Ciência/Tecnologia
Chris Baraniuk
Da BBC Future
Promessa
de uma visão de raio-X nunca caiu em desuso, mas até que ponto pode se tornar
realidade?
"Eu vi minha morte!", teria exclamado
Anna Bertha Rontgen após ver a primeira fotografia de raio-X já feita - uma
imagem dos ossos de sua mão. O marido de Anna, o medico alemão Wilhelm Rontgen,
descobriu os raios-X em 1895.
A notícia de que alguém havia encontrado um jeito de ver através da pele
e da carne humanas para observar o esqueleto por baixo, sem tocar a pessoa, foi
uma sensação internacional.
Logo imagens de raio-X revelando ossos e até a sombra de órgãos internos
estampavam jornais pelo mundo.
Não demorou para essa tecnologia
se incorporar à cultura popular. Os raios-X eram vistos como algo sexy e como
uma espécie de superpoder - uma ideia que se tornaria imortal nos quadrinhos do Super-Homem nos anos 1940.
A
descoberta dos raios-X em 1895 foi uma sensação internacional
Mas as pessoas sempre esperaram que esse recurso pudesse um dia estar
disponível para o público em geral. A tecnologia era imaginada como um tipo de
óculos de raio-X que pudesse ver através das paredes. Presente na ficção
científica, essa possibilidade pode agora estar próxima de virar realidade.
Nos meses e anos que se seguiram à descoberta de Rontgen, não faltaram
ideias sobre o que as pessoas poderiam fazer com os raios-X. Para citar um
exemplo, uma revista na cidade escocesa de Dundee informou em 1896 como o chefe
local de polícia estava refletindo sobre adaptar a tecnologia de raio-X para
"propósitos de investigação".
Um aparelho de raios-X portátil como um binóculo poderia ser usado,
segundo a revista, para espionar locais onde traficantes de bebidas alcoolicas,
proibidas à época, poderiam estar efetuando suas vendas.
"Havia muita ficção sobre raios-X naquela época", diz Keith
Williams, professor de Língua Inglesa na Universidade de Dundee. "Um
artigo sobre ondas elétricas acabava com o jornalista de ciência especulando
sobre a possibilidade de ver por entre paredes até os espaços mais privados das
pessoas."
Uma
exposição prometia aos visitantes a habilidade de 'ver através de uma placa de
metal' ou 'contar as moedas em sua bolsa'
Também havia demonstrações de raio-X mais espalhafatosas. Uma exposição
prometia aos visitantes a habilidade de "ver através de uma placa de
metal" ou "contar as moedas em sua bolsa".
Na verdade, contudo, experimentos iniciais com raios-X estavam limitados
a aplicações médicas e científicas. Pesquisadores se divertiam produzindo
imagens de esqueletos de animais ou aprimorando a técnica para criar imagens
mais nítidas.
O próprio Rontgen já havia feito experimentos com um tubo de Crookes -
instrumento científico que acelera elétrons em um feixe conhecido como raio
catódico. Uma pequena porção da energia desse processo é liberada na forma de
fótons, partículas elementares da luz.
No espectro eletromagnético, o comprimento das ondas de fótons define se
elas são, por exemplo, ondas de rádio ou, no caso do experimento de Rontgen,
raios-X. Uma tela fluorescente já tinha revelado que os raios de Rontgen
estavam atravessando alguns materiais, como músculos, mas não outros - como
ossos.
Anúncios
prometiam que quem usasse os óculos poderia ver através de roupas - o que,
claro, não era verdade
Embora os efeitos nocivos da exposição frequente a raios-X tenham sido
logo descobertos, a promessa de uma visão de raio-X nunca caiu em desuso.
Óculos de raio-X, um item comumente vendido com revistas e HQs, foram
patenteados em 1906. Os óculos não usam raios-X, claro, mas criam uma espécie
de visão dupla na qual a sobreposição de objetos sugere - de maneira pouco
convincente - que tais itens tenham tido a estrutura interna revelada.
Mas em 1998 a promessa dos óculos de raio-X teve uma virada tecnológica
inesperada. A Sony estava divulgando uma nova linha de câmeras com recursos de
visão noturna - uma função batizada como "NIGHTSHOT".
Alguns entusiastas disseram que, sob certas circunstâncias, era possível
ver por entre as roupas das pessoas. Houve até um boato sobre um recall que a
Sony teria feito para recolher alguns modelos diante da repercussão ruim - na
verdade a empresa fez apenas algumas mudanças no design dos equipamentos.
Mas os equipamentos de visão noturna continuaram sendo usados em
experimentos. Um YouTube publicou uma suposta demonstração de como uma câmera
da Sony de 2002 poderia ser modificada com fita adesiva e um filtro
infravermelho para alcançar o desejado "efeito raio-X".
