Ciência: Astronomia
Um dos eventos
astronômicos do ano, o trânsito de Mercúrio,
poderá ser
observado nesta segunda-feira
Alfred
Rosenberg González
É doutor em astrofísica,
pesquisador e divulgador do
Instituto de Astrofísica das Canárias, na Espanha.
Já não aproveitamos o céu como antes. Poucos
leitores deste artigo devem ter visto Mercúrio a
olho nu. Mercúrio é muito pequeno. Ganimedes, uma das quatro luas de Galileu, é
maior do que ele. Podemos vê-lo brilhar a olho nu como uma estrela ao amanhecer
e ao entardecer, sempre perto do Sol, já que a sua órbita é
muito próxima de nosso astro. O planeta também é visível a olho nu durante um
eclipse total do Sol. No entanto, no passado, as coisas eram diferentes. Os
astros tinham um papel fundamental na vida cotidiana. Existem referências ao
planeta Mercúrio há mais de cinco milênios, feitas pelos sumérios. Os
babilônios também observaram o planeta, a quem batizaram de “Nabu”, o
mensageiro dos deuses. Na Grécia antiga, ele foi chamado de duas maneiras:
Apolo, quando era visível ao amanhecer, e Hermes, ao anoitecer. Mas até mesmo
os astrônomos gregos perceberam que se referiam ao mesmo corpo celeste.
Mercúrio foi, finalmente, o nome dado pelos romanos e com o qual chegou a
nossos dias.
Contudo, até a invenção do telescópio, era
impossível observar um trânsito desse planeta. As primeiras observações de
Mercúrio com telescópio foram realizadas por Galileu Galilei no
século XVII. Seu tamanho e brilho variam notadamente em função de sua posição na
órbita. Quando cruza diante do Sol, podemos vê-lo em seu tamanho máximo (entre
10 e 13 arco-segundos), enquanto que ao passar por trás, enxergamos seu tamanho
mínimo (4,5 arco-segundos). Para efeito de comparação, o diâmetro angular do
Sol ou da Lua é de 2.000 arco-segundos. Nosso olho não consegue distinguir
detalhes menores do que 60 arco-segundos, o que torna impossível ver um
trânsito de Mercúrio sem a ajuda de um telescópio. Johannes Kepler foi o
primeiro a prever um trânsito de Mercúrio, que ocorreu em 7 de novembro de
1631. Ele não viveu para ver o fenômeno, mas a informação foi utilizada por
Pierre Gassendi para conseguir ser o primeiro a observar um desses “passeios”
do planeta na frente do Sol.
Chamamos de trânsito a passagem de um corpo diante
de outro, de forma que o mais próximo oculta uma parte da superfície do mais
distante. Por exemplo, é possível observar um trânsito da EEI na frente do Sol.
No Sistema Solar,
apenas os planetas interiores (Mercúrio e Vênus) podem transitar pelo Sol do
nosso ponto de vista na Terra. Mercúrio gira em uma órbita bastante elíptica,
completando uma volta em torno do Sol em aproximadamente três meses terrestres
(88 dias) – o mesmo tempo em que a Terra se desloca por um quarto de sua
órbita. Por isso, Mercúrio voltará a se situar entre o Sol e a Terra após 116
dias. Ou seja, é algo que se repete cerca de três vezes por ano. Podemos tentar
visualizar esse efeito pensando no ponteiro dos minutos de um relógio, que leva
65 minutos para alcançar o ponteiro das horas.
Por que, então, não temos três trânsitos de
Mercúrio por ano? Mercúrio se move em um plano que forma 7o com o plano orbital da Terra em torno do Sol.
Para que os três corpos fiquem suficientemente alinhados, eles precisam
coincidir nesses dois planos. Caso contrário, Mercúrio passará por cima ou por
baixo da circunferência solar. Para simplificar, podemos imaginar duas
circunferências concêntricas que representam as órbitas de Mercúrio e da Terra
pintadas em um caderno (o Sol está no centro). Agora levantemos ligeiramente a
folha: esse é o plano orbital de Mercúrio, enquanto o da Terra é horizontal.
