Texto revisado e
acrescido por Luz Carlos Facó
Era Orfeu
segundo uma versão, filho de Oedagro, rei da Trácia, e da musa Calíope, e,
segundo outra, do deus Apolo e da musa Clio. Tornou-se hábil músico e, ao som
de sua cítara (presente de Apolo ou
Mercúrio), as próprias feras ficavam
mansas, as aves silenciavam, os rios paravam seu curso e as árvores dançavam ao
seu ritmo. Diziam que se valera da música para fazer os trácio abandonarem seus
hábitos selvagens. Fez parte da expedição de argonautas. Empreendeu longas
viagens pelo mundo antigo. Os gregos atribuíam a ele a introdução de vários
cultos exóticos, como o de Baco, de Hácate Ctônia e de Ceres, além da criação
dos mistérios órficos.
Abstinha-se
Orfeu de comer carne e condenava o uso de ovos, persuadido de que o ovo era o
princípio de todos os seres. O que, porém, lhe conferiu grande repercussão
literária foi a lenda do profundo amor que dedicava a Eurídice, sua noiva. No
dia do himeneu (do casamento, do rompimento do hímen), a amada morre.
Desesperado Orfeu resolve descer aos infernos e procurá-la entre os mortos. Com
sua lira, desceu pelo Tenaro até às águas do Estige e, pela doçura do seu canto
e pelo som melodioso da sua música, conseguiu tornar sensíveis à sua dor os
deuses infernais. Plutão e Prosérpina, emocionados, permitiram que ele levasse
de volta à vida sua noiva, mas impuseram uma condição: enquanto estivesse nos
limites dos infernos, não poderia, embora a guiando, sequer contemplá-la. Assim
combinado, partiu Orfeu, seguido de Eurídice, pelos escarpados caminhos
infernais. A curiosidade, porém, atiçava o seu desejo de rever a bem-amada;
não
resistindo àquela compulsão, voltou-se e a viu, mas pela última vez. Eurídice rolara pela
escarpa, desaparecendo para sempre nas profundezas do abismo. Dai para adiante,
foram vãs suas súplicas aos deuses pare revê-la. Eles foram inflexíveis na
negativa. E Orfeu teve que retornar sozinho, desgraçadamente, ao mundo dos
vivos.
De volta à
Trácia, não cessava o herói de cantar e chorar a sua desdita ao som da lira. Em
vão procuravam as mulheres oferecer-lhe um novo amor, mas ele se recolhia
sempre à lembrança de Eurídice. Conta-se
que, durante uma orgia, as tracianas, humilhadas, pelo desprezo que Orfeu lhes
devotava, o esquartejaram, atirando sua cabeça no Rio Hebro, que desapareceu carregada
pela forte correnteza de suas águas. Levada, a cabeça de Orfeu rolava sobre as
águas e os seus lábios continuavam a repetir o nome de Eurídice. Por fim
carregada pelo rio até o mar, foi à cabeça de Orfeu ter à Ilha de Lesbos. Seus
gemidos continuavam a reboar pelas praias. Uma serpente a quis picar, mas Apolo
a impediu.
O crime das
mulheres da Trácia não ficou sem punição. Ela veio em forma de peste que
assolou o país. Consultado um oráculo, respondeu ele que o flagelo só se
extinguiria no dia em que fossem prestadas as honras fúnebres à cabeça de
Orfeu. Coube a um pescador encontrá-la, ainda com a sua beleza intata, na
embocadura do rio Meles, na Jônia. Trazida para um templo, então erguido em sua
honra, Orfeu foi venerado como um deus. Nele, entretanto, foi proibida a
entrada de mulheres.
Os habitantes
de Dium, na Macedônia, vangloriam-se do fato de Orfeu ter lá morrido, apontando
a existência do seu túmulo no local. Afirmavam que ele havia aperfeiçoado
a cítara,
acrescentando-lhe além das sete, mais duas cordas. Sustentam ainda ter sido ele
o criador do verso hexâmetro.
Pintores e
escritores se debruçaram sobre este amor em todos os cantos do mundo. No Brasil
o tema foi especificamente tratado pelo poeta Vinícius de Morais, em sua peça Orfeu da Conceição, transposta para o
cinema sob o título de Orfeu no Carnaval.
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