Você pode ver através de
estruturas mas nada muito além dissoVince Houghton, Museu da Espionagem
O vídeo mostra como a capa de um livro - e até o sutiã da mulher do
autor do vídeo - podiam ser vistos através de sua camiseta preta. "Aí
está", ele diz, "visão de raio-X."
A visão noturna funciona detectando luz infravermelha, que humanos
normalmente não veem, e convertendo essa energia em ondas de luz visível.
Pode ser que os tecidos usados nesse exemplo revelem mais quando vistos
em infravermelho, sugere Alistair Brown, gerente de produto na empresa de
imagens térmicas e noturnas Thermoteknix. Isso poderia fazer com que parecessem
bem diferentes do que pelas ondas de luz visíveis captadas por nossos olhos,
afirma.
Vince Houghton, um ex-militar americano e historiador no Museu
Internacional da Espionagem, em Washington, usava visão noturna e imagens
térmicas com frequência no Exército. Mas ele diz que as "capacidades de
raio-X" desses equipamentos são bem limitadas.
"Você pode ver através de estruturas, mas nada muito além
disso", afirma. "Se você tem uma estrutura sólida, é muito difícil
ver através dela com infravermelho".
Mas isso não significa que não haja uma demanda por essa tecnologia.
Houghton cita como exemplo uma situação de tomada de reféns. "Se você
puder ver internamente quando finalmente decide por uma infiltração, você sabe
onde os bandidos estão."
Mas alguém já criou algo que possa fazer isso? A resposta,
surpreendentemente, é sim. Enquanto os raios-X continuam sendo algo com o que
apenas especialistas conseguem lidar, companhias militares experimentam há
muito tempo com eles. E tanto que a ideia levantada pelo xerife de Dundee do
século 19 finalmente se tornou realidade.
"Os primeiros experimentos foram essas grandes máquinas que não
eram úteis em termos de operações policiais ou militares", diz Houghton.
Mas hoje, policiais e militares têm a opção de comprar uma pistola de raio-X -
um aparelho portátil que pode ser usado para averiguar veículos, quartos,
bolsas e pacotes.
Uma tecnologia muito mais barata
e segura que oferece 'habilidades de óculos de raio-X' já está presente em sua
casa - o wi-fi
"Enquanto um operador foca no alvo, uma imagem aparece em tempo
real no tablet do sistema", diz a empresa American Science and Engineering
em seu site. Também há uma página onde é possível fazer uma demonstração
virtual da tecnologia.
Ainda assim, a pistola Mini Z não está disponível ao público em geral e
custa US$ 50 mil.
Há também preocupação com o risco de saúde pública decorrentes do uso
indiscriminado de aparelhos de raio-X. Também há críticas sobre invasão de
privacidade, já que alguns dispositivos conseguem ver através das roupas.
Diante dessas inquietações, a legislação nos Estados Unidos hoje veta a
formação de imagens detalhadas nesses equipamentos.
Raios-X
já são usados em aeroportos para escanear bagagens - e alguns conseguem ver
através das roupas
Raio-X
caseiro
Contudo, uma tecnologia muito mais barata e segura que oferece
"habilidades de óculos de raio-X" já está presente em sua casa - o
wi-fi.
No ano passado, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT na sigla
em inglês), nos EUA, publicou um vídeo que mostra como um transmissor de wi-fi
pode ser usado para criar uma imagem irregular de alguém através de uma
superfície sólida.
"Quando você envia um sinal de wi-fi, ele reflete tudo, e esses
reflexos voltam a você", diz Dina Katabi, professora de Engenharia
Elétrica e Computação no MIT. Um software consegue analisar esses reflexos de
sinal e produzir uma imagem do objeto do qual elas emanaram.
"Nós podemos detectar como pessoas se movem por um espaço, onde se
sentam, como andam, e também identificar quedas - algo importante para
idosos", acrescenta Katabi.
Para Houghton, a tecnologia tem um leque de usos em potencial.
Poderia a
visão de raio-X usada por médicos um dia estar disponível ao público em geral?
"Sei que
tecnologia semelhante já está sendo usada para inspeção de construções",
afirma. "Você consegue verificar coisas como cabeamento interno e
estruturas."
É possível, naturalmente, que agências militares e de inteligência já
estejam empregando versões avançadas dessa tecnologia para ações de vigilância.
"Qualquer coisa que você vê na mídia está dez anos atrás do que as
agências de inteligência estão usando", afirma Houghton.
Ele diz que isso significa que provavelmente já completamos um ciclo no
sonho centenário dos óculos de raio-X. Se os "óculos inteligentes" um
dia se tornarem populares, não é difícil imaginar versões em miniatura dessas
tecnologias sendo incorporadas a esses acessórios.
Ou seja: o que um dia foi uma ideia boba numa velha revista pode logo se
tornar realidade. Até o Super-Homem ficaria impressionado.
Leia a versão original desta reportagem em inglês no site BBC Future.
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