sexta-feira, 4 de março de 2016

BULIMIA E ANOREXIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Literatura: artigo



Publicado por Marcelo Ribeiro
“Estamos no mundo nos constituindo com ele e nesse processo esperamos ser mais, ser tão, ser humano inspirado na intensa vida que lateja nos sertões.”


O volume de informações, comunicações estabelecidas e conteúdos que trafegam, sejam nas mídias digitais ou convencionais, empanturra a pessoa e gera uma espécie de constipação intelectual e comunicacional. Os efeitos desse transtorno equivale ao seus homólogos, que são a bulimia e a anorexia da informação e comunicação. Do excesso de tudo isso a pessoa põe para fora sem nada absorver ou simplesmente evita o contato, seja em relação a possibilidade da informação propiciar conhecimento ou da comunicação ceder lugar ao diálogo.





Vinte minutos depois de ter apagado minhas mensagens no WhatsApp, havia 256 novas postagens. Impossível acompanhar o frenesi das informações que circulam por aí. Esse nervosismo vem acompanhado por uma instantaneidade das coisas, bem na perspectiva abordada pelo Bauman, quando fala que vivemos uma vida da ‘descartabilidade’ e que o nosso mundo é líquido, porque tudo se desfaz e escapa, quando tão logo aparece.

Em relação às mensagens via e-mail há a possibilidade de uma filtragem antes de abrir uma por uma, mas mesmo assim, até o ato de filtrar já absorve a pessoa ao ponto de cansá-la. Essas estratégias não parecem ser suficientes frente a necessidade de descartar tantas coisas.

Não há dúvidas de que o mundo, cada vez mais tecnológico, convergiu comunicação e informação, possibilitando uma interconexão monstruosa entre os seres humanos e uma explosão de conteúdos circulando, mas isso, entretanto, garante conhecimento?

Antes, porém, de discorrer sobre o dilema do excesso que gera carência, é importante margear o sentido de informação, comunicação, conteúdo e de mídias digitais aqui abordados. O primeiro (informação), diz respeito às narrativas humanas, aos acontecimentos triviais ou extraordinários da vida; o segundo (comunicação), tem a ver com a interação das pessoas via o dito, corresponde a possibilidade de dizer algo a alguém; o conteúdo aqui entendido como os elementos que vão compor as informações e a própria "argamassa" da comunicação. Por fim, mídias digitais, alude-se ao sentido dado por Pierre Levy, que guarda a possibilidade de desdobramentos e interconexão entre as formas que as informações são disponibilizadas - seriam conjuntos de veículos e aparelhos de comunicação baseados em meios digitais.

Voltando as constatações do excesso/carência, e para não ficar preso às informações que circulam nas mídias digitais, existem as pilhas de livros e textos que se acumulam na minha lista de leituras a fazer. Esse excesso crescente de conteúdos chega ao ponto de dar um fastio, mesmo quando flerto gostosamente uma prateleira de livros em uma revistaria ou livraria.

Até mesmo agências de comunicação, sejam elas comerciais ou de instituições públicas, incidem nesse passo apressado, contínuo, ininterrupto e poluidor de disseminar informações. Já ouvi um colega, de uma instituição pública de ensino superior, que não aguenta mais os boletins e notas informativas de alguns setores, que eram veiculados pelo e-mail institucional toda a semana. Esse colega dizia que, ao bater o olho no remetente da mensagem, apagava a mesma de imediato.
O volume de informações, comunicações estabelecidas e conteúdos que trafegam, sejam nas mídias digitais ou convencionais, empanturra a pessoa e gera uma espécie de constipação intelectual e comunicacional. Os efeitos desse transtorno equivale ao seus homólogos, que são a bulimia e a anorexia da informação e comunicação. Do excesso de tudo isso a pessoa põe para fora sem nada absorver ou simplesmente evita o contato, seja em relação a possibilidade da informação propiciar conhecimento ou da comunicação ceder lugar ao diálogo.

O lixo que geramos com o que descartarmos da um ar de fartura, assim como a falsa comida de informações que engolimos nos faz sentir, temporariamente, saciados, mas não alimentados do ponto de vista do conhecimento. É essa obsolescência programada, portanto, do que é feito para não durar, que mereceria uma inversão do tipo: "o que é bom dura muito". Talvez isso nos ajudasse a sair dessa perda de memória, tal como anunciada por Umberto Eco ao apontar o excesso de informação como causa da falta de memória, ou como eu chamo, do "Mal Alzheimer Coletivo".

