Ciência
A
alvorada da reprodução sexual sempre foi um quebra-cabeça para cientistas.
Pássaros, abelhas, chimpanzés, humanos - todos nós
fazemos, mas poucos percebem que a reprodução sexual no começo evoluiu em
criaturas bem diferentes de nós.
Então
quais eram essas criaturas e como tudo começou?
A
alvorada da reprodução sexual sempre foi um quebra-cabeça para cientistas.
Hoje, 99% das criaturas multicelulares - os grandes organismos que conseguimos
ver - se reproduzem sexualmente. Todos possuem seus mecanismos específicos, mas
por que esse processo evoluiu é um tema cheio de mistério.
Até
para Charles Darwin, o pai da evolução, o sexo era algo confuso. Ele escreveu
em 1862: "Não sabemos nem de longe a causa final da sexualidade; por que
novos seres devem ser produzidos pela união de dois elementos sexuais. Todo o
assunto está cercado de escuridão."
Muitas espécies são totalmente envolvidas
no sexo e fazem de tudo para conseguir um parceiro. O bowerbird macho, ou pássaro-pavilhão, constrói
ninhos incríveis para impressionar as fêmeas.
A
fêmea de um verme ilumina a cauda para impressionar o macho. Até o perfume
produzido por uma flor é simplesmente um truque para atrair insetos que irão
coletar pólen e fertilizar plantas vizinhas.
Mesmo
com toda essa diversidade, todos os organismos que se reproduzem sexualmente
seguem a mesma rotina - dois membros da mesma espécie combinam seu DNA para
produzir um novo genoma.
Até para
Darwin, o 'pai da evolução', sexo era algo confuso
Antes
de o sexo evoluir ao que é hoje, a reprodução era feita de forma assexuada, o
que, basicamente, é a divisão celular - um organismo se parte no meio e forma
dois.
É
um mecanismo simples de corta-e-divide, algo que todas as bactérias, a maioria
das plantas e até alguns animais fazem.
O
mecanismo de reprodução assexuada é muito mais eficiente e menos bagunçado do
que a reprodução sexual. Uma espécie assexuada não precisa perder tempo e
energia procurando e impressionando um parceiro: seus indivíduos apenas crescem
e se dividem em dois. Compare com o complicado e às vezes perigoso processo de
atrair um parceiro para reprodução sexual.
O
pássaro-pavilhão constrói ninhos incríveis para impressionar as fêmeas
E
há outros custos óbvios do sexo. Juntar pedaços de genomas separados requer um
processo diferente - um ovo precisa ser fertilizado. Significa que cada genitor
transmite apenas metade de seus genes à cria.
Pais
assexuados, em contraste, produzem crias que basicamente são suas cópias - o
que parece uma abordagem boa para um mundo em que nos dizem que nossos genes
egoístas querem garantir sua sobrevivência.
Considerando
isso tudo, por que tantas espécies encaram esse longo e tortuoso caminho da
reprodução sexual, quando há uma rota mais simples? O sexo precisa oferecer
alguma vantagem evolutiva que supere as desvantagens.
Compartilhar recursos
Em
1886, o biólogo evolucionista August Weismann sugeriu a existência de uma
vantagem. Argumentou que a reprodução sexual reembaralha os genes para criar
"diferenças individuais" sobre as quais a seleção natural atua.
Em
linhas gerais, o sexo seria uma oportunidade para dois organismos da mesma
espécie compartilharem recursos.
Algumas
de suas crias carregarão uma mistura benéfica de genes dos dois pais, o que
significa que irão responder melhor a perturbações ambientais que deixariam
espécies assexuadas em apuros.
Alguns
organismos se dividem ao meio para formar outros dois
O
sexo pode até acelerar o ritmo da evolução - uma vantagem óbvia quando as
condições ambientais também mudam rapidamente.
Prova
definitiva desses benefícios veio de estudos que modificam espécies de
reprodução assexuada para se reproduzir sexualmente. Organismos unicelulares
primitivos passam bem apenas com reprodução assexuada, mas se o estresse das
condições ambientais for alto, podem se tornar espécies sexuais.
