sábado, 25 de outubro de 2014

A BORRALHEIRA

Antônio de Castro Alves*



Meigos pés pequeninos, delicados,
Como um duplo lilás, se os beija-flores
Vos descobrissem entre as outra flores
Que seria de vós, pés adorados!

Como dois gêmeos silfos animados,
vi-vos ontem pairar entre os fulgores
do baile, ariscos, brancos, tentadores,
nas, ai de mim! como os mais pés, calçados.


Calçador como os mais! Que desacato!
Disse eu... Vou já talhar-lhes um sapato
Leve, ideal, fantástico, secreto...

Ei-lo. Resta saber, anjo faceiro,
Se acertou na medida o sapateiro:
Mimosos pés, calçai este soneto.

·         A. C. A. – Salvador BA., 1847-1871) estudou o Direito primeiro em Pernambuco e depois em São Paulo. Exerceu grande influência sobre o espírito da mocidade acadêmica do seu tempo, fazendo sempre vibrar a nota livre e generosa em todas as questões; assim foi um dos mais pronunciados abolicionistas, ainda antes que do abolicionismo se fizesse o lema de um grupo de ação. Padecem muito de seus versos da ênfase peculiar à chamada escola condoreira, que partindo da imitação hugoana, decaiu em puro gongorismo; porém a muitas de suas composições não se podem reclamar sentimento e levantados voos líricos. A melhor edição de suas obras, publicada em 2 volumes se deu em 1921. Devemos tal iniciativa ao imortal Afrânio Coutinho – conterrâneo do poeta – que a prefaciou e anotou, opondo-lhe preciosa e completa bibliografia.

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