No Brasil a convite da SP Arte Foto, Sarah
Meister falou sobre arte fotográfica e 'selfies'
CAMILA MORAES São Paulo 27 AGO 2015
El País – o
jornal global
Meister, curadora de
Fotografia do MoMA. / 99YS.COM /
REPRODUÇÃO
A fotografia conquistou seu lugar definitivo no mapa das artes, e o Brasil, seu
espaço no mapa mundial da fotografia. É o que defendeu a 9a edição da SP Arte Foto (17 a 23 de agosto), a maior feira de foto da América Latina,
voltada à difusão da produção brasileira e internacional junto ao público. Com
uma seleção de 31 expositores de cinco estados do país, incluindo galerias,
editoras e livrarias, o evento trouxe a São Paulo uma das maiores especialistas
no assunto: a curadora Sarah Meister, da equipe de fotografia do MoMA de Nova York – que tantos parâmetros ditam
no mundo sobre arte moderna.
Há 18 anos integrando o time
curatorial do MoMA, Sarah vem se aproximando do
Brasil e do resto da América Latina com a missão de captar os maiores talentos
regionais da fotografia. Já esteve em São Paulo e no Rio de Janeiro algumas
vezes para visitar as Bienais de Arte e, a partir de viagens cada vez mais
frequentes, está “construindo relações e um mapa mental próprio das artes
locais”. Assim, entre uma viagem e outra, cresce a lista de artistas
brasileiros do museu, que já conta um time de primeira: Thomaz Farkas, Gaspar
Gasparian, Rosângela Rennó, Vik Muniz, Claudia Andujar, Mário Cravo Neto, Sebastião Salgado e Alair Gomes, entre outros.
A curadora, mesmo rodeada de grandes nomes da fotografia artística, não
torce o nariz para o boom fotográfico que nos rodeia nos dias
atuais e inclusive se declara entusiasta das selfies – “desde que eram feitas com câmera analógica”. Defensora das
mulheres, “que na fotografia se expressam como em nenhum outro meio artístico”,
sabe bem que seu trabalho é diferenciar o que merece ir para a parede e o que
não: “Faz total diferença estar diante de uma fotografia emoldurada do que só
vê-la através de uma tela. Por isso, é essencial que os museus existam e as
colecionem, para que as pessoas sejam transformadas por elas – ainda que isso
soe ingênuo”.
Pergunta. Como é ser curadora de
fotografia em um dos museus mais cobiçados do mundo por tanto tempo?
Resposta. Nem em um milhão de anos
achei que eu ainda estaria no MoMA, 18 anos depois de entrar lá. Mas meu
trabalho continua mudando e me desafiando. Qualquer lugar em que você tem a
oportunidade de aprender tanto e expandir o que acha que sabe sobre a história
da fotografia ou qualquer outra coisa é um emprego de sorte. À medida que você
se desenvolve como curador, vai ganhando certa independência, o que é
maravilhoso. Tive a chance de organizar alguns projetos sozinha e outros em
parceria com meus colegas, e todos foram enriquecedores. Uma característica forte
da equipe do MoMA é não fazer as coisas pela metade. Você dá tudo de si, faz a
lição de casa e determina um patamar a ser alcançado com cada ideia, que seja
compreensível e ao mesmo tempo inspirador para o público.
P. A fotografia mudou nesses
anos incrivelmente. Há uma marca em especial que o museu deseja imprimir nessa
área?
C.M.
Braço da SP Arte, a maior feira de arte da América Latina, idealizada pela ex-advogada
carioca Fernanda Feitosa, a SP Arte Foto se tornou o principal palco
artístico da fotografia brasileira. Com a presença de 31 expositores de cinco estados do país em sua recém-finalizada
nona edição, o evento quer reconhecer a fotografia como base da produção
artística contemporânea e, com isso, vem evidenciando grandes fotógrafos
nacionais, do passado e do presente.
