CIÊNCIA: GENÉTICA
Dois estudos falam da chegada dos primeiros americanos da Sibéria há
15.000
anos
MANUEL ANSEDE
El País – o jornal globao, Facebook
Crânio de um pericú analisado no estúdio da revista 'Science'. / CRISTINA VALDIOSERA
É evidente
que Cristóvão Colombo não descobriu a América. Quando chegou com suas
caravelas, em 1492, ela já estava habitada de ponta a ponta. Os cientistas vêm
quebrando a cabeça há décadas para descobrir de quem foi a honra de ser o
primeiro a pisar no continente, e dois estudos novos agora lançaram luz sobre o
enigma. Um deles, liderado pelo geneticista Eske Willersly, da
Universidade de Copenhague (Dinamarca), detalha o itinerário seguido pelos
autênticos pais da América.
Os primeiros
valentes que ousaram explorar o continente partiram da atual Sibéria há, no
máximo, 23.000 anos atrás, durante o Último Máximo Glacial, uma época em que o
norte da Europa estava completamente coberto de gelo. Aqueles pioneiros, um
grupo de caçadores, teriam passado 8.000 anos isolados na Beríngia, uma ponte
de terra hoje submersa e convertida em um braço de mar entre a Sibéria e o
extremo noroeste da América, segundo o trabalho de Willerslev.
Depois
desse parêntese na Beríngia, a população de origem siberiana teria ido para a
América em uma única onda, avançando para o sul e separando-se em dois grupos
há cerca de 13.000 anos, coincidindo com o derretimento do gelo. Aqueles dois
ramos, dizem os cientistas, deram lugar a todas as diversas populações de indígenas
americanos que conhecemos hoje, com a exceção dos inuítes (esquimós). Publicado
na revista Science, o estudo de Willersley comparou os genomas de
110 pessoas da América, Sibéria e Oceania com os genomas de três esqueletos
ancestrais.
Povoamento
da América, segundo estudo da 'Science'. / RAGHAVAN ET AL.
Um desses
esqueletos pertenceu a um garoto que morreu 24.000 anos atrás em Mal’ta, um
sítio siberiano onde foram encontradas estatuetas talhadas em marfim de mamute.
Outros restos correspondem ao chamado menino de Anzick, que viveu no atual
Estado de Montana (EUA) há 12.600 anos e foi membro da cultura Clóvis, uma das
primeiras do continente. E o terceiro esqueleto, de 4.000 anos atrás, foi de um
paleo-esquimó da cultura de Saqqaq, uma das primeiras conhecidas na
Groenlândia.
Durante
quatro anos, 100 cientistas trabalharam com esses dados genéticos para
finalmente aclarar a identidade dos primeiros americanos e o caminho que
seguiram. Entre os pesquisadores estão Cristina Valdiosera e Richardo
Rodríguez Varela, do Centro Misto de Evolução e Comportamento da Universidade
Complutense de Madri. Os dois analisaram restos ósseos dos pericús, um povo que
habitou o sul da península de Baixa Califórnia (México) até que seus últimos
membros morreram, no século XVIII. Os pericús eram vistos como vestígio dos
primeiros americanos, por suas semelhanças cranianas e faciais com outros povos
asiáticos. Mas o novo estudo descarta essa hipótese.
Mas o ponto
final dado à controvérsia científica sobre os primeiros americanos não durou
nem um segundo. Ao mesmo tempo em que era publicado o estudo na Science,
outra equipe de cientistas anunciava conclusões diferentes na revista Nature.
Até alguns dias atrás, nenhum dos dois grupos tinha conhecimento da
coincidência.
Um dos estudos sugere que
tenha havido uma segunda onda de povoadores aparentados com grupos australianos
e melanésios
Dirigido
por David Reich, da Escola de Medicina de Harvard (EUA), o segundo estudo
analisou dados dos genomas de 30 populações de indígenas americanos e de 197
povos de outros continentes. Seus resultados mostram que “uma pequena parte”
—não mais que 2%— do DNA de algumas tribos amazônicas é originário de uma
população semelhante à dos indígenas australianos, de Papua Nova Guiné e das
ilhas indianas de Andaman.
A equipe de
Reich sugere que os primeiros americanos teriam chegado há mais de 15.000 anos
pelo estreito de Bering (a antiga ponte de terra de Beríngia) em duas ondas,
uma composta por siberianos e outra batizada de População Y, que carregava
genes de origem australo-asiática. Em 2012, o próprio Reich publicou na Nature
outro estudo que postulava três ondas de migração, no lugar de três. Os dois
grupos de cientistas estão trabalhando agora para tentar conciliar seus dados.
O estudo,
que sugere uma única onda migratória há 23.000 anos, também detectou em
indígenas sul-americanos alguns traços de material genético de povos
australianos e melanésios, mas não atribui importância a esses indícios, conforme
explica um de seus autores, Rasmus Nielsen, professor de Biologia Computacional
da Universidade da Califórnia em Berkeley. “Uma explicação possível é que a
conexão reflita um fluxo genético mais recente, talvez nos últimos 10.000 anos,
em lugar de fundamentar a hipótese de um vínculo entre os primeiros americanos
e os melanésios e australianos”, ele observa.
“As duas
pesquisas estão de acordo, de modo geral, em relação aos traços de australianos
e melanésios encontrados em alguns grupos de indígenas americanos e também
concordam que esses traços provavelmente não vêm de povos relacionados com
australianos ou melanésios que tenham migrado diretamente para a América”,
acrescenta Maanasa Raghavan, colega de Willersley na Universidade de
Copenhague. “Os dois estudos diferem mais em relação ao momento e à forma em
que essa onda chegou à América.”
Quanto às razões da
migração para outro continente, “tudo é especulação”, reconhece Nielsen. “Talvez
eles tenham migrado em busca de novos recursos, possivelmente grandes mamíferos
para caçar”, arrisca. Os primeiros americanos talvez não tivessem sangue
australiano, mas o que quase certamente tinham era fome.
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