Literatura: a
importância do café na economia brasileira
Por Márcio
Ferreira
“... Depois
da graduação em economia, encontrou no mestrado em Desenvolvimento Econômico,
na área de História Econômica, a possibilidade de seguir os estudos sobre a
Economia Política do Desenvolvimento Capitalista Brasileiro e, assim, chegar um
pouquinho mais perto das diversas jabuticabas que permeiam a nossa realidade...”
Ainda que não foquemos num
livro específico, este texto tenta mostrar, do ponto de vista econômico,
algumas das possíveis origens da fama do café no nosso convívio. Companheiro de
muitas pessoas nas escolas, nas ruas, nos campos, nas construções, no trabalho
e nas manhãs e tardes, o café é indispensável.
Encontrei recentemente um livro de Mario de
Andrade chamado "O Café" (ou simplesmente "Café", não me
recordo), cujo título indica a conexão mais direta entre a literatura e o nosso
companheiro. Alguém saberia de algum outro?
Mundial e historicamente
conhecido pelo seu café, o Brasil ainda é um produtor relevante e de referência
no mercado cafeeiro. Contudo, qual a origem dessa repercussão e qual sua
importância para a nação? Para essas duas perguntas procuramos indicar alguns caminhos
de respostas.
Se tomarmos o processo histórico a que passou
a economia brasileira, observaremos que a entrada do café data do começo do
século XVIII. A despeito disso, ganha notoriedade econômica para o governo e o
mundo apenas na segunda metade do XIX, por volta de 1860.
Assim como em todas as economias nacionais, a
brasileira fora submetida a ciclos econômicos: encerrados os ciclos do açúcar e
do ouro, iniciou-se o ciclo do café, que puxou a economia brasileira da metade
do século XIX até, ao menos, 1929, ano da Grande Depressão. Esse ciclo se não
impulsionou a nossa industrialização certamente centralizou ao seu redor as
pré-condições (como acumulação de capital, atividades comerciais internas mais
conectadas etc.) que esse processo de modernização econômica demanda. Afinal, é
preciso que se acumule capital para que se dê o salto rumo à industrialização.
Ao que parece portanto, a relevância do café não se restringe a um aspecto
cultural, como o nosso cafézinho de todo o dia: ela vai além, fazendo-se
presente inclusive na transformação de nossa economia agrária em uma economia
capitalista à medida que a expansão cafeeira está relacionada de alguma forma à
incipiente industrialização. Por exemplo, conforme se intensifica a expansão
cafeeira a renda interna da economia se eleva, potencializando, ainda que de
maneira tímida no início, um mercado interno de consumo a ser abastecido tanto
por importações quanto pela indústria interna de bens de consumo não-duráveis
(indústria têxtil, alimentos, etc.
A ideia de que a
expansão cafeeira relaciona-se à industrialização está em Sérgio Silva,
economista brasileiro e estudioso do processo de industrialização em nosso
país. Segundo o autor, as profundas transformações no setor cafeeiro observadas
a partir da segunda metade do século XIX sinalizam de alguma maneira que a
economia e a sociedade do país iniciaram seu processo rumo ao capitalismo.
Desse modo, tanto a expansão cafeeira quanto a industrialização seriam
"estágios da transição capitalista no Brasil". É nesse sentido que
afirmamos ser o café um marco no processo histórico brasileiro de formação da
economia nacional: ele está na origem e arraigado em nossa formação
capitalista, o que explica tanto sua importância econômica quanto sua
popularidade nos bares e cafés que cortam o país de norte a sul. Além de Silva,
outro economista percebeu a relevância da expansão cafeeira no desenvolvimento
capitalista brasileiro. Para Celso Furtado, um dos maiores economistas
brasileiros do século XX, "Dificilmente um observador que estudasse a
economia brasileira pela metade do século XIX chegaria a perceber a amplitude
das transformações que nela se operariam no correr do meio século que se
iniciava." É com essa frase que se inicia um dos capítulos de seu célebre
livro, Formação Econômica do Brasil, marco da História Econômica brasileira e
referência até hoje nas universidades e faculdades dos melhores cursos de
economia do país. Para o nosso propósito, o excerto do vigésimo capítulo
demonstra a preponderância do café na formação da economia brasileira à medida
que as transformações às quais o autor faz referência recaem sobre o setor
cafeeiro. Segundo Furtado, o Brasil até o momento não havia incorporado as
técnicas de produção originadas na Revolução Industrial, o que impedia
dinamizar a economia pelo mercado interno e, mais grave, empurrava naquele
momento histórico específico a atividade econômica para o comércio
internacional de mercadorias, aprofundando os laços comerciais entre as antigas
colônias e as velhas metrópoles.
Mas, com qual produto contaria o Brasil para
ingressar naquele comércio internacional? Para Furtado, o açúcar não
apresentava boas expectativas visto que a produção cubana saltara de 20 mil
toneladas no final do século XVIII para 300 mil na metade do XIX (cerca de 3
vezes mais que a economia brasileira). O algodão, por sua vez, encontrou na
economia dos Estados Unidos excelentes condições de produção, o que
intensificou a concorrência neste mercado a ponto da economia americana dominar
as exportações mundiais desse produto. O país precisaria portanto encontrar um
novo produto, que combinasse os fatores de produção em abundância em nossa
economia de maneira estratégica. Não dispondo de capital como fator de
produção, apenas terra e mão-de-obra, a economia encontra no café o seu
salvador da pátria. Além disso, com a Revolução Industrial a todo vapor, as
jornadas de trabalho sofreram alterações significativas, o que motivou a busca
por estimulantes para todos os envolvidos nas produções industriais. O café, naquele
momento histórico, cairia como uma luva. E o Brasil soube aproveitar o momento.
Os números apresentados por Furtado são
surpreendentes: "No primeiro decênio da independência o café já contribuía
com dezoito por cento do valor das exportações do Brasil, colocando-se em
terceiro lugar depois do açúcar e do algodão. E nos dois decênios seguintes já
passa para primeiro lugar, representando mais de quarenta por cento do valor
das exportações." Evidentemente, um aumento de participação só se explica com
aumento de produção e, neste ponto, voltamos às referidas mudanças às quais o
setor cafeeiro foi submetido e, como resposta, expandiu-se, dinamizando outras
atividades na economia, em especial a incipiente indústria produtora de bens de
consumo não-duráveis. Ademais, a expansão cafeeira viabiliza a acumulação de
capital na economia brasileira, satisfazendo em parte os pré-requisitos
necessários para o desenvolvimento propriamente industrial do país, observado
mais adiante, a partir de 1930.
Assim, podemos afirmar
que o café ganhou notoriedade comercial por uma imposição histórica durante o
século XIX e, a partir de então, não deixou de ser relevante em nossa pauta
exportadora. Além disso, por compor a base de acumulação de capital da economia
brasileira, pode-se dizer que o Grande Capital Cafeeiro é o percussor do
Capital Industrial nacional, o que explica sua importância à nação e à formação
econômica do Brasil. A popularidade, por sua vez, advém de alguns traços da
base sobre a qual apoiou-se esse capitalismo. Traços estes que transcenderam o
tempo e aparecem hoje, todos os dias, em nossas xícaras pelas manhãs.
Bibliografia:
- Furtado, Celso. Formação Econômica
do Brasil. 34a Edição. São Paulo: Cia das Letras, 2013. - Prado Jr.,
Caio. História Econômica do Brasil. 43a Edição. São Paulo:
Brasiliense, 2012. - Silva, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da
Indústria no Brasil. 5a Edição. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1981.
*artigo originalmente publicado na revista
"Café e Outras Delícias" (Março/2016).
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