Perturbações
ambientais podem ser qualquer coisa, de uma pequena mudança no clima a um
impacto de meteoro.
Procurando o começo
A
origem da reprodução sexual é um mistério há muito tempo porque observamos o
mundo como é agora, onde muitos organismos assexuados se desenvolvem bem, e
alguns organismos que podem se reproduzir das duas maneiras ainda parecem se
inclinar pela reprodução sem sexo.
Alguns
destes organismos incluem levedura, caramujo, estrela-do-mar e pulgão.
Mas
o método de reprodução que as espécies escolhem depende das circunstâncias do
ambiente que as cerca - a maioria se reproduz sexualmente apenas em tempos de
estresse e seguem assexuadamente no restante do tempo.
O
mundo primitivo, no entanto, era um lugar mais inóspito, com mudanças
ambientais muito rápidas. Sob essas circunstâncias, altas taxas de mutação
poderiam ter, sob condições determinadas, forçado um organismo assexuado a se
tornar sexuado.
Fósseis
podem nos dizer mais sobre a origem da reprodução sexual, mas são escassos e
difíceis de achar, então é complicado afirmar exatamente o que ocorreu. Chris
Adami, da Universidade de Michigan (EUA) olha para esse processo teoricamente.
Adami
explica que pode analisar a evolução em termos de informação - as coisas que
você precisa saber para sobreviver. Evolução é sobre "preservação e
aquisição de informação - quanto mais sabe melhor você é", afirma.
Zebras dando tempo necessário à reprodução
Aprendizado genético
Ou
seja, é um processo de "aprendizado": um organismo
"aprende" nova informação e transmite essas lições (pelo DNA) para a
nova geração para ajudá-la a sobreviver.
O
sexo permite que isso ocorra de modo mais eficiente, oferecendo um jeito mais
fácil para espécies "lembrarem" de informações úteis - está
codificado em seus genes.
Isso
ocorre porque o processo envolve a escolha de um parceiro sexual que já atingiu
a maturidade sexual fazendo boas escolhas. Sexo significa escolher um bom
parceiro e um bom futuro para suas crias.
"Aquisição
e manutenção de informação são necessárias para a evolução funcionar -
lembrando o velho e imaginando o futuro."
Esse
elemento de escolha ajuda a explicar outro quebra-cabeça: por que precisamos de
machos? Se apenas metade de suas crias - as filhas - vão de fato procriar,
porque a evolução se preocupou com filhos?
A
solução de Darwin para o "mistério do macho" foi sugerir que a
seleção natural não seja a única pressão evolutiva em ação no sexo. Haveria
algo que Darwin chamou de seleção sexual: a preferência de um sexo por certas
características em indivíduos do outro sexo.
Estudo
publicado em 2015 descobriu que competir para reproduzir é vital para machos, e
escolher entre esses machos em competição é vital para fêmeas. Seleção sexual pela
existência de dois sexos mantém a população saudável e a protege contra
extinção.
Mudanças
nos padrões climáticos afetam a evolução das espécies
Também
ajuda a manter variação genética positiva numa população. Quando compete com
rivais e atrai parceiros na luta pela reprodução, um indivíduo precisa ser bom
na maioria das coisas, então a seleção sexual fornece um filtro importante e
efetivo para manter e aprimorar a saúde genética da população.
Os
achados contribuem para explicar o motivo pelo qual o sexo continua a ser um
mecanismo dominante para procriação e dita quem consegue reproduzir seus genes
nas gerações seguintes.
Pioneiros no sexo
O
sexo é uma força evolutiva poderosa e disseminada, mas quando essa prática evoluiu
e quais criaturas foram as primeiras a adotá-la?
A maioria das pessoas racionais aceita a
teoria da evolução, segundo a qual humanos se desenvolveram de um ancestral
comum que dividimos com macacos, que evoluíram de organismos ainda mais
primitivos. Esses pensamentos remontam a 1871, quando Darwin publicou A Origem do Homem e a Seleção Sexual.
A Terra era um ambiente muito mais hostil do
que hoje
A evolução do sexo como o conhecemos pode
remeter a um passado mais distante do que nossos ancestrais primatas. Vai até
um peixe primitivo denominado Microbrachius dicki.
