terça-feira, 5 de maio de 2015

SUICÍDIO, DOR E FELICIDADE

Publicado em sociedade por Nubia Soares,
em obviusmagazine

 “Catarse em mesa de bar. Vodka é a nova fluoxetina.”

 É preciso estar feliz sempre ou pelo menos parecer. Gente feliz é vencedora, gente feliz não enche o saco, gente feliz capta energias positivas para aumentar ainda mais a sua felicidade. Gente feliz muda o mundo conduzindo as pessoas aos dez mandamentos das pessoas felizes. Gente feliz é outra coisa, não você.


Um dado perturbador para você: até o final da leitura deste texto dezenas de pessoas terão se suicidado ao redor do mundo.
A Organização Mundial de Saúde estima que 1 milhão de pessoas por ano decidem colocar fim à própria vida. No Brasil são aproximadamente 25 pessoas por dia, sendo que esse número tem aumentado entre jovens de 19 a 25 anos, sendo a terceira maior causa de morte nesta faixa etária, precedido apenas de acidentes e homicídios.
O CVV, Centro de Valorização da Vida, analisa que 17% dos brasileiros já pensaram em suicídio e que 4,8% já chegaram até a arquitetar algum plano para chegar ao seu intento. Triplicando o número de mortes podemos chegar, segundo a ONG, ao número de tentativas.
Trata-se de um problema grave de saúde pública ao qual não é dada a devida atenção. O assunto ainda é um tabu, seja pelas questões religiosas envolvidas, seja pelo medo de, ao falar sobre, incitar sofredores de plantão a pensarem no assunto. É preciso desmitificar a dor psíquica e tratar o sofrimento alheio com o devido cuidado.

Mas o que causa essa dor tamanha que é capaz de fazer o indivíduo abrir mão da própria existência? É excesso de coragem diante da morte ou covardia extrema diante da vida?
Inquietante não haver respostas para essas perguntas. Cada caso carrega suas peculiaridades e pelo menos uma dezena de pessoas envolvidas, algumas com sentimento de culpa, outras insistindo que o suicida poderia ter “tentado um pouco mais”, qualquer que seja o ônus desta tentativa diante da vida que o cidadão levava.
Mais que um problema de saúde pública, acredito ser um problema moral, ético e existencial. Como estamos tratando as nossas mazelas diárias? Como estamos lidando com o sofrimento do outro?
Tenho impressão que essa moderna busca desenfreada pela felicidade tem levado as pessoas à loucura!
Porque, de repente, vivemos um tempo e espaço onde a tristeza virou patologia e, se esta vier atrelada a um desejo de introspecção, você vira alvo de preocupação, curiosidade e pena.
É permitida a tristeza de um ou dois dias por um acontecimento trágico – e entenda por tragédia a morte de um ente querido, a descoberta de uma doença grave (de preferência, fatal!), a perda de um membro... Fora isso, os pequenos desconfortos diários devem ser relevados. É sua obrigação com a sociedade passar por cima de coisas “tão pequenas” como o afastamento de pessoas amadas, angústias existenciais, dúvidas sobre a carreira, decepções, fracassos e perspectivas futuras nebulosas. Releve tudo. Sorria e acene como os pinguins de Madagascar.
Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, “a sociedade não criou espaços para se viver em sofrimento”. É triste alguém não poder se apresentar conforme seu estado emocional, sacrificar todos os dias a possibilidade de dizer como realmente se sente e, assim, buscar uma corda para subir do fundo do poço, esse sufoco angustiante de travar as lágrimas que o fará amarrar a mesma corda no pescoço.
É preciso estar feliz sempre ou pelo menos parecer. Gente feliz é vencedora, gente feliz não enche o saco, gente feliz capta energias positivas para aumentar ainda mais a sua felicidade. Gente feliz muda o mundo conduzindo as pessoas aos dez mandamentos das pessoas felizes. Gente feliz é outra coisa, não você.
Somos bombardeados todos os dias nas redes sociais com as mais criativas formas de ostentação da felicidade: fotos de férias, declarações de amor eterno, frases de sucesso e superação. Ninguém parece sofrer, são todos ricos em empregos e casamentos perfeitos.
Milhares de pessoas fabricam todos os dias a felicidade numa tentativa de convencer o mundo e a si mesmas que a vida vale a pena. Pior, que a vida só vale a pena nessa felicidade comercial de margarina.
Quanta angústia deve se esconder atrás da foto daquele prato saboroso. Quantas lágrimas serão enxugadas na barra do vestido depois daquela festa “só com os melhores”. Quantos gritos serão sufocados no travesseiro quando a solidão vier à tona depois daquela noite repleta de pessoas especiais marcadas nas publicações “facebookianas”. Quanta frustração por trás do “check-in” diário no melhor emprego do mundo!
Não são raras as vezes que recorremos aos psico-doutores em busca de pílulas de felicidade, confundimos uma tristeza temporária (ainda que em tempo prolongado) com desequilíbrio bioquímico e vivemos na dependência de receitas controladas que colorem nossas vidas.


É preciso entender a tristeza como algo inerente à existência, vivê-la e permitir que nossos próximos a vivam sem julgamentos perversos acerca de como esse ou aquele fato é banal e precisa ser superado rapidamente. Se não puder estender a mão, oferecer um colo, um carinho, apenas deixe o outro em paz, por caridade.
O delírio coletivo da felicidade a qualquer custo ainda há de afogar muita gente em gotas de lágrimas misturadas à água quente do chuveiro.
Enquanto a dor e o sofrimento não tiverem o merecido respeito e atenção, os infelizes peixes fora d´água dessa sociedade “feliz” acabarão na mais completa solidão desejando para si mesmos uma doença terminal ou ainda, nos casos extremos, arquitetando seu ato final numa aparente alegria em que todos acharão que finalmente, com ajuda do divino, ele está superando.
E acabamos de perder mais um!


© obvious: http://obviousmag.org/nubia_soares/2015/04/suicidio-dor-e-felicidade.html#ixzz3ZAmN6kZV
Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook

Nenhum comentário:

Postar um comentário