Literatura: psiquiatria (arte
cinematográfica)
Por Ligia Santos
Estudante de
psicologia, ama escrever e adora boas rimas. Gosta de passar o tempo ouvindo
boas composições musicais capazes de tocar a alma e se diverte assistindo
seriados, filmes e programas de culinária. Gosta de observar e ouvir boas
histórias. Tem fé em Deus, na vida, nas pessoas e no futuro.
O filme Nise - O Coração da
Loucura, dirigido por Roberto Berliner, conta um pouco da trajetória
profissional desta mulher que revolucionou a forma de tratar pessoas com
sintomas psicóticos. Com uma coragem digna de respeito e uma fé no ser humano,
Nise Silveira promoveu a cura pela arte.
Em 1944, a psiquiatra alagoana Nise da
Silveira retoma seus trabalhos no Rio, no bairro do Engenho de Dentro, no
Centro Psiquiátrico Pedro II, após um período acusada de ter ligações com o
comunismo e de prisão. Logo na primeira cena do filme, Nise mostra a que veio,
ao insistir e bater fortemente no portão do hospital até ser finalmente
atendida, manifestando assim uma teimosia muito benéfica. Ela já no início
demonstra esse aspecto próprio de ser uma mulher determinada e forte. Em uma
das cenas seguintes, a psiquiatra se dirige ao local onde os médicos explicam
sobre o tratamento de eletrochoque e lobotomia que era realizado, o que deixa
Nise perplexa ao perceber tamanha falta de humanidade nesses procedimentos. Ela
levanta questionamentos, mas sua posição era vista como inferior em relação
àqueles homens que realmente acreditavam ter encontrado a solução para os
psicóticos. Desta forma, o diretor da instituição vendo que a psiquiatra não se
submeteria a adoção daqueles métodos, decide encaminhá-la para o menosprezado
setor da terapia ocupacional.
E ela ao chegar e ver o abandono daquele
lugar começa com uma grande limpeza do espaço, dignificando assim o ambiente
para seus pacientes, na verdade, eles eram seus clientes, como em uma das cenas
ela mesma explica e repreende o enfermeiro Lima:
“Pacientes não! Nós que
devemos ser pacientes com eles, pois estamos a serviço deles. Eles são nossos
clientes!”
A doutora se mostrou mais uma vez muito
humanista, ao fato de que não olhou somente para aqueles doentes enxergando-os
como seres humanos, mas também, ao tratá-los de uma forma respeitosa, visando
realmente o bem e a preservação da saúde de cada um deles. Em dado momento, ela
declara que sua ferramenta de trabalho era o pincel e não o picador de gelo, se
referindo assim, simbolicamente ao modo de tratamento agressivo que os médicos
utilizavam com os esquizofrênicos.
Nise era ousada e incisiva, ela promoveu
grandes transformações naquele hospital do Engenho de Dentro, inserindo a
pintura e a escultura. Através disso, aquelas pessoas tiveram a chance de
expressão, interessante observar que verdadeiras obras eram produzidas e todas
contavam de um modo peculiar a história do inconsciente de cada um. O
personagem Lúcio, por exemplo, que demonstrava muita agressividade desde o
início da trama, ao se deparar com a argila, conseguiu realizar produções
artísticas fantásticas, ele pôde externalizar e concretizar muitas coisas no
ato da construção de cada imagem. As mudanças eram reais e satisfatórias, os
ditos loucos já tinham espaço para a criação e consequente transformação, porém
os médicos não conseguiam ver, e mais do que isso, não admitiam que uma mulher
através do uso da arte alcançava feitos eficientes, além de ser uma doutora
competente. Entretanto, Nise continuava certa de que seu trabalho era
construtivo e importante para muitas pessoas.
O filme também mostra os animais e sua função
terapêutica, os cachorros conviveram com os clientes de Nise, e assim, eles começaram
a demonstrar carinho e cuidado com os bichinhos. Como também os gatos da
psiquiatra, que sempre estavam por perto. Uma das cenas mais marcantes e
tristes os animais são os protagonistas, este que é justamente o momento em que
os cães são brutalmente assassinados, ocasionando assim, grande tormento e
sofrimento a todos.
A doutora Nise se comunicava por cartas com
Jung, que ficou admirado com o trabalho realizado pela psiquiatra alagoana, ela
também se tornou, tempos depois, referência para a psicologia analítica no
Brasil. Toda a produção de mandalas foi matéria-prima para o reconhecimento de
Jung sobre a relação entre inconsciente e vida simbólica.
Assim, o filme Nise – O Coração da Loucura
leva os espectadores ao riso e ao pranto, a raiva e a emoção com uma facilidade
extrema, mas sem perder a sensibilidade e a profundidade, pois conta como um
olhar humanizado e atitudes de pessoas com coragem possuem o poder de
transformar vidas. Nise foi uma mulher visionária e realista, pois foi capaz de
ser agente de mudanças, além de demonstrar sua firmeza como médica psiquiatra
humanista. Um filme para todos os sãos de corações loucos, que sentem com ânimo
e que colocam fé na cura de todo e qualquer ser humano.
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