Natureza
O mistério das rochas
deslizantes
Vista aérea da Racetrack Playa
O Parque Nacional do Vale da Morte, na Califórnia, Estados Unidos, é conhecido como uma área de extremos topográficos e climáticos.
Contém os pontos mais baixos (86 m abaixo do nível do mar) e as mais altas
temperaturas atmosféricas (57 °C) do Hemisfério Ocidental. No solo a
temperatura já chegou à marca de 54 °C registrada em Furnace Creek em 15 de julho de 1972. A
precipitação de chuva é de apenas 5 cm por ano. Nas ocasiões de chuva o afluxo
de água descido das montanhas no entorno pode criar um lago raso com uma lâmina
de água de até 25 cm de espessura, que logo evapora. Ocasionalmente ocorre
precipitação de até 30 cm de neve e
se forma gelo na água, quando ela existe, podendo chegar a uma espessura de 8
cm.
A Racetrack Playa é uma planície elevada a 1.131 m de altitude, com uma cadeia
montanhosa circundante (Cadeia Panamint) que chega a 1.710 m. A área do lago
localiza-se no centro de uma bacia hidrográfica fechada com cerca de 180 km². A
superfície da playa é quase perfeitamente plana e quase sempre
seca, coberta de lama solidificada e fragmentada em polígonos irregulares. Tem
cerca de 4,5 km de comprimento norte-sul e cerca de 2 km de largura
leste-oeste. Ventos fortes são comuns, na direção norte-sul.
As rochas encontradas na área da playa se
originam das colinas dolomíticas do entorno, embora algumas sejam de sienito e feldspato. São encontradas a distâncias de até milhares de
metros de sua fonte, com rastros atrás de si marcados na lama seca que sugerem
um movimento por tração.
Os rastros variam em extensão e direção, alguns
mostram linhas quase retilíneas, ou curvas suaves, outros têm angulações
abruptas e irregulares. A direção predominante é sul/sudeste - norte/nordeste,
consistente com os ventos dominantes da área e sugerindo a força eólica como causa
do fenômeno. A natureza dos rastros indica que o movimento se dá quando a
superfície da playa está saturada de umidade, mas não profundamente
inundada. São marcas efêmeras que não sobrevivem à próxima chuva, embora os
rastros mais profundos possam perdurar por alguns anos.
Registros informais populares e estudos científicos
sobre este fenômeno se multiplicaram no século XX, mas não se sabe quem primeiro o observou. O
primeiro registro escrito conhecido é de McAllister and Agnew, que em 1948 publicaram
um artigo no Geological Society of America’s Bulletin, sugerindo
que a causa do movimento das rochas era os ventos. Outras pesquisas se
seguiram, com mapeamento da área, medições e contagem dos rastros e das pedras,
e de outras características geológicas. Especulou-se sobre várias causas
possíveis, como tectonismo, anomalias magnéticas, correntes de água e inundações, formação de boias
de gelo em torno das pedras, e interferência humana.
A maior parte dos estudiosos aponta o vento atuando
sobre uma superfície de lama fresca como a causa principal do
movimento das rochas. George Stanley (1955)
considerou que os ventos registrados na região são pouco potentes para mover
rochas que pesam até 300 kg, e sugeriu que a formação de placas de gelo em
torno das pedras poderia ser um fator auxiliar no aumento de sua superfície sem
aumento significativo em seu peso, favorecendo a captação do vento e o
incremento local de sua potência, bem como o deslizamento.
Bob Sharp e Dwight Carey iniciaram
em 1972 um
programa de monitoramento de cerca de 30 rochas movidas recentemente. Cada
pedra recebeu um nome e foi observada ao longo de sete anos, objetivando testar
a hipótese das placas de gelo. Foram montados cercados e estacas em torno dos
espécimens selecionados, que deveriam impedir a ação do vento e detectar
alterações causadas por congelamento. Contudo, as pedras se moveram da mesma
forma, ignorando as proteções, permanecendo as estacas sem serem afetadas.
Outras pedras selecionados em pares apresentaram movimento de apenas uma,
enquanto a outra, exatamente ao lado, permaneceu imóvel. Quase todas as pedras
monitoradas se moveram no período fixado, em distâncias que variaram de poucos
centímetros até 262 m. Também reportaram vários movimentos na ausência de
depósito volumoso de água sobre a playa, que possibilitaria a
formação e deslocamento livre de uma balsa de gelo a carregar as rochas, e que
alguns rastros mostram características incongruentes com a hipótese, além de
haver registros de atividade em meses de verão.