Na história humana nunca houve tamanha fecundidade de conteúdos e circularidade de informações como há na contemporaneidade. Entretanto, isto não significa que tais proficuidades elevem o humano a patamares de conhecimento e comunicação. Possivelmente, esse excesso conduza a pessoa ao trancamento, ao abuso e ao fastio provocado pelo avalanche de coisas a serem consumidas. Dessa possível observação apreende-se não só o aspecto quantitativo, volumoso e parrudo de conteúdos e informações, mas também seu aspecto qualitativo. Sobre isso, quando passeio entre os vários canais de telejornais, sejam em Tvs fechadas ou abertas, há uma repetitiva e entediante reedições de notícias. Tudo se repete, por vezes com mais ou menos qualidade, mas sempre os mesmos assuntos abordados, como se a onda do momento não pudesse escapar a ninguém. E o marcante é que, via de regra, esses repetitivos programas telejornalísticos se consomem na superficialidade das próprias informações. Seria algo como conteúdos rasos e fáceis de serem digeridos pela grande massa, os mesmos conteúdos (em sua grande maioria), não importa em que canal, como pratos de fast-food que possam ser encontrados em seu padrão universal, onde quer que a pessoa se encontre.

Walter Benjamin, ao abordar a questão da experiência, dizia que esta era fundamental para a boa cultura, pois a memória e o legado cultural estariam aí alicerçadas. Assim, portanto, não parecer haver, substancialmente, renovação da experiência, atualização crítica da cultura sem a verdadeira digestão das informações, das comunicações e das vivências. Nesse frenesi histérico e estéril há apenas um presente esvaziado, que, para o sociólogo alemão Robert Kurz, em seu texto "A ignorância da sociedade do conhecimento", nada gera.

Ainda sobre esse aspecto qualitativo há outra coisa curiosa que é a não confiabilidade dos conteúdos que são disponibilizados. As chamadas correntes que circulam nas redes sociais podem tornar "lendas urbanas", pegadinhas e mesmo perversas informações em verdadeiros tratados científicos. No balaio de gato dos códigos, cifras, letras, dígitos e sinais, o que é verdade e o que não é? O que tem procedência e o que não tem? Em que acreditar? Quem nunca recebeu uma mensagem via e-mail, facebook ou WhatsApp, com aparente credibilidade, cheia de argumentos demonstrativos, mas que na verdade não passava da chamada "corrente"?

Há tanta informação, tanto conteúdo e tantas conexões que é válido se questionar se essa demasia tem, realmente, proporcionado diálogos, trocas, apreensões, acesso das informações e assimilação dos conteúdos. Será que as pessoas têm ficado mais informadas? Será que elas estão mais cultas? Será que, com a capacidade de conexões entre as pessoas há mais comunicação, naquele sentido do diálogo?

A poluição da informação e comunicação parece gerar o fenômeno do regurgitamento da informação, ou seja, as pessoas reproduzem o mais do mesmo para serem consumidas, mesmo que seja na impossibilidade de absorver tudo que se produz. Sobre isso também tive a oportunidade de presenciar uma situação onde os autores eram convidados a ler as produções dos seus colegas porque havia mais gente interessada em escrever alguma coisa do que ler.

Daí, abre-se ainda um outro dilema nesse mundo marcado, até bem pouco tempo atrás, pelo consumo voraz. Parece que agora o consumo e a produção se fundem de tal modo que todos, por exemplo, expelem fotos dos seus smartphones, mensagens de tudo quanto é de lugar... Todos produzem demasiadamente, mesmo que na verdade estejam reproduzindo, sendo este fenômeno a outra face do consumo. Então a proliferação de tanta reprodução parece ser movida pelo desejo de ser igual, de fazer o mesmo, de estar na onda, como uma maneira outra de consumir. É nessa dialética da infertilidade, pois não parece edificar a humanidade, o consumir para produzir é também o produzir para consumir.

Reconhecer a voracidade na nova roupagem de produzir (que esconde certamente a vontade louca de consumir) me dá um fastio, uma falta de apetite, um desabastecimento da vontade, por exemplo, de fotografar e também de escrever. Fico a me perguntar: mais um texto? Já não há tanta coisa? Também fico a me perguntar o que fazer diante disso tudo, que saídas transformadoras teria a humanidade para escapar desse transtorno? Seria partir para uma desobediência civil do "menos é mais"? Por enquanto, pelo menos no que cabe a mim, venho tentando ser mais seletivo e buscando o essencial. Até mesmo este texto foi questionado. Afinal, já há tanta coisa sobre o tema. Porém, a presente produção se deu por uma genuína força para criar, e não pelo impulso de repetir. Neste caso, escrevo quando a inspiração se faz interessar. Seria esta uma saída?




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