Educação
Ingrid Fagundez
Da BBC Brasil em São Paulo
Com tantos graduados no mercado, muitos não conseguem exercer suas
profissões
Milhares de
jovens pelo Brasil enfrentam todos os anos o Enem (Exame Nacional do Ensino
Médio), prova que pode garantir a entrada deles na universidade. Os estudantes
apostam na graduação para começar uma carreira. No entanto, muitos dos que
pegam o diploma hoje não conseguem exercer sua profissão.
A culpa não
é só da crise econômica, que levou o desemprego a 11,8% no terceiro trimestre
deste ano, segundo o IBGE, mas do perfil dos recém-formados. Eles se concentram
em poucas áreas e, quando buscam uma vaga, percebem que não há tanto espaço
para as mesmas funções.
Essa análise
foi feita pelo economista e professor da USP Hélio Zylberstajn, a partir de um
cruzamento de dados do Censo do Ensino Superior e da Rais (Relação Anual de
Informações Sociais), do Ministério do Trabalho.
Os números
de 2014, os mais recentes disponíveis, mostram que 80% dos formandos estudavam
em seis ramos: comércio e administração; formação de professor e ciências da
educação; saúde; direito; engenharia e computação. Ao olhar o que faziam os
trabalhadores com ensino superior, o professor notou que os cargos não existiam
na mesma proporção dos diplomas.
Um bom
exemplo é o setor de administração que, em 2014, correspondia a 30% dos
concluintes. Apesar da fatia expressiva, apenas 4,9% dos trabalhadores com
graduação eram administradores de empresa. Outros 9,4% eram assistentes ou
auxiliares administrativos, função que nem sempre exige faculdade.
"As
pessoas fazem esses cursos, mas evidentemente não há demanda para tantos
advogados ou administradores. Elas acabam sendo são subutilizadas", diz
Zylberstajn.
O professor
também diz que o número total de graduados seria superior ao que o mercado brasileiro
pode suportar. De acordo com o Censo do Ensino Superior, em 2014, um milhão de
pessoas saíram das salas de aula. Em 2004, eram 630 mil.
Mas o que
levou esse número a crescer tanto?
A
multiplicação das instituições privadas, ao lado da maior oferta das bolsas do
Prouni e do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), facilitaram o acesso dos
brasileiros à graduação. De 2000 a 2014, a quantidade de instituições dessa
natureza aumentou 15%. Outro fator, dizem os entrevistados, é cultural: no
país, a beca é sinônimo de status.
"A
gente despreza o técnico e supervaloriza o superior. É uma tradição ibérica.
Como por muito tempo foi uma coisa da elite, passou a ser considerado um meio
de ascender socialmente", afirma Zylberstajn.
Para a
professora Elisabete Adami, da Administração da PUC-SP, esse objetivo está
ligado à ideia de que o diploma basta para ganhar mais.
Ela diz que
deu aulas em faculdades privadas de São Paulo e notava o desejo de seus alunos
de melhorar de vida.
"Na
sala, tinha três que eram carteiros, muitos motoboys, o pessoal que trabalhava
em lojas. O que eles queriam ali? Subir."
Rodolfo Garrido foi fazer faculdade de engenharia porque queria
ganhar mais
Rodolfo
Garrido pensava nisso quando largou o ensino técnico para entrar em uma
faculdade privada. Ele ganhava R$ 2.600 como programador de produção em uma
metalúrgica. Como engenheiro, diz, seu salário poderia subir para R$ 4.000.
Com a
oportunidade do financiamento estudantil, decidiu apostar.
"Já
trabalhava na área, então só juntei os estudos. Para poder me graduar e ter um
salário melhor, poderia ganhar o dobro. Quando surgiu o incentivo do governo,
comecei a pesquisar, porque antes era uma bolada."
Depois de
três semestres, teve que deixar as aulas porque ficou desempregado.
Segundo a
diretora do Escritório de Desenvolvimento de Carreiras da USP, Tania Casado, a
crença de Rodolfo é endossada por pesquisa. Elas indicam salários maiores para
empregos de nível superior. Mas A a professora faz uma ressalva: os estudos são
feitos com quem já está trabalhando nesses cargos.
"Os
dados são verdadeiros, só que é preciso lê-los corretamente. O fato de você
fazer uma faculdade não significa que vai para um vaga desse tipo."
Os motivos
pelos quais Rodolfo escolheu engenharia também ajudam a explicar a concentração
dos estudantes em seis áreas, que incluem saúde, direito e computação. São
profissões tradicionais, teoricamente mais estáveis e bem pagas. Além disso,
são as mais oferecidas pelas instituições privadas, responsáveis por 87,4% da
educação superior no país.
"As
pessoas vão para faculdades pagas, que têm cursos de menor custo, como Direito
e Administração", diz o professor Hélio Zylberstajn.
Eles são
mais baratos porque não usam outros equipamentos a não ser a sala de aula.
Cursos de Química, por exemplo, exigem laboratórios e substâncias controladas.
Outro fator
para decisões tão parecidas seria a pouca idade com que os brasileiros escolhem
uma profissão.
"É uma
meninada de 17, 18 anos, que faz Administração porque o pai fez, ou porque acha
legal ser CEO", diz a professora Elisabete Adami, da PUC-SP.
