Publicado em sociedade por Nubia
Soares,
em obviusmagazine
“Catarse
em mesa de bar. Vodka é a nova fluoxetina.”
É preciso estar feliz sempre ou pelo menos parecer. Gente feliz é
vencedora, gente feliz não enche o saco, gente feliz capta energias positivas
para aumentar ainda mais a sua felicidade. Gente feliz muda o mundo conduzindo
as pessoas aos dez mandamentos das pessoas felizes. Gente feliz é outra coisa,
não você.
Um dado perturbador
para você: até o final da leitura deste texto dezenas de pessoas terão se
suicidado ao redor do mundo.
A
Organização Mundial de Saúde estima que 1 milhão de pessoas por ano decidem
colocar fim à própria vida. No Brasil são aproximadamente 25 pessoas por dia,
sendo que esse número tem aumentado entre jovens de 19 a 25 anos, sendo a
terceira maior causa de morte nesta faixa etária, precedido apenas de acidentes
e homicídios.
O CVV,
Centro de Valorização da Vida, analisa que 17% dos brasileiros já pensaram em
suicídio e que 4,8% já chegaram até a arquitetar algum plano para chegar ao seu
intento. Triplicando o número de mortes podemos chegar, segundo a ONG, ao
número de tentativas.
Trata-se de
um problema grave de saúde pública ao qual não é dada a devida atenção. O
assunto ainda é um tabu, seja pelas questões religiosas envolvidas, seja pelo
medo de, ao falar sobre, incitar sofredores de plantão a pensarem no assunto. É
preciso desmitificar a dor psíquica e tratar o sofrimento alheio com o devido
cuidado.
Mas o que
causa essa dor tamanha que é capaz de fazer o indivíduo abrir mão da própria
existência? É excesso de coragem diante da morte ou covardia extrema diante da
vida?
Inquietante
não haver respostas para essas perguntas. Cada caso carrega suas peculiaridades
e pelo menos uma dezena de pessoas envolvidas, algumas com sentimento de culpa,
outras insistindo que o suicida poderia ter “tentado um pouco mais”, qualquer
que seja o ônus desta tentativa diante da vida que o cidadão levava.
Mais que um
problema de saúde pública, acredito ser um problema moral, ético e existencial.
Como estamos tratando as nossas mazelas diárias? Como estamos lidando com o
sofrimento do outro?
Tenho
impressão que essa moderna busca desenfreada pela felicidade tem levado as
pessoas à loucura!
Porque, de
repente, vivemos um tempo e espaço onde a tristeza virou patologia e, se esta
vier atrelada a um desejo de introspecção, você vira alvo de preocupação,
curiosidade e pena.
É permitida
a tristeza de um ou dois dias por um acontecimento trágico – e entenda por
tragédia a morte de um ente querido, a descoberta de uma doença grave (de
preferência, fatal!), a perda de um membro... Fora isso, os pequenos
desconfortos diários devem ser relevados. É sua obrigação com a sociedade
passar por cima de coisas “tão pequenas” como o afastamento de pessoas amadas,
angústias existenciais, dúvidas sobre a carreira, decepções, fracassos e
perspectivas futuras nebulosas. Releve tudo. Sorria e acene como os pinguins de
Madagascar.
Segundo a
psicanalista Maria Rita Kehl, “a sociedade não criou espaços para se viver em
sofrimento”. É triste alguém não poder se apresentar conforme seu estado
emocional, sacrificar todos os dias a possibilidade de dizer como realmente se
sente e, assim, buscar uma corda para subir do fundo do poço, esse sufoco
angustiante de travar as lágrimas que o fará amarrar a mesma corda no pescoço.
É preciso
estar feliz sempre ou pelo menos parecer. Gente feliz é vencedora, gente feliz
não enche o saco, gente feliz capta energias positivas para aumentar ainda mais
a sua felicidade. Gente feliz muda o mundo conduzindo as pessoas aos dez
mandamentos das pessoas felizes. Gente feliz é outra coisa, não você.
Somos
bombardeados todos os dias nas redes sociais com as mais criativas formas de
ostentação da felicidade: fotos de férias, declarações de amor eterno, frases
de sucesso e superação. Ninguém parece sofrer, são todos ricos em empregos e
casamentos perfeitos.
Milhares de
pessoas fabricam todos os dias a felicidade numa tentativa de convencer o mundo
e a si mesmas que a vida vale a pena. Pior, que a vida só vale a pena nessa
felicidade comercial de margarina.
Quanta
angústia deve se esconder atrás da foto daquele prato saboroso. Quantas
lágrimas serão enxugadas na barra do vestido depois daquela festa “só com os
melhores”. Quantos gritos serão sufocados no travesseiro quando a solidão vier
à tona depois daquela noite repleta de pessoas especiais marcadas nas
publicações “facebookianas”. Quanta frustração por trás do “check-in” diário no
melhor emprego do mundo!
Não são
raras as vezes que recorremos aos psico-doutores em busca de pílulas de
felicidade, confundimos uma tristeza temporária (ainda que em tempo prolongado)
com desequilíbrio bioquímico e vivemos na dependência de receitas controladas
que colorem nossas vidas.
É preciso
entender a tristeza como algo inerente à existência, vivê-la e permitir que
nossos próximos a vivam sem julgamentos perversos acerca de como esse ou aquele
fato é banal e precisa ser superado rapidamente. Se não puder estender a mão,
oferecer um colo, um carinho, apenas deixe o outro em paz, por caridade.
O delírio
coletivo da felicidade a qualquer custo ainda há de afogar muita gente em gotas
de lágrimas misturadas à água quente do chuveiro.
Enquanto a
dor e o sofrimento não tiverem o merecido respeito e atenção, os infelizes
peixes fora d´água dessa sociedade “feliz” acabarão na mais completa solidão
desejando para si mesmos uma doença terminal ou ainda, nos casos extremos,
arquitetando seu ato final numa aparente alegria em que todos acharão que
finalmente, com ajuda do divino, ele está superando.
E acabamos
de perder mais um!
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