Geologia
'Science' fala de achado nos Andes que pode mudar o que se sabe da
história do planeta
As obras de ampliação do canal do Panamá permitiram analisar estratos
com minerais que foram rastreados até chegar aos Andes colombianos. / DAVID FARRIS
As duas
Américas se transformaram em uma muito antes do que se acreditava. A união pelo
que hoje é o Panamá aconteceu há cerca de 13 milhões de anos e não
3,5 milhões, como acreditava a comunidade científica. Uma pesquisa de geólogos
colombianos datou as rochas encontradas nos Andes nessa data e eles afirmam que
só podem proceder do istmo que, portanto, já teria emergido. Se esse atraso for
confirmado, os livros de ciência terão de reescrever o que se sabe sobre a
primeira glaciação da era atual ou a grande migração de espécies que ocorreu
entre as duas Américas.
A teoria
mais aceita sobre a data na qual os continentes americanos se uniram sustenta
que um processo iniciado há cerca de 20 milhões de anos se completou há 3,5
milhões. O jogo entre a placa do Caribe, a Sul-americana e a Norte-americana
foi salpicando o mar que separava as duas Américas de um mosaico de ilhas. A
partida culminou com a emersão de uma faixa de terra que separou para
sempre as águas do Pacífico das do Atlântico.
A união americana explica muitas coisas que
ocorreram desde então. Como testemunha o registro fóssil, é desde essa data que
aconteceu o chamado Grande Intercâmbio Americano: muitas espécies de
vertebrados migraram de um continente para outro. Várias pesquisas
mostram, além disso, que a partir de então as espécies e sedimentos marinhos
dos atuais Pacífico e Caribe começam a se diferenciar. Há quem, inclusive,
afirme que a atual era de glaciações se inicia com a separação dos mares. A
emersão do istmo teria intensificado a circulação oceânica no Atlântico e o
Pacífico que, em um complexo processo, fez com que os gelos se expandissem ou
retraíssem do hemisfério norte de forma periódica. A última dessas retrações
permitiu a expansão do homem moderno.
O mineral zircônio encontrado
nos Andes colombianos tem uma relação de urânio e chumbo similar à das amostras
obtidas no Panamá
“É uma
hipótese muito elegante, mas, se o fechamento ocorreu muito antes, deveria ser
revisada”, disse o professor da Universidade dos Andes (Colômbia), Camilo
Montes. O paleogeógrafo, ao lado de pesquisadores de outras universidades
colombianas, encontrou provas que lhes permitem antecipar o fechamento para 10
milhões de anos antes, na era geológica conhecida como Mioceno Médio. “Sabemos
que haverá muita discussão e que vão bater de todos os lados”, reconhece Montes
que, no entanto, acredita na força de sua descoberta.
Esses
geólogos colombianos aproveitaram as obras de ampliação do Canal do
Panamá para procurar nos estratos mais antigos uma pedra, o zircônio. Este
mineral metálico tem duas particularidades. De um lado, é muito resistente à
meteorização, portanto sua erosão é muito lenta. Além disso, se apresenta com
pequenas quantidades de urânio. O processo de decaimento do urânio (de um
isótopo radiativo para outro) até se transformar em um estável de chumbo é
conhecido e é uma das bases da geocronologia.
No vale do
Cauca (Colômbia) se encontraram sedimentos procedentes do arco do Panamá (ao
fundo) com 15 milhões de anos de idade. / CARLOS ARMANDO ROSERO
Como é
mostrado na revista Science, a partir do canal foram indo cada
vez mais para o sul, realizando perfurações e amostragens até chegar ao flanco
ocidental da Cordilheira Central colombiana, onde acabam os Andes. Foram
encontradas amostras de zircônio que não poderiam ser originárias dessa região
e “em camadas de cerca de 15 milhões de anos e não nas de 3,5 milhões de anos”,
comenta Montes. “O mais provável, quase certo, é que venham do Panamá”,
acrescenta.
Na verdade,
depois de submeter as diferentes amostras à desintegração por laser e sua
análise por um espectrômetro de massas, a relação de isótopos de urânio e
chumbo entre as obtidas no Panamá e as colombianas conclui que o zircônio de
ambas tem a mesma origem. Para os pesquisadores, esse mineral chegou até a
Colômbia arrastado por antigos rios em um longo processo de erosão. E, claro,
para que haja um rio antes deve haver uma terra sobre a qual ele corra e essa
terra não pode ser outra que não o istmo do Panamá.
A grande
migração animal
Se essa
antecipação de pelo menos 10 milhões de anos na união das duas Américas for
confirmada, a nova data questiona muito do que a ciência dava por certo até
agora. A hipótese elegante dos 3,5 milhões de anos e sua conexão com a grande
migração de espécies entre os dois continentes se enfraquece. É o que acontece
também com sua relação com a mudança climática que trouxe as
glaciações com o fechamento do istmo. Se aconteceu muito antes, por que os
animais esperaram milhões de anos para atravessar o Panamá?
“A resposta
é muito simples, o fechamento do canal marítimo não desempenhou nenhum papel na
mudança climática”, afirma o professor de geologia da Universidade do Colorado
em Boulder (EUA), Peter Molnar. Ainda que tenha havido espécies de vertebrados
como camelídeos, parentes dos caititus ou grandes felinos que foram do norte ao
sul e antecessores do bicho-preguiça e até plantas que imigraram para o norte
antes dos 3,5 milhões de anos, a grande migração aconteceu depois dessa data.
O intercâmbio de espécies de
3,5 milhões de anos atrás estaria relacionado com uma glaciação e não com a
união dos dois continentes
Para
Molnar, a união das duas Américas foi um requisito necessário, mas não
suficiente. Na realidade, pode ter sido o frio da glaciação que teve início
naquele tempo o que produziu a dispersão. “O Grande Intercâmbio Americano é
totalmente consequência da mudança climática. Durante as idades do gelo, os
trópicos esfriam e secam. Os animais que atravessavam viviam em savanas. Eles
deviam cruzar o que é hoje o Panamá. Cruzaram porque o clima tinha mudado a
vegetação e a barreira climática mudaram por completo”, explica. E o ciclo de
glaciações do Quaternário (período atual) coincide com a explosão de registros
fósseis, não com o fechamento do canal marítimo.
De uma
tacada, Montes e seus colegas desmontam três das bases da história geológica.
No entanto, os defensores da teoria original se mostram bastante céticos com
essas conclusões. Um dos guardiões da data dos 3,5 milhões de anos é o
norte-americano Anthony Coates, pesquisador do Instituto Smithsonian de
Pesquisa Tropical. Coates dedicou boa parte de sua vida a pesquisar a união
entre os continentes americanos e não se convenceu dos argumentos de Montes.
“Inclusive
mesmo que o zircônio tenha se transferido como eles dizem, e há sérias dúvidas
sobre a história de que proceda de um proto-Panamá, trata-se de uma região
relativamente pequena da Colômbia e isso não descarta que as demais centenas de
quilômetros do istmo tiveram vias marinhas como acontece no arco indonésio
atual, que nós acreditamos ser uma boa comparação com a América Central de
cerca de 10 ou 15 milhões de anos”, diz Coates por e-mail. Ou seja, sem negar
que pudesse haver desde então alguma conexão, seria mais na forma de
arquipélago do que de uma grande faixa de terra.
Montes replica que
as amostras do ocidente colombiano que foram analisadas procedem de várias
regiões do arco panamenho: “A única forma de explicar isso é ter um rio
principal que conectasse boa parte do istmo”.
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