"Microbrachius"
significa "pequenos braços", mas cientistas descobriram a utilidade
dessas estruturas apenas recentemente. Eles possuem pequenas ventosas, e
análises dos fosseis mostraram que as fêmeas tinham pequenas estruturas que se
associavam a esses braços, como velcro. Os braços, portanto, estavam envolvidos
em alguma forma de reprodução sexual.
Não
qualquer forma. Esses peixes foram os vertebrados mais antigos que se
reproduziam por fertilização interna, como os humanos. Também foram as primeiras
espécies a mostrar o que biólogos chamam de dimorfismo sexual: machos e fêmeas
são diferentes nesse sentido.
A maioria dos peixes hoje se reproduz
lançando ovos e esperma fora do corpo. Pesquisadores não sabem ao certo por que
o M. dicki desenvolveu um sistema interno de
fertilização, mas o fato é que isso pavimentou o caminho para a forma mais
comum de reprodução sexual.
Para
entender a origem real da reprodução sexual, no entanto, é preciso voltar ainda
mais no tempo.
Sabemos
que todos os organismos que se reproduzem sexualmente derivaram de um ancestral
comum, então é uma questão de analisar as pistas reunidas em um fóssil para
saber quando e onde esse ancestral viveu.
Em
rochas na região ártica do Canadá estão as pistas que cientistas buscam. Essas
rochas foram depositadas há 1,2 bilhão de anos e contêm fósseis que nos contam
da primeira reprodução sexual.
Um fóssil chamado Bangiomorpha pubescens é um organismo multicelular
que se reproduzia sexualmente, a ocorrência mais antiga encontrada em um
fóssil. B. pubescens não era um peixe nem um animal. Era
um tipo de alga vermelha, marinha - uma alga marinha foi, portanto, o primeiro
organismo a fazer sexo.
Evidências
de que esses fósseis se reproduziam sexualmente estão na descoberta de que os
esporos ou células reprodutivas que os geraram vinham em duas formas - macho e
fêmea. Hoje sabemos que algas vermelhas não possuem esperma que nadam. Apostam
em correntes para transportar suas células reprodutivas, e vêm fazendo isso nos
últimos milhões de anos.
Algas
vermelhas são um dos maiores e mais antigos grupos de algas, com cerca de 5 mil
a 6 mil espécies de algas marinhas multicelulares, entre elas algumas conhecidas.
São
um grupo muito diverso, que permaneceu parecido durante 1,2 bilhão de anos.
Essa longevidade significa que podem ser descritos como "fósseis
vivos" - são uma lembrança do passado e de nossas origens.
O ambiente hostil e em constante mudança
em que o B. pubescens viveu pode ter motivado o sexo
a evoluir.
Galen Halverson, da Universidade McGill,
no Canadá, explica: "Em relação ao clima, parece que fósseis de Bangiomorpha pubescens apareceram na mesma época
em que um equilíbrio de milhões de anos no ambiente chegava ao fim. Houve
grandes perturbações nos ciclos de carbono e oxigênio naquele momento,
sugerindo mudanças ambientais significativas."
Naquele
momento, o sexo foi fundamental para o sucesso e a evolução subsequente de
organismos multicelulares.
Esses
fósseis, portanto, marcam avanços significativos na evolução da vida.
"As
conexões entre reprodução sexual, multicelularidade, oxigenação e o ciclo
global do carbono permanecem nebulosas, mas é difícil não supor que esses
eventos estejam intimamente ligados", afirma Halverson.
Estudar
essas rochas para entender o tipo de ambiente que permitiu a evolução do sexo
e, por consequência, a origem da multicelularidade em nosso planeta ajuda a
entender nosso passado e de onde viemos, mas também o potencial de evolução da
vida em outros planetas.
É
estranho imaginar que algas tenham sido o "motor" dessa
"revolução" sexual, mas tais desenvolvimentos evolutivos, há 1,2
bilhão de anos, pavimentaram de fato o caminho para a vida na Terra como a
conhecemos.
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