A missão é
reunir, em um único espaço, fotógrafos, galeristas e público final, num jogo
que trata de equilibrar negócios, formação e networking. Segundo
Fernanda Feitosa, ainda que tenha um mercado de arte jovem, que existe na
prática dos anos 50 para cá, o Brasil está no mapa mundial do setor, fotografia
incluída. Além de colocar seu grãozinho de areia, Fernanda acredita que “o
próprio tempo tem contribuído para isso, ao lado de uma maior comunicabilidade
graças à internet”.
Vivendo um
“período em que o Brasil está saindo da moda”, depois de anos em que a situação
era exatamente oposta, ela, que também responde pela curadoria da feira, diz
que usa sensibilidade para captar os trabalhos que julga mais relevantes.
Representados por suas respectivas galerias, foram exibidos na última edição os
brasileiros Christian Cravo, Cristiano Mascaro, Alair Gomes, Leonora de Barros,
Sofia Borges, Héctor Zamorra, Germán Lorca e vários outros expoentes nacionais.
Fernanda não teme a crise econômica já instalada no
país e acredita no potencial de São Paulo como a capital latino-americana do
mercado de arte. “Queremos transformar a cidade pela arte, assim como aconteceu
como outras capitais, como Miami e Instambul”, afirma. Para alcançar seu
objetivo, diz, ela prefere contar com medidas favoráveis ao negócio, “como a
queda de barreiras alfandegárias”, mais do que com um novo frenesi internacional
sobre o Brasil. Até porque ele não se deixa antever, ao menos não em um futuro
próximo.
R. Acho que não existe uma só
coisa que o MoMA queria fazer. Mas eu diria que, na grande exposição de
fotografia que produzimos para retratar novas conquistas na arte fotográfica,
incluindo nomes novos e antigos, domésticos ou internacionais, um dos objetivos
do curador-chefe do museu, Quentin Bajac, tem sido dar mais espaço aos
artistas. Tanto que essa exposição, que era anual, agora acontece a cada dois
anos. Com isso, queremos estar à altura dessas em mudanças na fotografia. Não é
possível captar em pouco tempo as novidades, essas novas fronteiras. Há tanta
prática contemporânea que precisa de calma para ser compreendida... Por isso,
Bajac reconhece que temos que dar a artistas que trabalham com fotografia,
reconhecendo-se como fotógrafos ou não, esse espaço.
P. Você esteve na SP Arte Foto
deste ano para falar sobre Brasil e América Latina no panorama da fotografia
mundial. Que retrato você faz da região nesse contexto?
R. Uma das coisas que
conversamos na feira é o que o MoMA tem feito com artistas brasileiros e
latino-americanos – ainda que, por mais orgulhosa que esteja do que já fizemos,
eu tenha total ciência de que há muito por fazer. Como museu, algo que nos
diferencia é querer realmente ampliar o diálogo que já existe e apoiar
continuamente essa produção, coisa que fazemos com um investimento que nossos
apoiadores reconhecem como essencial para ser uma instituição global. Dessa
maneira, não caímos no erro de olhar para uma obra de arte latino-americana e
dizer algo como “ah, isso parece algo feito em Nova York há 20 anos”. Queremos
entender as motivações e os fatores particulares que fazem com que cada
trabalho seja do jeito que é. Julgá-lo em seus próprios termos.
P. Em termos de estilo, é
possível falar em fotografia latino-americana?
R. Quanto mais estudo a
região, mais concluo que esse termo não faz nenhum sentido. Inclusive no
presente, em que os voos entre as capitais da América Latina são abundantes e
mais baratos do que eram no passado e a informação circula. Estou chocada como
a modernidade se constrói discretamente, em cada país, à sua maneira,
respondendo às suas próprias circunstâncias geográficas, políticas, históricas
e artísticas – mesmo em tempos de forte globalização. Temos nos esforçado para
viajar para descobrir o que faz da arte de cada lugar tão específica. Como no
caso do Chile, por exemplo, em que as diferentes manifestações artísticas são
tão ligadas à literatura, como poucos lugares no mundo. Para entender isso,
conversamos não só com os artistas, mas com escritores, curadores etc. Da mesma
maneira, não gosto de falar de fotografia nova-iorquina. Prefiro
falar em fotografia feita em Nova York, porque é uma maneira de celebrar a
diversidade do assunto.