Ambas as folhas (planos) se encontram ao longo de uma linha, que coincidirá com
duas datas do ano terrestre. No caso de Mercúrio, os dias 8 e 9 de maio e o
período entre 10 e 11 de novembro. Se alguns poucos dias antes ou depois dessas
datas ocorre também a passagem de Mercúrio pelo Sol, haverá trânsito. Existe
uma certa periodicidade nesses fenômenos, apesar de obedecerem a regras
complexas. Está claro que é preciso ser um múltiplo dos 116 dias que Mercúrio e
a Terra levam para se alinharem. Isso costuma ocorrer cerca de 13 vezes por
século, em intervalos que oscilam entre 3,5 anos e 13 anos. O próximo trânsito
de Mercúrio, depois do desta segunda-feira, será em 11 de novembro de 2019. Em
seguida, 13 de novembro de 2032.
Durante
um trânsito, podemos destacar cinco momentos-chave (figura). O primeiro, quando
o disco do planeta toca exteriormente o disco luminoso do Sol (o primeiro
contato); o segundo, quando termina de entrar. O período entre ambos é o
chamado “ingresso”. O terceiro é justamente no meio, onde a distância entre o
planeta e o centro do Sol é mínima. Igualmente ao ingresso, mas ao revés, é
realizada a “saída”, período compreendido entre o contato interior da borda do
planeta com a borda do disco do Sol até sua desaparição. Os momentos precisos
de cada um destes eventos dependem da posição do observador na Terra, variando
um par de minutos, no máximo. Em relação à posição geocêntrica, os horários
serão: 11h12, 11h15, 14h57, 18h39 e 18h42 (UTC, ou 8h12, 8h15, 11h57, 15h39 e
15h42 em Brasília).
Os
trânsitos no Sistema Solar são fenômenos pouco comuns na astronomia. Se o de
Mercúrio parece algo pouco habitual, fique sabendo que Vênus só transitará pelo
Sol em 2117... Duas vezes por século, com sorte. Mas os trânsitos estão mais na
moda do que nunca. Considerando que nossa galáxia é composta por centenas de
bilhões de estrelas, a maior parte com planetas girando a seu redor, chegar a
observá-los é apenas uma questão de tempo (além de instrumentos superpotentes e
precisos). Nos últimos anos, foram descobertos vários milhares de exoplanetas,
planetas que giram em torno de outras estrelas. Desses, até hoje, 1.303 foram
detectados através do método de trânsito – 373 deles fazem parte de sistemas
planetários múltiplos. A partir da medição precisa da diminuição do brilho (a
curva de luz) de maneira repetida, podemos determinar o período orbital, o
tamanho do planeta e outros valores que nos permitem conhecer a massa, o
volume, a densidade, os parâmetros orbitais etc.. Esses, por sua vez, nos ajuda
a estabelecer a “habitabilidade” de tal planeta. Algo que parecia ficção
científica até poucas décadas atrás está se tornando realidade: estamos cada
dia mais próximos de encontrar um “gêmeo” de nosso planeta.
Visto
a partir de qualquer outra estrela, Mercúrio ocultaria apenas um de cada 80.000
fótons do Sol. Um planeta tão pequeno como ele estaria no limite de poder ser
detectado através da técnica do trânsito com a instrumentação atual. São
planetas um tanto maiores, como a Terra, que podem ser notados hoje em dia.
Quando
se trata de observar o Sol, não podemos deixar de alertar para seus perigos.
Nunca devemos olhar para ele diretamente sem a devida precaução, seja a olho nu
ou com instrumentos. Observar um trânsito é tão perigoso quando observar
diretamente o Sol, já que o planeta não cobrirá uma parte significativa da
estrela. Uma observação indevida do Sol pode prejudicar permanentemente a
retina ou até provocar a cegueira.
Não
deixe que alguém conte a você um evento astronômico se você pode vivê-lo e
aproveitá-lo. Existem grupos de observação que poderão facilitar a experiência.
Os métodos recomendados são a observação sobre uma tela ou com telescópios
dotados de filtro solar.
Voltemos
a desfrutar do céu como antes... e melhor ainda.
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