Literatura
Publicado por Fernanda
Moura
é formada em Filosofia pela Trent University e
Especialista em Filosofia Clinica pelo Instituto Packter. Vive nas contradições
e reticências do dia a dia. Gosta de retas, mas prefere as curvas. Tem mania de
pontos. Detesta tecnicismos e é incapaz de entender mapas e gráficos.
Confunde-se com vírgulas, ainda que adore pausas.
Filosofar não é cantar
de galo e saber mais do que ninguém. Filosofar é, em certa medida, não crescer.
É deixar-se levar pelas dúvidas, perguntando como o faz uma criança. O
exercício de filosofar mantém o ser humano em estado de aprendizagem. Achar que
já não precisamos estudar, ler e nos descabelar tentando entender algum texto
qualquer simplesmente porque já passamos nas provas finais ou já não estamos na
faculdade, é o que leva a humanidade pouco a pouco a um vazio de frases feitas
e compradas; à um mundo onde a falta de originalidade é sinal de status e
pensar demais é perda de tempo
Ouvi em algum lugar que o simples fato de
explicar o que é filosofia já exige o exercício de filosofar. Achei fantástica
esta frase, pois não há nada mais difícil do que tentar explicar para alguém
que não gosta de pensar o que é filosofar. Não dá. É como tentar explicar o que
é beijar para quem nunca beijou. É como comer algo com os olhos e narizes
tapados. É uma experiência incompleta e vaga.
O
filósofo é uma criança descobrindo o mundo. Perguntas mil para poucas respostas. O filósofo é
movido por uma vontade infantil de puxar o tapete das nossas verdades
absolutas. Das nossas “certezas”. Das nossas construções engessadas em aparente
conhecimento.
Não falo do acadêmico enfadonho que só repete
o que foi lido e trata os demais com ares de superioridade porque leu Kant e
Deleuze no original. Falo daqueles, acadêmicos ou não, cuja busca pelo
conhecimento é maior do que a vontade de aparentar que sabe algo. Refiro-me
àqueles cujas mentes são permeadas por pontos de interrogação, vírgulas e
algumas exclamações em pleno momento de descoberta.
Do nascimento até a adolescência, somos, na
maioria, questionadores. Somos sonhadores que veem o mundo com um misto de
espanto e surpresa. Cada esquina, uma descoberta. Cada descoberta, outras
incertezas. Cada incerteza, novos desafios.
Filosofar não é cantar de galo e saber mais
do que ninguém. Filosofar é, em certa medida, não crescer. É deixar-se levar
pelas dúvidas, perguntando como o faz uma criança. Não é à toa que as crianças
aprendem tanto em tão pouco tempo. Aí chega a adolescência, e muitos começam a
deixar de lado este lado curioso e questionador. Acham que já sabem como a vida
funciona. Já sabem como o mundo é. Já não se surpreendem, já não se encantam,
já não aprendem.
Mas, a alma do filósofo permanece boba e
leve. Uma mistura de mistério e dúvida buscando possibilidades naquilo tido
como impossível.
O exercício de filosofar mantém o ser humano
em estado de aprendizagem. Achar que já não precisamos estudar, ler e nos
descabelar tentando entender algum texto qualquer simplesmente porque já
passamos nas provas finais ou já não estamos na faculdade, é o que leva a
humanidade pouco a pouco a um vazio de frases feitas e compradas; à um mundo
onde a falta de originalidade é sinal de status e pensar demais é perda de
tempo.
Perda de tempo para mim é trabalhar somente
para comprar o carro do ano e o novo iphone. Para muitos inclusive, o iphone
não é nem mais objeto, já virou braço. O carro, para alguns, é uma extensão da
própria libido. Tipo a crista do galo quando se exibe para suas pretendentes.
A confusão que fazem entre ser e ter na
atualidade é muito grande, embora qualquer criança atenta perceba que são
verbos distintos. Para muitos, porém, ser e ter passam a significar quase a
mesma coisa. Ser filósofo= não ter dinheiro. Pensar demais = não ter o quê
fazer. Mas a pergunta que sempre fica na ponta da minha língua é: Será que
quando tenhamos tudo que achamos que somos, passaremos, finalmente, a pensar
acerca daquilo que somos?
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