terça-feira, 15 de novembro de 2016

REPÚBLICA NO BRASIL – DA COISA PÚBLICA À COISA PRIVAD

 Literatura







Colaboração de Fernando Alcoforado*

República é uma forma de organização do Estado cujo termo vem do latim res publica que significa "coisa pública", "coisa do povo". Em tese, um governo republicano é aquele que põe ênfase no interesse comum, no interesse da comunidade, em oposição aos interesses particulares e aos negócios privados. Na história da República no Brasil desde 1889, quando de sua proclamação através de um golpe de estado, esses princípios não têm sido respeitados. A História da República Brasileira iniciou-se em 1889 com a Proclamação da República e acompanhou todo o período posterior, até o século XXI.



A difusão dos ideais republicanos remonta ao período colonial, como durante a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, no final do século XVIII. Apesar dos ideais e das revoltas buscarem a superação da monarquia, apenas no final do século XIX, com o fim do escravismo, as elites agrárias do país aceitaram organizar o Estado brasileiro nos moldes republicanos. O fato de a República ter nascido no Brasil sem a efetiva participação popular, ter sido aceita pelas elites e ter sido realizada através da espada do exército brasileiro conformou um caráter autoritário e excludente do Estado brasileiro, garantindo os privilégios das classes dominantes e a negação de direitos à maioria do povo brasileiro. A participação do exército na vida política nacional foi também uma constante da história republicana do país até o final da ditadura militar em 1985.
A República Velha, ou Primeira República, é o primeiro estágio da história republicana no Brasil, compreendida entre a Proclamação da República em 1889 e a Revolução de 1930. A elite rural paulista e mineira passaram a deter o poder do governo federal que garantiu os interesses da oligarquia agrária. Foi nesse período que o país conheceu uma série de revoltas urbanas e rurais decorrente das mudanças sociais e políticas pelas quais passaram o país. É de se destacar entre as revoltas a Guerra de Canudos, de 1896-1897. A Revolução de 1930 deu início à Era Vargas com a ascensão ao poder de Getúlio Vargas que lá permaneceu até 1945. Durante seu Governo Provisório (1930-1934), o novo presidente conseguiu contornar os conflitos entre as elites nacionais, principalmente com a vitória sobre a oligarquia paulista durante a Revolução Constitucionalista de 1932.
A promulgação da Constituição em 1934 e a abertura de um processo democrático selaram o acordo entre as várias frações da classe dominante nacional que não puderam conter a insatisfação dos setores populares. É nesse sentido que se pode entender a tentativa de derrubar o governo de Vargas, através do que ficou conhecido como Intentona Comunista de 1935. A Intentona Comunista serviu de pretexto para Vargas dar um golpe de Estado em 1937 inaugurando o denominado Estado Novo que marcou mais um período de extremo autoritarismo do Estado Brasileiro. Uma nova Constituição foi adotada e o Congresso Nacional foi fechado. Como forma de conter a insatisfação popular e conseguir aumentar o poder de consumo do mercado interno, Vargas promulgou uma série de leis que garantia alguns direitos à classe trabalhadora urbana, além de proporcionar um nível de renda que impulsionasse o esforço de industrialização.
A industrialização somada a medidas de racionalização da administração pública caracterizou o esforço de modernizar o Estado brasileiro durante a Era Vargas, garantindo as condições de fortalecimento tanto da burguesia industrial quanto da tecnocracia das empresas estatais e da administração pública. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, Vargas sofreu um golpe de estado pelas Forças Armadas comandadas pelo general Eurico Gaspar Dutra pressionadas por forças políticas internas e pelo governo norte-americano contrários a suas políticas nacionalistas e populistas. Uma nova Constituição foi adotada em 1946, garantindo a realização de eleições diretas para presidente da República e para os governos dos estados. O Congresso Nacional voltou a funcionar e houve alternância no poder. Entretanto, foi um período de forte instabilidade política.
As mudanças sociais decorrentes da urbanização e da industrialização projetavam novas forças políticas que pretendiam aprofundar o processo de modernização da sociedade e do Estado brasileiro, o que desagrava as elites conservadoras. Este período foi marcado por várias tentativas de golpe de Estado, sendo que um deles levou ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. A partir de 1955, o governo de JK conseguiu imprimir um acelerado desenvolvimento industrial no País mas ampliou o problema da exclusão social na cidade e no campo. Medidas de mudança social e de emancipação nacional iriam compor a base das propostas do Governo de João Goulart. O estado brasileiro estava caminhando para resolver demandas há muito reprimidas, como a reforma agrária.
