quinta-feira, 19 de junho de 2014

ALBERTO NEPOMUCENO




Um dos compositores mais importantes do Brasil

                                                                                  Por Bruno Hoffmann




Sua música era a língua portuguesa

Hoje parece natural o brasileiro cantar em seu idioma. Mas o maestro cearense precisou enfrentar preconceitos e ironias quando resolveu aportuguesar a música erudita nacional. Agitador cultural nato, não fugia das brigas em nome de seus ideais e convicções. “É o compositor mais intimamente nacional”, defendia Mário de Andrade.

A crítica musical estava em polvorosa em 1895. Tudo porque o maestro Alberto Nepomuceno apresentara no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro uma série de canções operísticas em que trazia uma novidade: as letras eram cantadas em português. Era quase um insulto acomodar a língua nativa em um meio tão sofisticado. O maestro então disparou a frase definitiva: “Não tem pátria um povo que não canta em sua língua”.

Definitiva? Não para todos. Um dos mais ferozes oponentes da novidade era o temido crítico de arte Oscar Guanabarino. Defensor de que o português não era apropriado ao bel canto italiano, travou uma batalha na imprensa contra o aportuguesamento proposto por Nepomuceno. Entre outras observações irônicas, dizia que o maestro era “adversário da música italiana”, “muito pretensioso” e que “estava longe de ser original”, já que outros compositores haviam feito a mesma coisa. Foi apenas uma das polêmicas que precisou combater na vida.

Hoje pode soar absurdo, mas Nepomuceno também teve que enfrentar a opinião pública para incentivar o genial Heitor Villa-Lobos. Viu-se no meio de embates quando resolveu pôr ritmos populares em óperas e quando apoiou gente como Catulo da Paixão Cearense. Mas nunca fugiu de uma briga.


Olavo Bilac e Machado de Assis


Cearense nascido em 6 de julho de 1864, Nepomuceno tornou-se músico por influência do pai, violonista e mestre de bandas em Fortaleza. Ainda criança, a família mudou-se para o Recife, onde passou a adolescência entre estudos de piano e violino e reuniões com grupos de intelectuais da cidade – principalmente os alunos da Faculdade de Direito. Essa convivência o despertou para as causas republicanas e abolicionistas.

Aos 18 anos, já assumia a direção dos concertos do Clube Carlos Gomes do Recife. E alimentava o desejo profundo de estudar música na Europa. Não era incomum que músicos de seu nível recebessem bolsas para estudar no Velho Continente. Mas seu pedido foi indeferido pelo governo imperial. Suas atividades políticas eram malvistas.

Decidiu então mudar-se para o Rio de Janeiro. Se o Recife era efervescente, a capital federal o lançou ainda mais nas discussões políticas e estéticas. Começou a se aproximar de poetas e escritores da cidade. Tornou-se, inclusive, parceiro de alguns deles, ao musicar seus versos. E eram parceiros da pesada. Com Olavo Bilac, compôs Numa Concha; com Machado de Assis, Coração Triste. Em 1887 – portanto, um ano antes da abolição da escravatura – produziu a Dança dos Negros, provavelmente a primeira composição a usar ritmos afro-brasileiros na música nacional.

Mas a intenção de estudar na Europa permanecia. Organizou recitais e fez uma turnê no Nordeste para reunir fundos. Três anos após a chegada ao Rio, conseguiu, enfim, embarcar para o Velho Continente. Esteve na Itália, Alemanha, França, Noruega. Nas férias de estudos, seguiu para Viena unicamente para assistir a concertos de Brahms. Na volta, em 1895, sentiu que estava preparado para fazer uma pequena revolução na música brasileira.


Intimamente nacional.

Foi na volta ao Brasil que Nepomuceno preparou a histórica apresentação no Instituto Nacional de Música. Nunca mais abandonaria o projeto de abrasileiramento da música nacional. Em 1904, lançou o que seria considerada a primeira ópera verdadeiramente brasileira, O Garatuja, inspirado no livro homônimo de José de Alencar. Até ritmos populares estavam presentes, como maxixe, lundu, polcas e tangos. Como nove anos antes, não faltou quem torcesse o nariz. Inclusive o próprio Guanabarino, que escreveu: “Apareceu também a chula (dança característica do Recôncavo Baiano), que os palhaços dançam nos circos de feira, dando um tom baixo e ordinário. Os fins musicais devem ser mais elevados”.

Nessa época também dirigia a Associação de Concertos Populares, com o objetivo de promover e incentivar novos compositores. Houve – como era comum – quem o ironizou ao convidar o músico popular Catulo da Paixão Cearense para fazer um recital ao violão no Conservatório de Música, considerado um templo da música europeia. O sucesso, porém, foi retumbante. Ouviu chiadeira até quando resolveu ajudar a carreira do jovem Heitor Villa-Lobos. Nepomuceno o admirava tanto que exigia que as edições de suas próprias obras contivessem na contracapa alguma partitura do jovem músico. “Eu não teria escrito minhas canções sem Nepomuceno”, disse Villa-Lobos, tempos mais tarde, também marcado por temas nacionalistas.

O maestro e agitador cultural deixou para a posteridade mais de 200 obras. E, entre tantos críticos, o tempo lhe deu muito mais admiradores. Para o jornalista Rodrigues Barbosa, Nepomuceno “é o fundador da música brasileira”. Já Mário de Andrade dizia que “dentre todos os compositores de sua geração, é o mais intimamente nacional”. O coração de Alberto Nepomuceno parou de bater quando tinha apenas 56 anos. “Quando viu que estava morrendo, começou a cantar”, disse um amigo próximo. Certamente, em português.

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