P. Mas é possível falar em uma
qualidade patente, a seu ver, já que o número de fotógrafos latino-americanos
que fazem parte dos acervos do MoMA está crescendo?
R. Sem dúvida. E espero que
continue crescendo. Temos uma iniciativa de pesquisa no museu chamada CMIP, que
tornou possível para nós criar um fluxo talentos internacionais em todas as
áreas, não somente fotografia. Temos uma tradição maior em artes plásticas latino-americanas,
mas queremos que tudo converse e represente a região de uma maneira mais ampla,
além de construir uma rede. O MoMA é uma das raras instituições que apoia a
ideia pura de pesquisa, não pensando somente em pesquisar material para a próxima
exposição. Graças a isso, hoje posso dizer que tenho amigos de fato aqui em São
Paulo, com quem converso sempre e troco ideias.
P. O que você opina sobre o
fato de que hoje todo mundo é fotógrafo?
R. [Risos] Faço minha a frase
de um fotógrafo norte-americano chamado Philip-Lorca diCorcia, que disse:
“Fotografia é uma língua estrangeira que todo mundo acha que sabe falar”.
P. Isso não soa muito
tolerante.
R. Acho que você tem razão
[risos]. Em certo nível, todo mundo é fotógrafo e, ainda assim, se você realmente
acredita no potencial do meio, não há uma relação de um para um entre o que uma
foto retrata e o que ela significa. Esse entendimento da diferença entre o tema
de uma foto e a intenção artística por trás dela – que pode ter a ver com o
tema ou não – muda um pouco as coisas. Uma foto do meu cachorro no meu celular
opera em um nível diferente do que fazem fotógrafos com intenções artísticas
sérias, expressando-se através da fotografia. Dito isso, vivemos um ótimo
momento na fotografia, porque todos tiram fotos, e o tema está em voga. O bom é
que as pessoas também andam interessadas na materialidade da imagem, em sua
apresentação, em suas características físicas. Isso, a meu ver, está
relacionado com a enxurrada de imagens que vem às nossas telas nos dias de hoje
e que são materiais. Outra coisa que noto é um interesse dos jovens na história
da fotografia, em sua espinha teórica. Tudo isso me dá uma grande esperança
para o futuro, porque acredito na relevância da fotografia também como objeto
estético. Faz total diferença estar diante de uma fotografia emoldurada do que
só vê-la através de uma tela. Por isso, é essencial que os museus existam e as
colecionem, para que as pessoas sejam transformadas por elas – ainda que isso
soe ingênuo.
P. E as selfies?
Incomodam você?
Não acho
que as selfies sejam um mal em si. Meu marido brinca comigo dizendo que
tiro selfies desde que ele me conhece"
R. Há pessoas que fazem ótimas
selfies! Não vou negar, ainda que não seja uma delas. Fico feliz com
qualquer coisa que ajude as pessoas a se interessar pelo mundo ao seu redor. O
que me desanima é quando alguém nem olha para o lugar onde está e, em lugar
disso, caminha com um celular voltado para si para fazer uma foto. Vivi isso no
México no ano passado: duas meninas caminhando pelas ruínas astecas fazendo
foto de si mesmas e nem aí para as ruínas! É uma pena. É substituir o real
interesse nas coisas. Mas não tem que ser assim. Não acho que as selfies sejam
um mal em si. Meu marido brinca comigo dizendo que tiro selfies desde
que ele me conhece, desde a velha câmera analógica. Na minha vida pessoal, a
fotografia é uma maneira de recordar.
P. Voltando à fotografia
profissional, você adquiriu recentemente fotos do Alair Gomes, um dos destaques desta SP Arte Foto, para o MoMA.
O que atrai você no trabalho desse fotógrafo fluminense cujo trabalho, nos anos
70 e 80, continha grande carga erótica?
