Brasil/política
Adriano Brito - @adrianobritoDa BBC Brasil em São Paulo
Para Cristovam Buarque, é preciso discutir que governo, o Brasil terá – com ou sem Dilma
Há pouco mais de dez anos, o senador Cristovam Buarque
deixou o PT após uma série de desgastes que levaram à sua demissão, por
telefone, do cargo de ministro da Educação e no embalo da eclosão do escândalo
do mensalão – ele foi um dos integrantes que não concordaram com a resposta
dada pelo partido e pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva às
irregularidades reveladas à época.
Hoje, ensaia um novo desembarque, desta vez do PDT, que, nas
palavras de Cristovam, "não existe" como partido, pois virou um
"puxadinho do PT" controlado pelo ex-ministro Carlos Lupi que já
colocou como candidato à próxima corrida presidencial um nome escolhido por
Lula – Ciro Gomes – para "preencher o vazio" caso o petismo não se
recupere a tempo de 2018.
Segundo o senador, "o PT se auto assassinou" ao
desconsiderar a meritocracia na nomeação de cargos e não pensar um projeto de
longo prazo para o país.
Diz ainda que o "fracasso" da gestão Dilma
Rousseff se deve principalmente a erros cometidos pela presidente em seu
governo, que está em "fase terminal".
Aos 71 anos, o ex-governador do Distrito Federal e ex-reitor
da UnB (Universidade de Brasília) defende, porém, que se pense menos no
resultado do pedido de impeachment da presidente, e mais em que governo o país
terá após o processo – com ou sem Dilma.
Confira trechos da entrevista à BBC Brasil, feita por
telefone.
BBC Brasil - A ex-senadora Marina Silva defendeu ao jornal
Folha de S.Paulo que se agilize o processo contra a presidente Dilma Rousseff
no TSE (Dilma e seu vice, Michel Temer, podem ter o mandato cassado se o
Tribunal Superior Eleitoral entender que a chapa cometeu irregularidades na
campanha), em detrimento ao pedido de impeachment em curso no Congresso. Como
vê isso?
Cristovam Buarque - Para mim, o importante não é saber como
isso termina, mas como começa o próximo momento. O chamado day after (dia
seguinte). Acho que lamentavelmente a Marina não trabalha com o day after.
Estou menos preocupado com se isso vai terminar com a continuação da Dilma, o
impeachment ou a cassação.
Teremos o dia seguinte com o Temer em um governo de unidade
nacional? Ou com a Dilma, com um governo de coalizão nacional? Se houver a
cassação, a eleição em 90 dias vai permitir a construção dessa coalizão com um
projeto alternativo? Essa é a minha preocupação.
A presidente Dilma Rousseff enfrentará processo de impeachment neste ano. |
BBC Brasil - Qual seria o cenário ideal?
Cristovam Buarque - Hoje, e nós dissemos isso a ela em
agosto, a melhor alternativa seria a Dilma, mas com um governo que não fosse da
Dilma. Ela sendo a "Itamar" dela própria. No que consiste isso: ela
dizer que não é mais do PT, nem de qualquer outro partido, a não ser do
"Partido do Brasil".
Dizer que precisa da oposição e de todos para governar,
compor um ministério de unidade e com um programa de unidade, no qual a
estabilidade monetária seja objetivo imediato, desde que não sacrifique
conquistas sociais nem investimentos em infraestrutura. Definindo quem vai se
sacrificar para que o Brasil seja reorientado e como vamos atravessar os três
anos até a próxima eleição.
Seria a continuidade do governo Dilma sem Dilma, uma espécie
de presidente sem ser chefe de governo, com um "primeiro-ministro" –
entre aspas, não precisa de parlamentarismo para isso. O Itamar (Franco,
ex-presidente) conseguiu: o Fernando Henrique (Cardoso) foi o
primeiro-ministro. Isso seria o ideal.