Frente ao perigo que representava aos seus interesses econômicos e políticos, as classes dominantes do País com o apoio do governo dos Estados Unidos mais uma vez orquestraram um golpe de Estado, com a deposição pelo exército de João Goulart, em 1964. Iniciada em 01 de abril de 1964, a Ditadura Militar foi um dos períodos mais repressivos da História da República. Inúmeros grupos políticos foram cassados, e muitos de seus membros torturados e mortos. O que caracterizou este período foi a sistematização da repressão estatal aliada ao incentivo ao desenvolvimento econômico. A estrutura estatal repressiva, de impedimento do exercício da oposição política através de instituições policiais, garantiu a estabilidade social necessária aos investimentos estrangeiros durante a ditadura militar. Foi o período do milagre econômico brasileiro e da tentativa de transformação do país em uma potência mundial.
A ditadura existiu até 1985 quando as pressões populares por abertura política tomaram as ruas do país, principalmente na campanha das Diretas Já. Mesmo com milhares de pessoas nas ruas, a reforma do Estado foi feita de forma “lenta e gradual”, como queriam os militares. No lado da classe trabalhadora, surgiu um vigoroso movimento sindical na década de 1970, principalmente depois das greves no ABC paulista, entre 1978 e 1980. A Nova República iniciou-se com o governo de José Sarney e permanece até os dias atuais. Sarney foi eleito através do voto indireto e durante seu governo foi elaborada uma nova Constituição, promulgada em 1988, que garantia eleições diretas e livres a todos os cargos eletivos. A divisão dos poderes foi mantida e uma nova perspectiva democrática liberal se abriu no País. O primeiro presidente eleito diretamente desde 1960 foi Fernando Collor de Melo, em 1989. Porém, os escândalos de corrupção o fizeram renunciar em 1992.
A partir da renúncia de Fernando Collor, marcaram a história política da República os mandatos de três governantes. O primeiro foi Itamar Franco que com o Plano Real pôde garantir a estabilidade econômica necessária aos investimentos estrangeiros. Esses 3 investimentos foram possíveis em decorrência das privatizações realizadas em setores específicos da economia, como telecomunicações, mineração e siderurgia. Por outro lado, tais medidas representaram o enxugamento das funções do Estado brasileiro, marcando o período do neoliberalismo no Brasil. Fernando Henrique Cardoso governou de 1994 até 2002, quando foi substituído por Luiz Inácio Lula da Silva que buscou caracterizar seu governo pela distribuição de renda possibilitada pela estabilidade econômica do período anterior. A distribuição de renda ocorreu através de políticas como Bolsa Família. Apesar da estabilidade política dos dois governos acima mencionados, os casos de corrupção também se fizeram presentes, como as acusações de compra de votos para a reeleição durante o governo FHC, em 1998, o escândalo do mensalão, no governo Lula, em 2005 e o escândalo do petrolão no governo Dilma Rousseff que se elegeu em 2010 e sofreu impeachment em 2016.
 Durante o período republicano, os interesses particulares e os negócios privados têm prevalecido sobre o interesse comum ao longo da história do Brasil. O sistema republicano vigente no Brasil é, na verdade, uma democracia apenas para os ricos e corruptos. Neste sistema, as eleições são uma farsa porque são controladas pelas oligarquias que fazem com que vençam majoritariamente os candidatos a serviço das grandes empresas. Trata-se de um jogo de cartas marcadas porque os grupos econômicos nacionais e internacionais impulsionaram os grandes partidos financiando suas eleições milionárias. Empresas e bancos sempre elegeram suas “bancadas” nos diversos níveis do poder legislativo que aprovam leis em favor dos poderosos na base da compra de votos e dos “lobbies”, e ainda faturam contratos milionários do Estado. O assalto aos cofres públicos por parte de políticos e partidos e o aparelhamento da máquina governamental a serviço dos partidos no poder se tornaram lugares comuns na vida política brasileira.
A falência do modelo político do Brasil está configurada no fato do presidencialismo em vigor desde 1889 ser gerador de crises políticas e institucionais como as que já ocorreram no passado que resultaram em impeachments e golpes de estado. Além disso, o sistema político do País está contaminado pela corrupção. A democracia representativa no Brasil manifesta, também, sinais claros de esgotamento ao desestimular a participação popular nas decisões do governo, reduzindo a atividade política a meros processos eleitorais que se repetem periodicamente em que o povo elege seus representantes os quais, com poucas exceções, após as eleições passam a defender interesses de grupos econômicos em contraposição aos interesses daqueles que os elegeram. No Brasil, não há motivos para comemorar os 127 anos de República.

*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), 4 Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.


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