Arquitetura
Publicado por Luís Pereira
“...quero acreditar que o homem tudo pode. Só não consegue mudar a sua
própria condição, de quem vai com Caronte. Só nos resta ouvir a prosa e a
poesia da "nossa Grécia".
A funcionar desde 1863, o
metropolitano de Londres foi o primeiro do mundo. Criado para amenizar o
trânsito intenso no período vitoriano, tornou-se parte de um património
histórico e artístico inglês. A sua história é feita de números, de fatos sem
paralelo e dos metropolitanos que lhe seguiram. O “Tube” conservou o histórico
no utilitário e reabilitou a malha cultural na malha urbana.
O Reino Unido vivia um período de
prosperidade económica e social quando foi tomada a decisão de construir um
sistema de metropolitano em Londres, sem paralelo no resto do mundo. Em plena
era vitoriana, o desenvolvimento da cidade corria o risco de ser limitado pelo
aumento substancial do tráfego automóvel na cidade e nas zonas periféricas. O
próprio transporte ferroviário já não era uma solução viável para a constante
necessidade de a população fugir ao trânsito e para complementar viagens.
Assim, foi na década de 1830 que a ideia de construir um metropolitano surgiu
pela primeira vez, no Reino Unido, mas só na década de 1850 é que tomou forma.
O primeiro metro a fazer história
A prosperidade do reino britânico (e do seu
Império) deveu-se ao período longo de paz que o país viveu (a "Pax
Britannica" - entre 1805, data da Batalha de Trafalgar, e 1870/71, data da
Guerra Franco-Prussiana), aos lucros obtidos com a expansão do seu Império, à
Revolução Industrial e ao surgimento de uma nova classe média, educada e
empreendedora. Não seria de estranhar o desenvolvimento de um metropolitano
como o proposto. O seu arranque, depois da decisão, ficou adiado por mais
alguns anos por falta de verbas. Após o início, o desenrolar do projeto
deveu-se à visão e intervenção de Charles Pearson, solicitador da empresa
financiadora, "City of London Corporation". Participou nos planos de
redefinição urbanística do traçado de Londres mas terá falecido antes de o
projeto ficar concluído. Nascia o metro de Londres que, a curto prazo, não
seria só um meio de transporte.
Mais do que um metropolitano
Tornou-se, principalmente, num marco
artístico, pelo traçado clássico do seu mapa (o diagrama inovador do metro de
Londres foi caracterizado por alguns como verdadeira arte urbana), pela
estrutura dos edifícios, mas também pelos "posters" publicitários. O
redesenho modernista e "art déco" já no século XX, que afetou muitas
estações de forma profunda, a presença de esculturas "avant-garde" de
artistas como Eric Gill e Henry Moore, os azulejos eduardinos nas estações não
primitivas da linha de Piccadilly ou de Bakerloo (apesar da necessidade de
manutenção que alguns azulejos tiveram), são alguns dos pontos de maior destaque.
Do mesmo modo, em 2010 foram encontrados "posters" propagandísticos
dos anos 50 do século passado (1956 a 1959), numa área restrita da estação de
Notting Hill, relacionados com empresas e com o lançamento público de filmes.
Os "posters", bem conservados e originais, deixaram de ser vistos
pelo público do quotidiano desde que o acesso encerrou nos finais dos anos 50.
A importância histórica e arquitetônica das estações viria a ser reconhecida e
classificada, oficialmente, pela "English Heritage", um conselho protetor
e promotor da cultura inglesa.
Pelas piores razões, o metro de Londres
acabou por servir de abrigo face aos bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial.
Foram ainda construídos túneis abaixo do nível das linhas metropolitanas para
proteção da população, apesar de, no início, o governo não ter promovido essa
solução. Viria a revelar-se uma forma célere e eficaz de fugir à tragédia.
Recursos básicos de sobrevivência foram disponibilizados para quem necessitasse
(WC's, camas e comida), fosse população local ou personalidades políticas do país.
Pode dizer-se que o reconhecimento dado ao
metro de Londres contribuiu para a recriação de uma cultura do povo. O Tube,
como é chamado, foi cenário de filmes e de séries de televisão, inspirou
músicas de bandas como os "The Jam" ou os "Amateur Transplants",
literatura (por exemplo em "V for Vendetta") e até jogos, como
"Mornington Crescent".
Um sistema inspirador
Alguns conceitos base do metro de Londres
estiveram depois na origem dos metros de outras cidades mundiais, como os de
Paris (1900), Nova Iorque (1904), Tóquio (1927), Osaka (1933) ou Moscou (1935).
Após esta primeira vaga, deu-se a generalização deste sistema de transporte.
Para além da sua utilidade prática, o metro
de Londres tornou-se um elemento de cultura: influencia-nos e educa-nos de
forma por vezes pouco visível, e o tempo consagra, agora, os seus materiais
como artísticos, dignos de destaque. A tipologia da sua rede, em malha
ortogonal, é fruto de um design urbano cada vez mais explorador e meticuloso na
forma como dirige as composições no terreno. É-se educado pelo hábito de se ser
transportado para dado destino predefinido na rede. A publicidade, a
arquitetura, a história, o reconhecimento público, levam ao usufruto e a
sentirmo-nos próximos dele.
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