Mas não vejo na Dilma condições para isso. Tanto que nós, um
grupo de senadores, fomos até ela em agosto, levamos um documento, propusemos
isso, dissemos que estávamos dispostos a apoiá-la. Ela ouviu com seriedade,
carinho, nos dedicou muito tempo, mas não aconteceu nada. Perdeu a chance.
BBC Brasil - Na sua visão, por que o governo chegou a esse
ponto? Quem tem mais culpa Dilma ou o PT?
Cristovam Buarque - Acho que a grande culpa é do PT. O PT se
auto assassinou. Há uma diferença entre auto assassinato e suicídio: suicídio é
um gesto consciente, em que existe até uma dignidade; o auto assassinato nem é
consciente nem carrega dignidade.
O PT se auto assassinou por recusar o mérito nos seus
dirigentes: nomeava ministro, vice-ministro, subministro, diretores apenas por
interesses imediatistas, corporativos. Se auto assassinou por não pensar o
médio e longo prazo do Brasil, por ficar prisioneiro da próxima eleição, por
abrir mão das reformas necessárias que poderia ter feito, sobretudo com a
grande liderança que era Lula.
Agora, a Dilma colaborou. Ela poderia ter se
"independizado" do PT, mas continuou dependente dele, e com isso
destruiu seu governo.
Cristovam Buarque em 2003, quando era ministro da Educação do primeiro governo Lula. |
BBC Brasil - Como vê o papel do seu partido, o PDT, na base
aliada?
Cristovam Buarque - O PDT, como partido, não existe: é uma
associação, um clube de militantes sob o comando absoluto do Carlos Lupi.
Em 2007, ele assumiu o Ministério do Trabalho. De lá para
cá, continua sempre junto ao governo em troca de ministério e isso destruiu o
PDT como partido, fez dele o que o Pedro Taques (ex-senador e atual governador
do Mato Grosso) chamava de "puxadinho do PT".
E a situação é essa, ao ponto de hoje ele ter colocado um
candidato a presidente escolhido pelo Lula, o Ciro Gomes, cujo papel é
preencher o vazio que haverá se o PT e o Lula não se recuperarem do impacto.
BBC Brasil - Do impacto da Operação Lava Jato?
Cristovam Buarque - Da Lava Jato e do fracasso do governo
Dilma. E é um erro achar que esse fracasso decorre da Lava Jato. Do ponto de
vista ético, sim, mas também dos erros que ela cometeu na condução do governo.
Se fosse a Lava Jato sem inflação, com a economia crescendo,
seria diferente: apenas o PT carregaria o problema. Mas temos recessão,
inflação, infraestrutura desorganizada, crise de gestão. O problema é a soma
com a crise socioeconômica.
E o PDT optou equivocadamente, e digo isso desde 2007, em
vez de ser uma alternativa para o Brasil, por ser coadjuvante de um partido e
de um governo em fase terminal.
BBC Brasil - O que o manteve no PDT até hoje, então?
Cristovam Buarque - Primeiro porque sair de um partido é
algo muito dolorido, complicado. E você sempre fica acreditando que ele pode mudar.
E segundo, porque essa é uma crise geral dos partidos.
PDT pode lançar Ciro Gomes à Presidência como "estratégia" de Lula, afirma senador. |
BBC Brasil - É como se não houvesse para onde ir?
Cristovam Buarque - É isso. Não é só o PDT. O PDT perdeu a
vergonha, mas os outros não demonstram ainda o vigor transformador.
Creio que um partido precisa de duas coisas: vergonha, do
ponto de vista ético, e vigor transformador, do ponto de vista político. A
gente sente que muitos têm vergonha na cara, mas fica se perguntando se têm
esse vigor.
Além disso, é importante dizer com clareza: há três anos o
Carlos Lupi diz que vai sair do governo no mês seguinte. Reunia a nós senadores
e dizia: "no próximo mês nós estamos fora do governo".
Passava o mês,
a gente esperava, ele nos reunia e dizia a mesma coisa. Não vou negar que
cometi o erro de ficar esperando por esse mês seguinte.