Em 1995 o
professor John Reid e seis estudantes
da Universidade de Massachusetts estudaram
o caso e encontraram várias incongruências, embora tenham conseguido provar em
algumas ocorrências a efetiva colaboração do gelo no processo.
Outros pesquisadores estudando o fenômeno em 1995
detectaram a ocorrência de ventos incomumente fortes sobre a playa,
que podem ser comprimidos e intensificados por causa da conformação topográfica
do entorno. Notaram ainda que a zona limítrofe acima do solo onde o vento ainda
é potente é de apenas 5 cm, evidenciando que pedras relativamente pequenas
ainda recebem o pleno impacto dos ventos, que podem atingir a velocidade de 145
km/h durante as tempestades de inverno. Tais tempestades foram consideradas o
impulso primário do movimento, enquanto que ventos mais suaves e constantes,
com apenas metade da velocidade de impulso inicial, são tidos como suficientes
como força propelente de maior duração e que possibilita deslocamentos longos.
Paula Messina (1988)
assinala que embora haja tendência de as rochas maiores deixarem rastros mais
curtos, uma regra neste sentido não é consistente com as observações, e os
dados coletados mostram uma configuração bastante caótica e imprevisível.
Sugere ainda que a comprovada formação de uma película de limo lubrificante por cianobactérias aumenta a viscosidade da lama e favorece o
deslizamento. Diz também que o gelo, ainda que possa colaborar, não é um fator
imprescindível para a movimentação, já que ocorrências foram registradas em
temperaturas acima do congelamento. Uma causa sugerida para a movimentação em
trajetos altamente irregulares é a captura de rochas por fortes redemoinhos de vento, chamados na região de Dust Devils.
A pesquisadora, cotejando a literatura disponível,
lamenta a ausência de relações significativas entre tamanho das rochas, sua
origem, sua localização, seus trajetos e as condições geológicas e atmosféricas
no local, e a partir desta inconsistência entre os dados, que não indicam um
mecanismo formador único, aceita a hipótese de causas múltiplas para o
fenômeno, sendo cada caso produzido por fatores diferentes. Por fim conclui que
o vento apenas, embora sob várias formas e condições, associado a uma superfície
úmida da playa, é suficiente para a formação do fenômeno, mas
admite que até que seja testemunhado visualmente uma rocha em movimento, a
causa definitiva ainda deve permanecer conjetural.
Fim do mistério
Em 2014, após anos de
teorias e especulações, um grupo de pesquisadores conseguiu desvendar o
mistério das pedras utilizando câmeras e GPS. Eles notaram que apesar do lago passar grande
parte do tempo seco, chuvas e tempestades são suficientes para armazenar uma
pequena camada de água em sua superfície. Várias são as condições necessárias
para que o movimento ocorra, e por isso ele é infrequente. Deve ser um tempo
frio, capaz de criar uma fina camada de gelo sobre a superfície da água durante
a noite, em geral de 3–6 mm, não muito maior do que a espessura do vidro de
janelas, mas que não congele toda a água, deixando uma camada líquida por
debaixo. Ao nascer o sol, o gelo começa a quebrar, formando de início grandes
placas flutuantes, até que o calor do dia as fragmente em pequenos pedaços. No
experimento conduzido, todos os movimentos ocorreram perto do meio-dia, em dias
ensolarados depois de noites frias. Deve também haver vento, cuja ação empurra
as ditas placas para várias direções sobre a camada de água que permanece
líquida. Os maiores episódios de movimento foram registrados com velocidades de
vento acima de 5 metros por segundo. Enquanto as placas de gelo permanecem
grandes, mas o calor do dia já abriu alguns caminhos de água livre para que
possa haver um deslocamento, se
encontram rochas pelo caminho, elas são empurradas
também. Essas grandes placas explicam os movimentos paralelos de grupos de
rochas, todas empurradas juntas pela mesma placa. Observou-se que as rochas não
flutuam sobre o gelo, aderidas a ele, como teorias antigas postulavam, mas são
apenas empurradas pelas placas em movimento. No entanto, largas placas podem se
acavalar sobre as rochas, aumentando ainda mais a área exposta ao vento. O
deslocamento pode ser descontínuo, depende da constância dos ventos; é relativamente
lento, sendo observados movimentos de no máximo 6 metros por minuto, e pode
passar despercebido pelo olhar desatento, especialmente se não existem outras
rochas estacionárias por perto para evidenciar claramente uma mudança na sua
posição. As placas de gelo podem chegar a ter grandes dimensões, com dezenas ou
centenas de metros quadrados de superfície, captando do vento uma considerável
força dinâmica capaz de movimentar até rochas grandes, atuando como se fossem
grandes velas de navio. O experimento registrou
pela primeira vez em imagens o movimento das rochas.
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