quarta-feira, 2 de novembro de 2016

OS TRÊS ÚLTIMOS DIAS DE FERNANDO PESSOA

 Literatura







  
Publicado por Rodrigo Della Santina
Formou-se em Letras pela UNIMESP. Possui dois livros de poemas publicados: "Intertrigem”, CBJE, 2005 (esgotado) e “O limiar do surto”, Scortecci, 2008. Pela internet, algumas de suas obras se encontram em: Revista Flaubert, Caderno-Revista 7faces, Benfazeja, Letras in.verso e re.verso, Crônicas do Andarilho, Diminuto, Novos Escritores Brasileiros, Das Culturas e Prosa Literária.



Lisboa, 1935. Fernando Pessoa está morrendo. Durante três dias de agonia, recebe a visita de seus heterônimos, que conversam com ele e expressam todo o seu respeito e admiração, revivendo momentos de suas vidas. Antonio Tabucchi compartilha com o leitor sua admiração pelo poeta português e tece uma singela homenagem em sua memória


Publicado pela Rocco em 1996 (no original, em 1994), este romance ilustrado é um delírio de Antonio Tabucchi. O autor rememora, como um biógrafo, a vida do poeta Fernando Pessoa; e nesse recordar profere uma homenagem. Na história, o vate português recebe do médico a notícia de uma crise hepática e seus heterônimos o visitam em seu leito de morte no Hospital São Luís dos Franceses por três dias consecutivos. Aqui a fantasia é justificada, pois Fernando Pessoa trava diálogo com suas criaturas — avantesmas de seres perpétuos —, revive momentos de suas vidas e dita-lhes seus últimos desejos.
A edição da Rocco*, traduzida do italiano por Roberta Barni, possui ao todo 70 páginas (com belas ilustrações) protegidas por uma sobrecapa bastante singela — e por isso mesmo aprazível — em cujas orelhas encontram-se uma sinopse do livro e algumas linhas sobre o autor e o ilustrador. Outra edição é da Quetzal Editores (que em 2000 foi integrada na Bertrand Editora e em 2006 no Direct Group Portugal e atualmente é o selo editorial do Grupo Bertrand Círculo), que publicou de Tabucchi também o “Requiem” (escrito em português), em 1992.
Tabucchi nasceu em Pisa em 24 de setembro de 1943. Durante uma de suas visitas a Paris, encontrou o poema “Tabacaria” do heterônimo de Fernando Pessoa e a partir daí cultivou uma paixão pelo poeta e seu país que lhe daria o renome de um dos melhores conhecedores, críticos e tradutores das obras do vate português. Além disso, escreveu alguns ensaios e peças teatrais sobre ele. Casou-se com Maria José de Lancastre (com quem fez parceria nas traduções ‘pessoanas’) em 1970 e teve com ela dois filhos. Entre seus livros mais conhecidos estão “Notturno Indiano”, “Piccoli equivoci senza importanza”, “Un baule pieno di gente”, “Gli ultimi tre giorni di Fernando Pessoa” (título e assunto deste artigo), “La testa perduta di Damasceno Monteiro”, “Si sta facendo sempre più tardi” e “Sostiene Pereira”, cuja adaptação cinematográfica foi estrelada por Marcello Mastroianni em 1995. Faleceu em 25 de março de 2012 em Lisboa e seu corpo jaz no Talhão dos Artistas do Cemitério dos Prazeres. As ilustrações são de Júlio Pomar (pintor português nascido em 1926 em Lisboa) e fazem parte de um conjunto de 223 desenhos dedicados aos poetas Camões, Bocage, Almada e Pessoa.
A narrativa de Tabucchi demonstra a cada página a admiração do autor pelo poeta, tecendo com suas linhas uma homenagem simples, mas carismática, muito embora floreie aqui e ali o motivo de existir do “biografado”, querendo (assim parece) deixar certos conceitos mais airosos do que realmente são. Há nela certa dose de puerilidade (muito semelhante às composições dos Irmãos Grimm), pois se utiliza de uma linguagem coloquial, natural, fluente, delineando-a, demarcando-a (ainda que não precisasse) como quem desenha com traços seguros e singelos uma paisagem. Não faz uso de aspas, travessões ou dois pontos para destacar as vozes de suas personagens, permitindo ao leitor maior liberdade de imersão na história, a exemplo (conquanto distinto) de Saramago.
Entretanto, apesar dessas ‘agradabilidades’, um ruído surge no texto. Ocorre quando Tabucchi insiste (talvez propositalmente) em repetições empobrecedoras, como frisar a cada verbalização do personagem o autor dessa externação. Mas se isso não conta em seu favor, tampouco cria estorvo à leitura.
O escritor italiano possibilita ao leitor (na verdade, o leva pela mão) se aproximar do poeta português, ser íntimo de sua pessoa como é de seus versos, sentir um pouco de seu gênio, de sua humanidade. Termina sua narrativa exatamente às oito e meia da noite com um criado-mudo, uns óculos e um suspiro.
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*Este artigo usa como base a 2ª edição lançada pela editora em 1997.




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