Literatura
Colaboração
de Fernando Alcoforado*
República é
uma forma de organização do Estado cujo termo vem do latim res publica que
significa "coisa pública", "coisa do povo". Em tese, um
governo republicano é aquele que põe ênfase no interesse comum, no interesse da
comunidade, em oposição aos interesses particulares e aos negócios privados. Na
história da República no Brasil desde 1889, quando de sua proclamação através
de um golpe de estado, esses princípios não têm sido respeitados. A História da
República Brasileira iniciou-se em 1889 com a Proclamação da República e
acompanhou todo o período posterior, até o século XXI.
A difusão
dos ideais republicanos remonta ao período colonial, como durante a
Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, no final do século XVIII. Apesar
dos ideais e das revoltas buscarem a superação da monarquia, apenas no final do
século XIX, com o fim do escravismo, as elites agrárias do país aceitaram
organizar o Estado brasileiro nos moldes republicanos. O fato de a República
ter nascido no Brasil sem a efetiva participação popular, ter sido aceita pelas
elites e ter sido realizada através da espada do exército brasileiro conformou
um caráter autoritário e excludente do Estado brasileiro, garantindo os
privilégios das classes dominantes e a negação de direitos à maioria do povo
brasileiro. A participação do exército na vida política nacional foi também uma
constante da história republicana do país até o final da ditadura militar em
1985.
A República
Velha, ou Primeira República, é o primeiro estágio da história republicana no
Brasil, compreendida entre a Proclamação da República em 1889 e a Revolução de
1930. A elite rural paulista e mineira passaram a deter o poder do governo
federal que garantiu os interesses da oligarquia agrária. Foi nesse período que
o país conheceu uma série de revoltas urbanas e rurais decorrente das mudanças
sociais e políticas pelas quais passaram o país. É de se destacar entre as
revoltas a Guerra de Canudos, de 1896-1897. A Revolução de 1930 deu início à
Era Vargas com a ascensão ao poder de Getúlio Vargas que lá permaneceu até
1945. Durante seu Governo Provisório (1930-1934), o novo presidente conseguiu
contornar os conflitos entre as elites nacionais, principalmente com a vitória
sobre a oligarquia paulista durante a Revolução Constitucionalista de 1932.
A
promulgação da Constituição em 1934 e a abertura de um processo democrático
selaram o acordo entre as várias frações da classe dominante nacional que não
puderam conter a insatisfação dos setores populares. É nesse sentido que se
pode entender a tentativa de derrubar o governo de Vargas, através do que ficou
conhecido como Intentona Comunista de 1935. A Intentona Comunista serviu de
pretexto para Vargas dar um golpe de Estado em 1937 inaugurando o denominado
Estado Novo que marcou mais um período de extremo autoritarismo do Estado
Brasileiro. Uma nova Constituição foi adotada e o Congresso Nacional foi
fechado. Como forma de conter a insatisfação popular e conseguir aumentar o
poder de consumo do mercado interno, Vargas promulgou uma série de leis que garantia
alguns direitos à classe trabalhadora urbana, além de proporcionar um nível de
renda que impulsionasse o esforço de industrialização.
A
industrialização somada a medidas de racionalização da administração pública
caracterizou o esforço de modernizar o Estado brasileiro durante a Era Vargas,
garantindo as condições de fortalecimento tanto da burguesia industrial quanto
da tecnocracia das empresas estatais e da administração pública. Ao fim da
Segunda Guerra Mundial, em 1945, Vargas sofreu um golpe de estado pelas Forças
Armadas comandadas pelo general Eurico Gaspar Dutra pressionadas por forças
políticas internas e pelo governo norte-americano contrários a suas políticas
nacionalistas e populistas. Uma nova Constituição foi adotada em 1946,
garantindo a realização de eleições diretas para presidente da República e para
os governos dos estados. O Congresso Nacional voltou a funcionar e houve
alternância no poder. Entretanto, foi um período de forte instabilidade
política.
As mudanças
sociais decorrentes da urbanização e da industrialização projetavam novas
forças políticas que pretendiam aprofundar o processo de modernização da
sociedade e do Estado brasileiro, o que desagrava as elites conservadoras. Este
período foi marcado por várias tentativas de golpe de Estado, sendo que um
deles levou ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. A partir de 1955, o governo
de JK conseguiu imprimir um acelerado desenvolvimento industrial no País mas
ampliou o problema da exclusão social na cidade e no campo. Medidas de mudança
social e de emancipação nacional iriam compor a base das propostas do Governo
de João Goulart. O estado brasileiro estava caminhando para resolver demandas
há muito reprimidas, como a reforma agrária.