BBC Brasil - A imprensa dá como certo que o senhor vai para
o PPS, que o convite já foi feito.
Cristovam Buarque - O convite foi realizado pelo meu velho
amigo Roberto Freire, que é meu companheiro desde a política estudantil em
Pernambuco, ainda nos anos 60. Mas não vou tomar essa decisão em um período de
recesso, antes de conversar com meus colegas do PDT do Distrito Federal e ouvir
diferentes forças ligadas a mim. Mas houve o convite, e eu não disse não.
BBC Brasil - O senhor foi procurado por outros partidos?
Cristovam Buarque - Outros partidos me procuraram, mas a
sintonia com o PPS é maior.
Roberto Freire, presidente do PPS, convidou Cristovam a migrar para seu partido |
BBC Brasil - Está em seus planos o senhor se candidatar à
Presidência em 2018?
Cristovam Buarque - Quando conversei com o Roberto Freire,
ele falou nisso. Mas deixei claro: não vou para o PPS exigindo ser candidato à
Presidência, e nem com o compromisso de ser candidato se o PPS quiser. Não será
por essa razão (a eventual mudança).
Até porque... Eu disse a ele que, na idade da gente, antes
de tomar uma decisão tão ousada como ser candidato a presidente, precisamos
pensar se já não é hora de começar a pensar mais na memória do que já fez do
que na aventura do que vai fazer.
BBC Brasil - O senhor tem um histórico ligado aos chamados
partidos de esquerda. Indo para o PPS, migraria para uma sigla que, para
muitos, está mais à direita e é criticada como uma espécie de satélite do PSDB.
Seus eleitores não estranhariam esse movimento?
Cristovam Buarque - Diferencio a palavra partido da palavra
sigla. Não mudo de partido. Já mudei de sigla: era PT, virei PDT, mas sem mudar
de partido. Se sair do PDT, e for para outra sigla, não mudarei de partido. Meu
partido é de que a gente precisa transformar a sociedade brasileira, e isso
exige uma revolução. E o elemento fundamental dessa revolução é garantir escola
de qualidade para todos, por o filho do trabalhador na mesma escola do filho do
patrão, entre outros aspectos.
Agora, a sigla PPS vem do Partido Comunista. Você pode dizer
que o Roberto Freire esteve ao lado de gente do PSDB, mas você não pode dizer
que ele e os militantes do PPS são conservadores e de direita.
Continuo dividindo a política entre direita e esquerda. Mas
não divido por sigla, e sim por compromissos. Para mim, compactuar com
corrupção é coisa de direitista. Mesmo que seja do PT, do PC do B.
Senador afirma que é errado culpar Operação Lava Jato por fracasso do governo Dilma |
BBC Brasil - O PT vai sobreviver a essa crise?
Cristovam Buarque - Veja bem, sobreviver, vai. Mas vai
sobreviver cambaleante. E a pergunta para a qual eu gostaria de ter uma
resposta é sobre o que virá depois desse período em que o PT vai cambalear.
Vai cambalear para o lado dos corruptos, dos acomodados
socialmente? Ou vai cambalear para o lado dos éticos e dos revolucionários?
Isso não dá para saber.
BBC Brasil - A Câmara e o Senado são comandadas por
parlamentares implicados na Lava Jato. Como isso influencia o funcionamento do
Congresso neste ano?
Cristovam Buarque - Se continuar nesse ritmo, o impeachment
será um tema para todos, não só para a Dilma. E poderá vir, sim, o povo na rua
pedindo eleição geral, para todos os cargos. Porque não é só a Dilma que está
sob suspeição. Todos nós, que temos mandato, estamos.
Há os "Cunhas" da vida, os outros, mas também os
que não aparecem. Somos hoje um Parlamento sob suspeição, e nenhum de nós,
portanto estou no meio, está fora da suspeição, da dúvida, do questionamento da
população.
Temo que, se não formos capazes de cassar logo os corruptos
conhecidos, vamos cair num processo de reação tão forte da população que
teremos de fazer uma eleição geral para todos.
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