Por Luiz Eduardo Costa.
Colaborador especial do Blog do Facó em Aracaju-Sergipe
Antes e Depois
Quem, há mais de 40 anos esteve às margens daquele rio, e comparou as suas águas àquelas de um outro, que ainda era portentoso, poderia até, ter-se deixado levar pelo sentimento de ufanismo em relação ao país gigante, das florestas enormes, dos rios imensos, sempre porém, com a ressalva sobre o desleixo que estaria embutido na frase do nosso edulcorado Hino: “Deitado eternamente em berço esplendido, ao som do mar e à luz do céu profundo”.
Pois é, parece que o fatalismo do ¨berço esplêndido ¨ que sugere indolência, nos teria contaminado. Nele dormimos todos, e dormimos tanto que acordamos, finalmente, para viver um real pesadelo. As florestas, que pareciam infindáveis, foram exterminadas, os rios secam, o calor aumenta, a seca castiga. O berço esplêndido vai se transformando numa torturante cama de faquir.
O que se fez no sul baiano é o mais incorreto exemplo do que não pode ser feito, mas continua, e por todo o país, ou melhor, no que resta das florestas, e o que resta, é, exatamente, o nosso maior patrimônio: a floresta amazônica. Os efeitos da devastação não demoram a surgir, são quase imediatos. Grande parte do outrora úmido e pluvioso extremo sul da Bahia começa a ser desertificado, e as chuvas rareiam. Em Eunápolis, um florescente polo econômico, em Teixeira de Freitas, regiões onde variadas culturas, entre elas o café, foram substituindo o capim, os mais velhos recordam da década dos setenta, quando os enormes toros de variadas espécies, entre elas o cedro, o jatobá, o jequitibá, começaram a ser transportados em grandes carretas, e o boi foi ocupando os pastos, na exagerada empreitada com farto financiamento oficial, patrocinado pelo governo autoritário. Desde então, dizem os memorialistas da tragédia, houve progresso, mas à custa do clima que era ameno e vai se tornando hostil.
Mais ao sul, no espaço muito antes devastado do Espírito Santo, está a cena que é a imagem catastrófica final de tantos crimes ambientais ao longo do tempo tolerados . O último e pior deles, é o resultado da mais calamitosa e criminosa imprevidência. Deixaram que fossem acumulados nas elevações da Serra do Espinhaço ,que é um divisor de águas, um volume gigantesco de lama envenenada.
Quatro meses depois do rompimento das barragens em Mariana, (MG) já próximo à foz, em Linhares, cruzando a ponte sobre o Rio Doce, quem por ali passou há tantos anos, admirando-se com a vastidão das águas claras entre as margens verdes, diante da cena calamitosa, tem uma incontida expressão de revolta, traduzida no impropério: ¨O que fizeram esses filhos da puta com o Rio Doce¨?
Escorrendo sob a ponte e até onde alcança a vista há uma enorme massa de lama com horroroso aspecto. É barro misturado ao óxido de ferro, gerando uma tonalidade ocre escurecida, que parece espalhar-se por toda a paisagem, pelos mangues, onde a vida sumiu. A lama que a Vale espalhou é tóxica, contamina, mata, é o produto letal de uma empresa imprevidente. E criminosa.
No esmaecer da tarde, a luz tênue do sol reflete-se sobre o lamaçal, e parece tingir todo o espaço, envolvendo a hoje triste cidade de Linhares. É o manto trágico de morbidez da natureza destruída. Por muito tempo, ainda, esse será o teatro fantasmagórico do que antes foi o Rio Doce; de toda a paisagem capixaba na área imensa onde espalhou -se o desastre.
Diz, desesperançado um pescador, preparando-se, aos 63 anos, para uma viagem ainda sem destino: “O rio está morto, acabaram-se os peixes, acabou-se a vida. A Vale matou tudo, a Vale matou a natureza.”
O poeta florentino, homem do medievo, nem suspeitaria que um seu semelhante, moderno, no século vinte e um, viesse a elaborar cenários de inferno reais, muito mais ‘dantescos’ do que tudo por ele criativamente imaginado para caracterizar o buraco tenebroso de Lúcifer.
A TRAGÉDIA E OS
SEUS CAUSADORES
Na origem da tragédia ambiental, seguramente a mais grave já ocorrida no Brasil, está a ânsia de apresentar-se aos olhos do mundo de um ex- marxista regenerado, um intelectual que, ao ser eleito presidente, esquecera os seus escritos, e pleiteava uma medalha de estadista, integrado ao mundo pós- Muro de Berlim , querendo um lugar entre os festejados neoliberais.
Pode parecer absurdo, decorridos tantos anos, apontar-se agora, como um dos responsáveis pelo desastre tão recente, um ex-presidente que governou o país por oito anos, e disso já nos separa a distancia dos dois mandatos de Lula, um de Dilma, e este que apenas completou o primeiro ano, tão repleto de tormentas e maus presságios.
Seria oportuno aqui lembrar que Fernando Henrique foi eleito para cumprir 4 anos de mandato, quando não havia reeleição, e ele, com a plena cumplicidade daqueles que deveriam ser atentos aos improvisos constitucionais, fez aprovar no Congresso a reeleição. Na época a reeleição extraída eficientemente a fórceps, de cada parlamentar, teve custo comparável ao do mensalão, que ocorreria no futuro. Houvesse, naquele tempo, uma Operação Lava a Jato com o mesmo ímpeto investigatório da atual, se teria identificado um amplo arsenal de propinas, pagas exatamente pelas mesmas empresas, todas, hoje, com os seus executivos na cadeia. Essas empresas foram beneficiárias diretas de muitas privatizações, e a compra de um novo mandato foi apenas mais um ‘investimento’.
O processo de privatização da era FHC foi positivo em diversos casos , mas, caracterizou-se pelo cálculo metodicamente feito sobre os benefícios patrimoniais que adviriam para uma boa parte dos que o executaram, entre eles, os economistas que se transformaram em felizes financistas, banqueiros, ou em donos de fundos de investimentos, e o mais feliz deles, o espertíssimo engenheiro Zilberstejn, então, genro do presidente.
A Vale do Rio Doce que na época era a quarta maior mineradora do mundo foi privatizada a um preço que, por si só, já despertaria gravíssimas suspeitas. Mas na época a voz dos que discordavam não ganhou espaço nos meios de comunicação, porque os interesses se imbricaram, e ninguém levantou a tese burra e inoportuna de que era preciso fazer o controle social da mídia. Assim, FHC e os seus coadjutores, tranquilamente, doaram a Vale aos seus atuais controladores.
A Vale privatizada, nascida em berço promíscuo, não iria transformar-se em exemplo de bons procedimentos, principalmente, se relacionados à responsabilidade social ou ambiental. Mas isso foi no reinado de FHC, depois, vieram Lula, Dilma, e a Vale continuou, tão irresponsável, tão antibrasileira, características que assumiu desde a privatização. Daí para o desastre de Mariana foi apenas uma consequência.
A Vale, da qual a União detém 49 % das ações, não deveria continuar sob o controle do grupo que a adquiriu. Depois do gigantesco crime cometido, seus executivos deveriam estar na cadeia, e a mineradora sob intervenção, para que fossem preservados os interesses dos seus trabalhadores , e para garantir a sobrevivência da empresa, que é estratégica para o país. Depois, se pensaria no que fazer com a mineradora.
É obvio que essas ações envolveriam o enfrentamento com grandes obstáculos; haveria a judicialização, exatamente tudo aquilo que não tem condições de fazer um governo fraco, incompetente e trôpego como o da presidente Dilma .
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