R. A primeira vez que eu
lembro de ter sido tocada por um entusiasmo generalizado com as fotos dele foi
na Bienal de São Paulo, em 2012. Lembro de ter conversado com um colega meu
sobre ele, e a ambos seu trabalho pareceu incrível. As impressões antigas dele são
bem difíceis de encontrar. Localizamos um colecionador de suas fotos no Rio de
Janeiro, e fui lá conversar com ele. Escolhemos uma, que era a que mais
queríamos adquirir para o museu, e ele gentilmente nos ofereceu uma segunda. O
Alair é um exemplo entre os brasileiros no MoMA, e esperamos ter muito mais.
P. O fotojornalismo brasileiro
tem fama de ser inovador. Você teve a oportunidade de conhecer trabalhos nessa
área?
R. Não. Conheço pessoas como
Germán Lorca, que era fotojornalista e também tinha um trabalho autoral. Estou
começando a entender como as duas coisas se relacionam, e sei que essas
separações entre o que são arte e o que não nem sempre se justificam. Estou
mais familiarizada com o que se convencionou chamar de fotografia artística –
pensada desde o começo com a intenção de ser arte –, mas as intenções do MoMA
vão muito além disso. Vejo as fotos do Marc Ferrez e penso para mim mesmo:
“Esse é o Eugène Atget do Brasil”. E ele fazia
fotos comerciais, muito boas por sinal, porém com essa ambição profissional.
Acho que você pode ser um fotojornalista e fazer boas fotos que encaixam em um
museu.
P. Por causa da presença da
câmera, a fotografia é uma arte que pode trazer surpresas, não?
R. Qualquer um pode chegar a
fazer ao menos uma boa foto. No MoMA, tendemos a não colecionar o trabalho de
artistas no início de carreira, tratando de observar primeiro aonde eles vão,
se o que fazem é parte de uma visão ou ambição mais ampla ou o que torna a
contribuição deles única. É um desafio. Acabo de ver o livro de fotos de um
pintor, cujos cliques no Instagram são maravilhosos. Vejo como uma exploração
pessoal, privada. É preciso estar num museu? Não sei. Mas isso não significa,
nem de longe, que não tenha valor.
P. O que você opina sobre a
presença de mulheres na fotografia, em relação a outras formas de arte, como a
literatura – em que há mais autores publicados do que autoras?
Você não
precisa de homens para compor um viés histórico da fotografia. Não há outra
arte capaz contar sua própria história exclusivamente pelo trabalho de artistas
mulheres. Só a fotografia"
R. Na minha opinião, a fotografia
é o meio artístico feminino por excelência. Fizemos uma mostra em 2010 no MoMA
chamada Pictures by Women – A history of modern photography [Fotografias feitas por mulheres
– Uma história da fotografia moderna]. Nela, percebi que não há outra arte
capaz contar sua própria história exclusivamente pelo trabalho de artistas
mulheres. Você não conta uma história da literatura só com obras de autoras,
infelizmente. Isso não significa que não haja ótimos fotógrafos homens. Mas
você não precisa deles para compor um viés histórico. Acho que isso se deve a
que as mulheres puderam ser fotógrafas, porque isso não era visto como algo que
ia contra a função feminina na sociedade. Até certo nível,
você quer ser cego em relação ao gênero de quem faz arte, porque você quer se
ater à obra. Por outro lado, fico animada quando vejo uma bela fotografia e
descubro que o autor é uma mulher que ainda por cima tem um trabalho incrível.
Como curadora, toda chance que eu tenho de valorizar o trabalho de uma
fotógrafa, eu abraço.
P. Você é fotógrafa, além de
curadora?
R. Eu era fotógrafa, até aprender o suficiente
sobre fotografia para deixar de ser. Entendi a diferença entre o que fazia e o
que artistas de verdade fazem. Trabalhar num lugar como o MoMA é uma
experiência de humildade. Você vive rodeado de obras de arte que inspiram as
pessoas. Faço meu trabalho, que é prestar atenção nisso.
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