a Corrida Silenciosa

A mudança da década de 60 para os anos 70 do século passado, também marcou uma mudança na ficção científica (cinematográfica). Nos anos 50 os filmes de ficção científica estavam muito influenciados pelo fim da Segunda Guerra Mundial, a bomba atômica e pela Guerra Fria. Os alienígenas e os robôs eram quase sempre malvados. Mas o homem chegou à lua e Stanley Kubrick surpreendeu a todos com 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). George Lucas ficou encantado não tanto com a história e o esoterismo, mas com a grandiosidade dos efeitos especiais e as maquetes de naves espaciais. E do efeito criado para a porta estelar que Lucas aplicou para simular a viagem à velocidade da luz da Millennium Falcon. Do mesmo ano foi o Planeta dos Macacos(1968). Neste caso, a influência é mais indireta. A Fox lançou o filme sem muita fé no gênero e a aposta no final deu tão certo (cinco filmes entre 68 e 73) que os diretores se animaram a procurar uma outra saga de ficção científica, para sorte de Lucas.
Primeiros desenhos de McQuarrie para R2D2 inspirados diretamente em Corrida Silenciosa.
A nova década trouxe filmes como Corrida Silenciosa (1972) e Dark Star (1974). O segundo, filme de estreia na direção de John Carpenter, era algo novo e com senso de humor pela primeira vez no gênero. O primeiro está diretamente relacionado com Star Wars. Corrida Silenciosa conta a história de um cientista que vive em uma estação espacial. Tem três robôs acompanhantes, úteis, sem nenhuma maldade, com toques humanos, que fascinaram Lucas. Se Metrópolis foi a origem do C3PO, esses três droides foram o de R2D2, como confirmado na época pelo designer Ralph McQuarrie, que recebeu ordens de Lucas para se basear neles.

Aviões de combate

Labaredas do Inferno é um filme britânico de 1955 que contava o ataque aéreo a vários alvos na Alemanha nazista. O filme está cheio de cenas de combate e terminologia que Lucas aproveitou para recriar no ataque à Estrela da Morte no Episódio IV. A ideia de que só daria para destruir o alvo lançando um projétil em um pequeno buraco sai daquele filme. Para fazer essa recriação (não plano a plano, mas quase), o cineasta contratou para Uma Nova Esperança, o diretor de fotografia Gilbert Taylor, criador dos efeitos de Labaredas do Inferno.

Lucas é apaixonado por aviões da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, nunca escondeu isso. E de todo o tema de guerra em geral, embora tenha sempre se declarada contra as guerras. Na verdade, o primeiro filme de Star Wars é supostamente uma declaração pacifista contra a guerra do Vietnã. Uma carta escrita por Lucas quando começou a escrever o roteiro que foi publicada em uma de suas biografias diz: “Um império tecnológico persegue um pequeno grupo de combatentes da liberdade”. Não por acaso, a ideia original de Apocalypse Now foi de George Lucas, embora no final o projeto acabou nas mãos de seu amigo e mentor, Francis Ford Coppola.

Outros títulos bélicos presentes na saga são Os Canhões de Navarone (o assalto a Endor de Han Solo, igual a Gregory Peck, o escudo da Estrela da Morte) ou Uma Batalha no Inferno. Entre outras referências, especialmente significativas na batalha de Hoth no início de O Império Contra-Ataca, há um diálogo com a frase “tenho um mau pressentimento sobre isso” que aparece em todos os seis filmes de Star Wars.

David Lean

O cineasta britânico tinha um jeito de fazer filmes que Lucas não hesitou em nenhum momento em imitar. Produções épicas, filmadas em formato panorâmico, uma grande orquestração musical e... Alec Guiness. Star Wars deve muito a Lawrence da Arábia. É impossível não pensar nesse filme ao ver os desertos de Tatooine em panorâmica ou a cena de Han Solo saindo da nevasca, sem recursos, para resgatar Lucas, que lembra muito quando Lawrence entra na tempestade de areia. E o final, compartilhando o mesmo palco, inclusive com tomadas baseadas, da Praça da Espanha em Sevilha, no filme de Lean e noAtaque dos Clones.

Ben Hur

Talvez um dos melhores momentos da tão criticada A Ameaça Fantasma seja a corrida de naves, uma clara homenagem à corrida de bigas de Ben Hur (1959) de William Wyler. Há cenas quase iguais, a música de John Williams se adapta perfeitamente à de Miklos Rozsa e a tensão criada é semelhante. Mesmo no final do Episódio I, o desfile da vitória de Naboo está baseado no filme de Wyler.

Os filmes do Hammer

O estúdio britânico Hammer criou, a partir dos anos 50, centenas de filmes de terror B que levaram a alguns clássicos de culto e deram ao mundo atores como Peter Cushing e Christopher Lee. Lucas queria tê-los em cada trilogia em homenagem a esses filmes e àqueles vilões terríveis que eles interpretaram. Na verdade, o nome do personagem de Lee, o Conde Dooku, é uma homenagem até meio infantil ao Conde Drácula.

Documentários de Leni Riefenstahl + estética nazista

A fotógrafa e diretora alemã Leni Riefenstahl foi a cineasta oficial da Alemanha nazista. Sua obra mais importante naquela época foi Triunfo da Vontade, um documentário de propaganda. Daí sai a cena final de Uma Nova Esperança, com a entrega de medalhas. E daí sai uma cena importante também de O Despertar da Força com as forças da Primeira Ordem atentas a um discurso feito pelo General Hux.

Fotogramas de O Despertar da Força (acima) e Triunfo da Vontade

Certamente não citamos todos os filmes, por isso deixamos abertos os comentários para que possam continuar aumentando a lista.



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