Frente ao
perigo que representava aos seus interesses econômicos e políticos, as classes
dominantes do País com o apoio do governo dos Estados Unidos mais uma vez
orquestraram um golpe de Estado, com a deposição pelo exército de João Goulart,
em 1964. Iniciada em 01 de abril de 1964, a Ditadura Militar foi um dos
períodos mais repressivos da História da República. Inúmeros grupos políticos
foram cassados, e muitos de seus membros torturados e mortos. O que
caracterizou este período foi a sistematização da repressão estatal aliada ao
incentivo ao desenvolvimento econômico. A estrutura estatal repressiva, de
impedimento do exercício da oposição política através de instituições
policiais, garantiu a estabilidade social necessária aos investimentos
estrangeiros durante a ditadura militar. Foi o período do milagre econômico
brasileiro e da tentativa de transformação do país em uma potência mundial.
A ditadura
existiu até 1985 quando as pressões populares por abertura política tomaram as
ruas do país, principalmente na campanha das Diretas Já. Mesmo com milhares de
pessoas nas ruas, a reforma do Estado foi feita de forma “lenta e gradual”,
como queriam os militares. No lado da classe trabalhadora, surgiu um vigoroso
movimento sindical na década de 1970, principalmente depois das greves no ABC
paulista, entre 1978 e 1980. A Nova República iniciou-se com o governo de José
Sarney e permanece até os dias atuais. Sarney foi eleito através do voto
indireto e durante seu governo foi elaborada uma nova Constituição, promulgada
em 1988, que garantia eleições diretas e livres a todos os cargos eletivos. A
divisão dos poderes foi mantida e uma nova perspectiva democrática liberal se
abriu no País. O primeiro presidente eleito diretamente desde 1960 foi Fernando
Collor de Melo, em 1989. Porém, os escândalos de corrupção o fizeram renunciar
em 1992.
A partir da
renúncia de Fernando Collor, marcaram a história política da República os
mandatos de três governantes. O primeiro foi Itamar Franco que com o Plano Real
pôde garantir a estabilidade econômica necessária aos investimentos
estrangeiros. Esses 3 investimentos foram possíveis em decorrência das
privatizações realizadas em setores específicos da economia, como
telecomunicações, mineração e siderurgia. Por outro lado, tais medidas
representaram o enxugamento das funções do Estado brasileiro, marcando o
período do neoliberalismo no Brasil. Fernando Henrique Cardoso governou de 1994
até 2002, quando foi substituído por Luiz Inácio Lula da Silva que buscou
caracterizar seu governo pela distribuição de renda possibilitada pela estabilidade
econômica do período anterior. A distribuição de renda ocorreu através de
políticas como Bolsa Família. Apesar da estabilidade política dos dois governos
acima mencionados, os casos de corrupção também se fizeram presentes, como as
acusações de compra de votos para a reeleição durante o governo FHC, em 1998, o
escândalo do mensalão, no governo Lula, em 2005 e o escândalo do petrolão no
governo Dilma Rousseff que se elegeu em 2010 e sofreu impeachment em 2016.
Durante o período republicano, os interesses
particulares e os negócios privados têm prevalecido sobre o interesse comum ao
longo da história do Brasil. O sistema republicano vigente no Brasil é, na
verdade, uma democracia apenas para os ricos e corruptos. Neste sistema, as
eleições são uma farsa porque são controladas pelas oligarquias que fazem com
que vençam majoritariamente os candidatos a serviço das grandes empresas.
Trata-se de um jogo de cartas marcadas porque os grupos econômicos nacionais e
internacionais impulsionaram os grandes partidos financiando suas eleições
milionárias. Empresas e bancos sempre elegeram suas “bancadas” nos diversos
níveis do poder legislativo que aprovam leis em favor dos poderosos na base da
compra de votos e dos “lobbies”, e ainda faturam contratos milionários do
Estado. O assalto aos cofres públicos por parte de políticos e partidos e o
aparelhamento da máquina governamental a serviço dos partidos no poder se
tornaram lugares comuns na vida política brasileira.
A falência
do modelo político do Brasil está configurada no fato do presidencialismo em
vigor desde 1889 ser gerador de crises políticas e institucionais como as que
já ocorreram no passado que resultaram em impeachments e golpes de estado. Além
disso, o sistema político do País está contaminado pela corrupção. A democracia
representativa no Brasil manifesta, também, sinais claros de esgotamento ao
desestimular a participação popular nas decisões do governo, reduzindo a
atividade política a meros processos eleitorais que se repetem periodicamente
em que o povo elege seus representantes os quais, com poucas exceções, após as
eleições passam a defender interesses de grupos econômicos em contraposição aos
interesses daqueles que os elegeram. No Brasil, não há motivos para comemorar
os 127 anos de República.
*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de
Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor
nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros
Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a
Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil
(Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do
Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012), 4 Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções
Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba,
2016). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail:
falcoforado@uol.com.br.
Nenhum comentário:
Postar um comentário