Literatura/artigo
Publicado por Gabriel Oro.
Gosta de historinhas, filminhos e discussões excessivamente
detalhadas sobre coisas de pouca importância.
Você tem uma grande ideia. Você acredita nela. As outras
pessoas não. O que acontece quando a melhor das suas ideias morre antes mesmo
de nascer?
Se você está entre o grupo de coitados que se dizem parte
dessa comunidade de ilusões compartilhadas que chamamos de indústria criativa,
já deve ter passado por isso. Se não passou, é grande a chance de que um dia vá
passar. Na próxima terça, talvez.
Designers, músicos, publicitários, artistas gráficos,
cineastas e etc. No geral, por baixo dos delírios de grandeza que nos atingem
brevemente todos os dias, temos empregos relativamente comuns: uma rotina com
objetivos de médio e longo prazo, uma pauta a cumprir e um horário para
cumpri-la. Lá de vez em quando, conseguimos fazer algo que realmente nos dá
orgulho, orgulho de verdade, um trabalho de qualidade no qual realmente
acreditamos. Aquele trabalho que a gente até mostra pros nossos amigos que tem
empregos de gente grande. Mas na maioria das vezes, claro, não é assim. A
maioria das criações acaba nem saindo, morre antes de deixar a
agência/estúdio/empresa. E quer saber? Não tem problema. Em geral, lidamos bem
com isso, faz parte do trabalho, estamos habituados, somos profissionais afinal
de contas. No caso dos escritores, o Christopher Pierznik fez uma ótima análise
sobre o que acontece quando seus livros não vendem, que foi uma das inspirações
para este texto. Em qualquer área do trabalho criativo, pequenas rejeições são
algo corriqueiro e até positivo se bem assimilado.
Mas aí, tem aquela ideia. Vocês sabem qual é. Normalmente
aqueles delírios de grandeza que eu mencionei aparecem de manhã e baixam a bola
quando você sai pra comer, percebe que gastou três dias do seu vale refeição e
vai ter que economizar nos almoços o resto da semana. Mas com aquela ideia é diferente.
Eles voltam todos. De repente você vê tudo com clareza, esse não é só mais um
trabalho no seu dia, só mais uma pauta a vencer, só mais uma proposta na sua
carreira. Essa ideia é boa. Seus olhos brilham, você começa a sorrir sozinho
olhando o vazio, o estagiário novo fica assustado e pergunta pros outros qual é
o seu problema. Mas tudo bem, você nem nota, porque essa ideia é mais que boa.
Ela é grande.
Talvez seja a sua melhor.
Aí é que nasce o problema: onde morre a ideia. Existem
centenas de possíveis razões pra terem matando-a e provavelmente o motivo
escolhido foi bem razoável. Talvez ela nem fosse tão boa assim. Talvez, anos
depois, você pare em choque lembrando da vez em que se martirizou por uma ideia
idiota. Mas é claro que na hora você não percebe, pois uma ideia que dá
convicção gera apego, e essa é também a característica de um bom artista, um
bom designer, um bom criativo, desenvolver certo apreço pelo seu trabalho. Nos
primeiros dias, porém, você experimenta uma rápida passagem pelos cinco
estágios do luto: Negação: “Eles disseram que não agora, mas quando perceberem
o potencial disso vão voltar atrás” Raiva: “Cliente de mau gosto, demora um mês
pra mandar as alterações do outro trabalho, mas pra reprovar é rapidinho né”
Barganha: “Se eu matar o resto da pauta logo quem sabe posso ficar um pouco
mais naquele projeto e fazer eles mudarem de ideia” Depressão: “Vdm. Vou
começar a mandar portfólio” Aceitação: “Ah numa dessas a gente propõe pra outro
cliente um dia. Ou não, sei lá".
O comprometimento com as próprias convicções, no fim das
contas, é um de seus compromissos profissionais mais importantes. É o que vai
fazer você ser um grande profissional e também é o que vai fazer você ficar
apegado demais a um trabalho de vez em quando, chateado demais com uma derrota
de quando em vez. Depois de alguns anos, claro, aprendemos a lidar melhor com a
perda. A teoria das 10 mil horas coloca que, para alcançarmos uma performance
excepcional em uma atividade, esse é o tempo de dedicação necessário a ela. Parece
uma teoria difícil de testar, agora que eu penso sobre isso. Acho que depois
dessa marca, você provavelmente também vira um expert em lidar com essas
perdas. Talvez.
Como o leitor crítico e observador que é, você percebeu que
o texto está terminando e eu ainda não dei uma resposta objetiva para a
pergunta inicial. Bem, o simples fato de termos profissões que permitem criar
esse tipo de vínculo com uma tarefa do dia, um item de pauta, resgata os
motivos pelos quais escolhemos esse caminho em primeiro lugar. Nenhuma ideia é
em vão, cada trabalho e cada experiência profissional, positiva ou negativa,
contribui de uma maneira única para nossa evolução, nos deixa mais prontos ou,
como eu gosto de dizer, mais fortes.
Afinal então, o que acontece quando a sua melhor ideia morre
antes mesmo de nascer?
O que acontece é que uma partezinha de você morre junto. A
parte fraca.
Você agora é mais forte.
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