Macchiarini
foi um cientista de células-tronco de renome e negou todas as acusações feitas
contra ele
Um escândalo envolvendo um cirurgião italiano
suspeito de homicídio culposo (não intencional) de pacientes tem abalado a
comunidade científica. O desdobramento mais recente do caso, nesta semana, é
que dois juízes foram convidados a deixar o painel que escolhe o prêmio Nobel
de Medicina, na Suécia.
A decisão de excluir Harriet Wallberg e Anders Hamsten veio depois de o
governo sueco demitir toda a diretoria do prestigiado Instituto Karolinska,
onde o cirurgião trabalhava.
Paolo Macchiarini era visto como um dos principais especialistas
mundiais em transplantes de traqueia. Mas dois de seus pacientes morreram após
transplantes. Além disso, recaem sobre ele suspeitas de falsificação de
currículo e de registros de trabalho.
Ao longo dos últimos anos, o médico foi questionado por publicações
científicas e especialistas. No entanto, sua demissão do instituto só veio no
início do ano, após a exibição de um documentário de TV da emissora sueca STV,
que mostrou problemas enfrentados pelos pacientes operados pelo italiano. O
instituto considerou "verdadeiramente alarmantes" as acusações
levantadas pelo documentário.
Macchiarini nega todas as acusações e diz estar reunindo provas de sua
inocência.
Juízes afastados
Os dois juízes que perderam suas posições no painel do Nobel eram chefes
do Instituto Karolinska e estavam entre os indivíduos suspeitos de ignorar
alertas envolvendo as práticas do italiano.
O episódio tem sido um duro golpe ao instituto. Em um relatório sobre o
caso publicado na segunda-feira, um ex-juiz sueco disse que "nunca havia
visto tantas referências negativas" e questionou por que o cirurgião tinha
sido inicialmente contratado e, em seguida, tido seu contrato estendido.
O
escândalo foi um golpe para o maior centro de pesquisas médicas da Suécia
As revelações sobre as práticas de Macchiarini criaram uma "crise
de confiança" na instituição e causaram a demissão do vice-reitor. O
escândalo provocou também a demissão de Urban Lendahl, secretário-geral da
Assembleia do Nobel no Instituto Karolinska, para proteger a reputação do
prêmio.
A Assembleia do Nobel é formada por 50 professores do Instituto
Karolinska nomeados pelos funcionários da própria universidade. Mas é um corpo
independente da instituição.
Ascensão e queda do cirurgião
Paolo Macchiarini se destacou ao realizar, em 2008, o transplante da
traqueia de um homem morto para uma paciente colombiana com tuberculose em um
hospital de Barcelona, na Espanha.
Esse procedimento fez com que o Instituto Karolinska o contratasse.
Em 2011, ele se transformou no primeiro médico a implantar uma traqueia
artificial revestida de células-tronco de um paciente, que sofria de câncer.
O procedimento deu ao médico italiano status de pioneiro no campo da
medicina regenerativa, e ele passou a publicar resultados de suas pesquisas nas
mais famosas revistas científicas do mundo.
Macchiarini começou a trabalhar no Instituto Karolinska em 2010
Mas vários colegas do médico no Instituto Karolinska levantaram dúvidas
quanto aos métodos de Macchiarini e o denunciaram em 2014 por supostamente
subestimar os riscos das operações e não ter obtido a permissão adequada dos
pacientes - que não teriam sido devidamente informados sobre os riscos dos
procedimentos.
Quatro médicos afiliados ao Hospital Universitário Karolinska, que
participaram do tratamento de três pacientes de Macchiarini, descobriram
discrepâncias ao comparar os resultados de um dos artigos publicados pelo
médico, que descrevia a primeira operação com a traqueia sintética, com os
prontuários dos pacientes.
A revista especializada Nature questionou Macchiarini em novembro de 2014
sobre a morte de seis pacientes e o médico respondeu que nenhuma das mortes
tinha relação com o transplante mas sim com fatores externos, como consumo de
bebidas alcoólicas ou um acidente.
Investigações
O escândalo atingiu o Instituto Karolinska depois da denúncia dos
médicos. Um inquérito independente constatou más práticas de Macchiarini em
sete artigos científicos publicados.
De acordo com o inquérito, o médico passava uma impressão falsa de
sucesso ao reportar os resultados.
Apesar disso, o Karolinska concluiu em agosto de 2015 que Macchiarini
não teria cometido más práticas e colocou em dúvida a qualidade das
investigações contra ele.
O Hospital Universitário Karolinska fica na cidade de Estocolmo,
na capital da Suécia
Acusações anteriores de um investigador da Universidade de Leuven, na
Bélgica, também foram analisadas pelo comitê de ética do Karolinska, que
novamente absolveu o médico.
O instituto acabou prorrogando o contrato do médico, mas apenas como
pesquisador.
A última cirurgia realizada por Macchiarini para o hospital Karolinska
ocorreu em 2013. O médico continuou a operar na cidade russa de Krasnodar, onde
tem consultório, até 2014.
Mas em janeiro de 2016 a revista Vanity Fair publicou um artigo no qual afirmava
que Macchiarini tinha falsificado o próprio currículo.
A reportagem da revista também relatava o noivado de Maccharini com a
jornalista americana Benita Alexander, que contou ter sido iludida por uma
promessa de cerimônia de casamento abençoada pelo papa e que contaria com a
presença de figuras como Barack e Michelle Obama e Hillary e Bill Clinton.
Benita, que tinha planos de se mudar para a Europa após o casamento, descobriu
que Macchiarini já era casado.
Ele perdeu o emprego no início deste ano no Karolinska, após o
documentário da TV sueca.
Em junho, os promotores da Suécia informaram que estavam investigando o
cirurgião por suspeitas de homicídio culposo por conta da morte de dois
pacientes em hospitais do país em 2011 e 2012. Macchiarini também é investigado
em dois casos de suspeita de lesão de pacientes, também envolvendo transplantes
de traqueia, segundo a Promotoria sueca informou à Associated Press.
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