Evelyn queria ser administradora de empresas, mas trabalha como
assistente administrativa
Com tantos
professores, administradores e advogados no mercado, muita gente tem
dificuldade de conseguir um bom cargo na sua área. Às vezes o jeito é aceitar
vagas que pedem apenas ensino médio.
Quando
Evelyn Maranhão se formou, em 2011, pensava que seria administradora de
empresas. Cinco anos e muitas negativas depois, trabalha como assistente
administrativa. Ela registra pedidos e lança horas-extras no sistema de uma
empresa de manutenção predial.
"Achei
que ia lidar com estatística, relatório, análises, e, na verdade, faço o que
uma secretária faria. Imaginava que estaria na tomada de decisões."
Há quem nem
consiga exercer sua profissão.
Antes de
cursar enfermagem, Vivian Oliveira trabalhava com eventos. Mesmo depois da
formatura, continua organizando congressos, feiras e festas. Nesse meio tempo,
diz, mandou incontáveis currículos, mas não foi chamada para entrevistas. Só
foi contratada por uma clínica, onde ficou um ano.
"Até há
vagas, mas como não tenho muita experiência, eles não chamam."
Para a
enfermeira, o fato de não ter estudado em uma universidade conceituada
prejudicou sua trajetória "Se surgir uma posição no (hospital Albert)
Einstein, vai entrar alguém de faculdade renomada. Vi que meus colegas buscam
fazer pós em lugares reconhecidos, porque colocam esse nome no currículo."
Formada em enfermagem, Vivian trabalha com eventos
A falta de
experiência e a formação em instituições pouco prestigiadas são os principais
empecilhos que os formandos enfrentam nos processos de seleção, diz Luciane
Prazeres, coordenadora de Recursos Humanos da agência de empregos Luandre.
Prazeres
relata que muitos profissionais chegam no mercado sem ter feito estágio porque
precisavam trabalhar para pagar os estudos. E alguma experiência na área é
sempre requisitada pelos empregadores.
"A
maioria são recepcionistas, operadores de call center que buscam o oposto do
que estão fazendo. Mas, se ele não sai do mercado para fazer estágio, é difícil
conseguir uma oportunidade."
Segundo ela,
é comum que, ao abrir um posto, as empresas peçam candidatos formados em
determinada universidade.
Professora
na PUC-SP, Elisabete Adami diz notar essa diferença ao ver que seus alunos saem
empregados do curso.
"Pega
estudantes da PUC, da FGV, do Insper, da USP...eles não estão tão sem trabalho.
O pessoal de faculdades de segunda linha não encontra espaço e vai ter que
fazer uma pós para complementar a formação."
Para Adami,
houve uma proliferação de escolas com menos qualidade, que entregariam
profissionais deficientes.
"Esses
conglomerados pagam, em média, R$ 17 a hora-aula. Que tipo de professor você
vai ter?"
No entanto,
pondera, a estrutura ruim não é sempre sinônimo de profissionais mal preparados.
Só que, nesses ambientes, eles são mais frequentes do que em instituições de
ponta.
"Sai
gente boa, mas por conta própria, porque são esforçados."
Entre uma
graduação ruim e uma boa formação técnica, diz Adami, ela aposta na segunda.
"Essa
mania de ser o primeiro da família a se formar é uma ilusão, mas é forte no
Brasil. É algo secular. Na França e na Alemanha, você não tem esse percentual
de jovens na universidade."
Proliferação de faculdades levou à formação de profissionais
deficientes, diz professores
Ensino técnico
O ensino
técnico é citado pelos entrevistados como uma opção interessante.
Hélio
Zylberstajn, da USP, diz que o ensino é negligenciado e faz falta para o país.
O professor sugere que disciplinas ligadas ao ensino técnico sejam incluídas na
grade curricular do ensino médio, e não em institutos, como acontece hoje.
"Estamos
carentes de técnicos. No ensino médio, deveríamos formar mão de obra em
cooperação com as empresas."
Esse tipo de
formação é uma possibilidade que deve ser analisada antes da decisão definitiva
pelo ensino superior, diz Tania Casado, do Escritório de Desenvolvimento de
Carreiras da USP.
"É
preciso olhar para o lado e ver que há muitas posições não preenchidas, porque
as pessoas não têm estudo específico. Os jovens precisam saber disso ao se
lançarem em um curso."
Se a escolha
for pelo ensino superior, Casado diz que o estudante não deve conhecer apenas a
profissão, mas as ocupações que ela abrange. Um graduado em Medicina, por
exemplo, pode tornar-se um gestor de plano de saúde. Da mesma forma, alguém
formado em Administração pode tornar-se um consultor.
Além de
analisar as alternativas que o mercado oferece, aconselha a diretora, o candidato
deve olhar para si e escolher algo com o que se identifique. Se depois quiser
mudar de área, a transição não tem que ser dolorosa. Nem sempre uma nova
faculdade é necessária, afirma. Às vezes uma especialização ou cursos livres
são suficientes.
"Carreira
é isto: olhar o entorno e se olhar, o tempo inteiro. E saber que, à medida que
você vai evoluindo, pode haver outros interesses, o que é bom. É preciso se
preparar para esses interesses, mas não necessariamente isso passa por uma
graduação."
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