sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

SOBRE SER E TER FILOSOFIA

Literatura




Publicado por Fernanda Moura
é formada em Filosofia pela Trent University e Especialista em Filosofia Clinica pelo Instituto Packter. Vive nas contradições e reticências do dia a dia. Gosta de retas, mas prefere as curvas. Tem mania de pontos. Detesta tecnicismos e é incapaz de entender mapas e gráficos. Confunde-se com vírgulas, ainda que adore pausas.


Filosofar não é cantar de galo e saber mais do que ninguém. Filosofar é, em certa medida, não crescer. É deixar-se levar pelas dúvidas, perguntando como o faz uma criança. O exercício de filosofar mantém o ser humano em estado de aprendizagem. Achar que já não precisamos estudar, ler e nos descabelar tentando entender algum texto qualquer simplesmente porque já passamos nas provas finais ou já não estamos na faculdade, é o que leva a humanidade pouco a pouco a um vazio de frases feitas e compradas; à um mundo onde a falta de originalidade é sinal de status e pensar demais é perda de tempo


Ouvi em algum lugar que o simples fato de explicar o que é filosofia já exige o exercício de filosofar. Achei fantástica esta frase, pois não há nada mais difícil do que tentar explicar para alguém que não gosta de pensar o que é filosofar. Não dá. É como tentar explicar o que é beijar para quem nunca beijou. É como comer algo com os olhos e narizes tapados. É uma experiência incompleta e vaga.
O filósofo é uma criança descobrindo o mundo. Perguntas mil para poucas respostas. O filósofo é movido por uma vontade infantil de puxar o tapete das nossas verdades absolutas. Das nossas “certezas”. Das nossas construções engessadas em aparente conhecimento.
Não falo do acadêmico enfadonho que só repete o que foi lido e trata os demais com ares de superioridade porque leu Kant e Deleuze no original. Falo daqueles, acadêmicos ou não, cuja busca pelo conhecimento é maior do que a vontade de aparentar que sabe algo. Refiro-me àqueles cujas mentes são permeadas por pontos de interrogação, vírgulas e algumas exclamações em pleno momento de descoberta.
Do nascimento até a adolescência, somos, na maioria, questionadores. Somos sonhadores que veem o mundo com um misto de espanto e surpresa. Cada esquina, uma descoberta. Cada descoberta, outras incertezas. Cada incerteza, novos desafios.
Filosofar não é cantar de galo e saber mais do que ninguém. Filosofar é, em certa medida, não crescer. É deixar-se levar pelas dúvidas, perguntando como o faz uma criança. Não é à toa que as crianças aprendem tanto em tão pouco tempo. Aí chega a adolescência, e muitos começam a deixar de lado este lado curioso e questionador. Acham que já sabem como a vida funciona. Já sabem como o mundo é. Já não se surpreendem, já não se encantam, já não aprendem.
Mas, a alma do filósofo permanece boba e leve. Uma mistura de mistério e dúvida buscando possibilidades naquilo tido como impossível.
O exercício de filosofar mantém o ser humano em estado de aprendizagem. Achar que já não precisamos estudar, ler e nos descabelar tentando entender algum texto qualquer simplesmente porque já passamos nas provas finais ou já não estamos na faculdade, é o que leva a humanidade pouco a pouco a um vazio de frases feitas e compradas; à um mundo onde a falta de originalidade é sinal de status e pensar demais é perda de tempo.
Perda de tempo para mim é trabalhar somente para comprar o carro do ano e o novo iphone. Para muitos inclusive, o iphone não é nem mais objeto, já virou braço. O carro, para alguns, é uma extensão da própria libido. Tipo a crista do galo quando se exibe para suas pretendentes.
A confusão que fazem entre ser e ter na atualidade é muito grande, embora qualquer criança atenta perceba que são verbos distintos. Para muitos, porém, ser e ter passam a significar quase a mesma coisa. Ser filósofo= não ter dinheiro. Pensar demais = não ter o quê fazer. Mas a pergunta que sempre fica na ponta da minha língua é: Será que quando tenhamos tudo que achamos que somos, passaremos, finalmente, a pensar acerca daquilo que somos?



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