quarta-feira, 2 de março de 2016

O ALEGRE DESTINO DO FADO

Mundo: música popular portuguesa (MPP)




Publicado por Elsa Afonso
“Entusiasta das palavras, das ideias e das escolhas.” 


O Fado não morreu quando era novo. É a música que teima em reinventar-se. Os infortúnios geracionais são outros, por ventura, não muito distantes. Continuamos sim a deitar-nos cheios de penas. E cheios de penas nos levantamos. O Fado não morreu com a Maria Severa, nem com o Marceneiro. Tão pouco morreu com a Amália e não há de morrer conosco.





O cenário é agora habitual. Há um grupo de amigos na casa dos vinte que se senta no café, e um deles, entusiasmado, ergue o seu smart phone, para dar a conhecer aos amigos a nova música daquela jovem fadista que enche salas país acima e mundo fora. É uma nova geração que testemunha o Fado que se reinventa. O chamado “novo Fado”.

Éramos crianças quando Amália Rodrigues morreu. O Fado era bonito. Uma relíquia. Mas era coisa de gente do passado. Assim como a banda-sonora de histórias que já lá vão. Continuávamos a escutar aquelas vozes quentes na TV, ou de vez em quando nas velhas cassetes, ao lado dos nossos pais e a cantarolar as letras com afinco. Cantavam-se os mais famosos poemas para alegrar os parentes mais velhos. Assim se consumia o Fado, como almoço que só se come ao domingo, ou doces que só saem do armário quando temos visitas em casa. Tudo mais era para turista ver.

No início do século XXI, apareceram novos fadistas, e com eles uma nova aproximação do Fado, uma viragem tão semelhante como aquela de há um século atrás, quando os intérpretes e músicos de então, saíram das casas de Fado de Lisboa, e levaram este estilo musical – até então confinado aos bairros boémios da capital - para os palcos, as rádios e o cinema. Assim fizeram do Fado a canção nacional. Hoje é uma marca de Portugal.

O Fado que se começou a globalizar com Amália Rodrigues - já então chamado “Fado moderno”-, foi elevado a patrimônio cultural imaterial da Humanidade pela UNESCO em 2011, coincidindo no espaço temporal com a afirmação do “novo Fado”.

São intérpretes como Mariza, Cristina Branco, Ana Moura, Mísia, Kátia Guerreiro, entre outros, que emprestam o rosto ao “novo Fado”. Também outros projetos musicais de sucesso em Portugal, numa vertente já menos tradicional lhe foram buscar inspiração, como os grupos Deolinda e A Naifa.
O público voltou a sair à rua e a comprar bilhetes para ir ouvir Fado cantado ao vivo. Já não são só os turistas a ouvi-lo nas casas típicas de Lisboa. Pois agora o Fado já não é só de Lisboa, embora tenha ali o seu berço e lar. E mais uma vez, um século depois, a História se repete. Um país inteiro, e o mundo, voltam a apaixonar-se.
Surgem então ainda mais revelações como Gisela João, Carminho, Marco Rodrigues e Cuca Roseta, que são apenas alguns nomes de uma extensa lista de artistas que dão agora voz a velhas e novas canções. E juntam-se a eles novos projetos, um pouco por todo o país, que de uma forma mais ou menos tradicional, invocam o Fado, alguns até cruzando-o com géneros musicais de outros países, como é o caso do flamenco e do tango.

Em 2010, num dos maiores festivais de rock do país, Ana Moura cantou a famosa canção “Vou dar de beber à dor” acompanhada por Prince na guitarra, para uma audiência que é esta nova geração que ouve e reconhece o Fado. A geração que já não observa o Fado do lado de fora de uma moldura, mas que se funde na sua envolvência.

Um espetáculo de fado é muito cerimonial, sem contudo ter cerimónias. Vem tanto da emoção do público como da emoção do intérprete. No fundo, o fadista que ali está empoleirado à nossa frente na “casa de fado” é tão somente o porta-voz das emoções de toda uma sala.

Hoje há mais que um património. Há uma marca registada, pronta para a fusão, como qualquer corrente cultural, e para a difusão, como um monumento que se pode transportar para todo o lado. E enquanto houver gente num ou outro canto do mundo que se reúne para chorar, rir e cantar o destino, então certamente haverá destino para o Fado.


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