Luiz Carlos Facó*
Este, por certo, não é baiano.
Um historiador, amigo querido, muito afeito às coisas da Bahia, aos seus costumes, seu folclore, no último livro que publicou revela uma enorme quantidade de tipos populares que desfilaram pelas passarelas das nossas ruas. E os cita nominalmente. Desde Macaco Beleza; Crispim da Bóia-Boiou; Lalau me Disse uma Coisa; Professor Gusmão; Balbina das Galinhas; Adão e Eva; Madame Lagartixa; Dr. Raiz; Deus lhe Favoreça; Trem de Alagoinhas; Pé de Revolver; Xodó; Chico Trololó; Viva Fantoches; Carrapeta; Seu Alvarenga; Seu Piano Tem Bom Som; Deu Sua Festa e Não Me Convidou; Sinhá Mariquinha Cadê o Frade; Pé de Galo; Josefina-Perfume da Natureza; Papa Capim Coleira; Cebola Podre e Pé de Galo; Camarão É a Mãe. Entretanto, esqueceu o autor de arrolar outras sempre lembradas figuras, como, Jacaré, Cuíca de Santo Amaro, Zé Coió, Pulga, Samir Queixo de Vidro, A Mulher de Roxo, O Anão de Spinelli, Arigoff, Anacreon, sem duvida havidas como das mais memoráveis e inesquecíveis.
A maior parte delas só conheço através da narração que me chegou pela tradição oral, ou pelas letras dos cronistas de época. Outras, entretanto, fizeram parte e marcaram a minha infância e juventude.
Um episódio envolvendo uma daquelas personagens deve ser rememorado, pois faz parte da extensa e particular cultura baiana.
Conta-nos a História do Brasil que, ao apagar as luzes do Segundo Império, o desgaste da Família Imperial e de todo Gabinete era evidente. Não havia os institutos de pesquisas de opinião pública para registrarem todo azedume do povo contra os seus mandatários. Mas a imprensa, sempre vigilante, assinalava, malgrado o desespera das autoridades, o humor acre da sociedade contrária ao “status quo” vigente.
Dia a dia, em várias Províncias, surgiam clubes republicanos, constituídos por jovens estudantes que abertamente clamavam, em campanhas organizadas, pela proclamação da república.
Para reverter tal situação, D. Pedro II encarrega o seu genro, o Conde d’Eu, de visitar as regiões norte e nordeste, esperando que a cortesia amainasse o ânimo dos descontentes, assegurando a perpetuidade das instituições vigentes.
Vã esperança. O barco já começara afundar e não havia consertos que remediassem ou pudessem deter a embarcação ante seu trágico destino.
A primeira Província a ser visitada, conforme o roteiro traçado, era a da Bahia. O seu Presidente, o Conselheiro José Luiz de Almeida Couto, entre 14.06 a 17.11 de 1889, encarregou-se de organizar, pessoalmente, os festejos para saudar o ilustre representante da Casa Imperial e dar-lhe as boas vindas protocolares.
Ocorre que no dia aprazado para a recepção ao Conde, no local escolhido, o Pelourinho, outra acontecia promovida pelos republicanos em regozijo à presença, também em Salvador, de um dos seus líderes, o senhor Silva Jardim. Esta sufocou a primeira. Os fogos, os vivas, a emoção estudantil obscureceram totalmente a festança oficial. Pior, os jovens perseguiram os acólitos do Conde e do Presidente, faltando pouco para a eclosão de uma tragédia.
Em defesa da comitiva oficial e da monarquia levantou-se a voz, praticamente solitária, de Manoel Benício dos Passos, figura popular, poeta menor, que, de bizarro na aparência e nos seus extravagantes modos, havia recebido do povo o apelido de “Macaco Beleza”.
O ato enérgico instintivo de Manoel, quase de bravura, evitando uma confrontação de consequências imprevisíveis, chamou a atenção do Conde que, agradecido, fez chegar ao Presidente o seu desejo de contar com a participação daquele seguidor do Império, no Palácio do Governo, naquela mesma noite, entre os convivas, na festa de confraternização que ali ocorreria com a presença da alta baiana. Como era impossível demover o Conde daquele insano desiderato, acolher um homem do povo! especialmente, “Macaco Beleza”, cuja fama não era das melhores, nas dependências oficiais, tratou o governante de avisar ao convidado de última hora que procedesse com bons modos, discrição e tato durante a entrevista que fatalmente ocorreria entre o convidador e o convidado, pois do contrário, após a partida do nobre visitante, ele se encarregaria de exemplá-lo com todo rigor.
Iniciada a festa e as apresentações do Conde aos convivas, adianta-se “Macaco Beleza”, curva-se respeitosamente ante o Presidente e, numa reverencia cerimoniosa, saúda o Príncipe Gastão de Orleans, marido da Princesa Izabel, seu anfitrião, com o seguinte epigrama:
“Manoel Benício dos Passos
Vulgo “Macaco Beleza”
Escravo da Monarquia
E servo de V. Alteza”.
Imediatamente, dirigindo-se à autoridade que pouco antes o admoestara, segreda-lhe:
- “Está vendo V. Excelência? Nesta terra até os capadócios sabem ser corretos nas horas precisas. Senhor doutor, baiano burro nasce morto”.
Do episódio, restou esta frase que não só o imortalizou, mas que se tornou o adágio popular mais conhecido da generosa gente baiana.
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