História: Bahia/Salvador
Texto da
professora Ludmila Pena Fuzzi
Extraído
do Blog História da Morte
Figura Simulação da Revolta da
Cemiterada na Bahia
Foi no
século IV que surgiu o costume de se enterrar as pessoas nas igrejas ou em
volta delas. Os historiadores da morte, como Maranhão, afirmam que essa prática
coincidiu com o fortalecimento do cristianismo, cuja mensagem religiosa incutiu
nos católicos, não só a aceitação da ideia de que a alma precisava ser salva do
inferno, mas também a de que determinados procedimentos poderiam atenuar os
pecados cometidos pelos fiéis, assegurando-lhes a felicidade eterna. Por isso
mesmo, ao longo de sua existência os homens e mulheres daquela época se preparavam
para a morte, não só observando criteriosamente determinados preceitos, mas
também fazendo parte de alguma agremiação religiosa, como irmandades,
confrarias ou ordens terceiras, que eram as maiores responsáveis pela
organização dos enterros. Suas ações garantiam que os despojos permaneceriam
junto a um local sagrado, no caso a igreja, e as pessoas, assim, tinham certeza
de que seus espíritos se manteriam sempre próximos a Deus. Essa cultura fúnebre
chegou ao Brasil com os portugueses, e prevaleceu absoluta até início do século
XIX.
É simples e natural fé portuguesa transplantada para cá, que irá
acrescendo com os sincretismos das raças ameríndia e africana, aculturando-se
com os brancos cristãos. Essa fé lusitana prima pelo seu religiosismo exteriorista,
que irá ser mais acentuado aqui. A uma gente criança, na fase inicial de sua
formação étnica, que ainda não passa de simples adição humana de ibéricos mais
ou menos primários a negros de senzala e mais bugres da mata virgem, vai ser
difícil – e em Portugal já o era! – entender uma complexa religião de dogmas e
princípios morais complexas como a Igreja Católica. Ou melhor, vai ser mais
difícil para o cérebro e mais fácil para os sentidos. (CARRATO, 1968:29).
Em 1801, o então Príncipe Regente de Portugal, D. João, determinou, por
meio de Ordem Régia, que os cemitérios fossem construídos em terrenos fora das
áreas urbanas. No entanto, essa imposição não foi obedecida, nem na metrópole,
nem na colônia. Esse mesmo procedimento visando ao afastamento dos mortos para
longe das cidades já vinha sendo tentado na Europa desde final do século XVII,
mas também sem sucesso. Vinte e sete anos depois, em 1º de outubro de 1828, o
Governo Imperial brasileiro decidiu aplicar no país a determinação da regência
portuguesa, delegando às câmaras municipais o poder de construir e administrar
cemitérios públicos, e também o de escolher as áreas exclusivamente reservadas
ao sepultamento dos mortos, independentemente da jurisdição das igrejas. A primeira a fazê-lo foi a de Salvador, na
Bahia, que, por meio de lei municipal, concedeu o monopólio dos enterros a uma
companhia particular. A população, no entanto, revoltou-se com essa
decisão, pois entendeu que a aplicação da medida, além de contrariar sua crença
e interesses pessoais, também beneficiaria os empresários, em prejuízo das
agremiações religiosas, provocando-lhes a ruína.
Segundo REIS (1991), no dia 25 de outubro de 1836 uma multidão formada por muitas pessoas saiu em passeata do centro da cidade em direção ao campo santo, levando consigo “machados, alavancas e outros ferros”. Eles eram adeptos das irmandades religiosas e simpatizantes de sua causa, e, aos gritos de “morra o cemitério”, deixaram-se dominar por fúria incontrolada. Derrubaram a maior parte do muro dianteiro do cemitério recém-inaugurado, demoliram quase toda a capela ali construída e destruíram tudo mais que encontraram pela frente.
Do terreiro, os manifestantes seguiram para a praça do Palácio (hoje praça Tomé de Sousa ou Municipal), uma caminhada de muitos minutos. Ali estavam localizados a Câmara Municipal, em cujo subsolo ficava a prisão da cidade, e o acanhado palácio do governo provincial. A praça era o centro político da cidade [...] Em frente ao palácio muitos discursos foram feitos contra a empresa, e o manifesto de 280 assinaturas, encabeçadas pela do poderoso visconde de Pirajá, além de várias petições de irmandades foram entregues ao presidente da província. (REIS, 1991:13/14)
Cemiterada
em Salvador
A ocorrência de Salvador repercutiu intensamente em outras províncias,
principalmente nas do Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo, onde ocorreram
movimentos semelhantes, porém de menor intensidade. O resultado do
inconformismo popular foi que a reforma cemiterial decretada pelo imperador
acabou perdendo o impulso inicial, desacelerou-se, até cair no esquecimento das
autoridades por um longo tempo. Considerando-se o histórico apresentando por
esse fato, observa-se que teve início a preocupação em afastar os mortos do
cotidiano dos vivos.
Bibliografia
CARRATO
REIS, João José. A Morte é uma Festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. , José Ferreira. Igreja, iluminismo e escolas mineiras coloniais. São Paulo: Nacional, 1968.
REIS, João José. A Morte é uma Festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. , José Ferreira. Igreja, iluminismo e escolas mineiras coloniais. São Paulo: Nacional, 1968.
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