Literatura
Publicado por Eduardo Prjadko
”O
convencional é interessante, por vezes; mas o diferente é sempre fascinante.”
Já se passou mais de um
século desde os últimos anos do romantismo europeu e ainda vemos nascer obras
de fortes raízes românticas. Birdman, Whiplash e Cinquenta Tons de Cinza são
apenas alguns exemplos.
Em termos históricos, o romantismo foi um
movimento artístico que dominou a Europa por quase todo o século XIX. Obras
como o romance Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe (1749
- 1832), marcaram o início de um jeito bastante particular de fazer, apreciar e
sentir uma obra de arte. O artista deixou de ser uma mero servo da corte para
finalmente ter a chance de mostrar quem ele realmente era, ou pelo menos uma
idealização de si mesmo (embora nunca fosse admitir ser uma idealização).
Outras obras importantes da época foram a Nona
Sinfonia de Beethoven (1770 - 1827), a ópera O
Anel dos Nibelungos de Wagner (1813 - 1883) e o Fausto de Goethe.
O que todas estas obras carregam em comum são a subjetividade, as emoções à
flor da pele, o exagero, a busca pelo inalcançável. O romântico era antes de
mais nada, um idealista. Idealizava o mundo ao seu redor de uma forma
particular e morreria tentando mostrar sua visão, centralizando o mundo no seu
próprio ego. A sua obra estava a cima de tudo!
O século XIX produziu grandes gênios que
deram força à cultura ocidental, mas ao final do século, este grande movimento
perdia sua força e dava lugar à outras tendências que se opunham ao romantismo.
No entanto, o ocidente aprendeu a ser romântico e nunca mais deixou de ser.
Digo isto pois até hoje vemos obras atuais e de grande sucesso com fortes
características românticas. Claro que ao longo do século XX, outras formas de
criar e apreciar as artes ganharam bastante força, mas vemos que em geral nunca
deixamos de gostar e produzir obras que retratam o romantismo.
Na verdade não se pode dizer que uma obra
atual é romântica apenas pela sua estética, isso porque não pertence ao
contexto do romantismo. Mas podemos falar sim que muitas obras atuais carregam
conceitos e estética de bases românticas muito fortes. Os exemplos mais
significativos e notáveis desta afirmação estão no cinema, que é para o século
XX o que a ópera foi para o século XIX, ou seja, o ápice de toda uma cultura
onde se comunicam todas as linguagens artísticas que conhecemos. É no cinema
onde convergem literatura, música, artes visuais, moda, atuação, fotografia,
etc.
O exemplo mais atual que podemos dar sobre o
triunfo do romantismo é o ganhador do Oscar 2015, Birdman. Para
começo de conversa, todo o filme é centrado no ego e no alter ego de Riggan (Michael
Keaton). Este, por sua vez, busca mostrar ao mundo o seu valor como
artista, o seu valor como indivíduo dentro do mundo artístico. Ele sofre por
isso; não quer ser apenas mais um entre os milhares. Busca a cima de qualquer
coisa ser singular. Vemos Riggan movendo à tudo e à todos e
arriscando toda sua carreira por algo que está além do dinheiro, além das
pessoas, além da vida. Além disso, Riggan é importunado
diariamente por seu maior demônio, o papel que deu à ele fama e notoriedade no
passado: Birdman, um personagem representante da mediocridade em
que se encontra Holliwood, segundo a crítica que o filme faz.
Não é difícil encontrar paralelos com o
romantismo do século XIX. Wagner construiu um teatro inteiro
apenas para exibir suas obras, e em 1876 estreou o teatro com um dos maiores
espetáculos que o mundo já viu. Goethe provocou uma onda de
suicídios por toda a Europa ao publicar seu livro Os sofrimentos do
jovem Werther. Beethoven se tornou um marco e até hoje é
endeusado por suas obras. Ora, do que se trata Birdman se não a tentativa de Riggan de
"devastar" o mundo com sua arte e provar sua grandiosidade?
O que falar então do aclamado filme Whiplash? Andrew
Neiman (Milles Teller) ultrapassa todos os limites físico e
psicológicos para se tornar não apenas um baterista de jazz, mas o melhor
baterista de jazz. O personagem não aceita, em hipótese alguma, ser pior do que
qualquer um de seus colegas ou ser menos importante que qualquer outro assunto.
Somente um verdadeiro romântico poderia assumir um fardo tão pesado como este.
Os exemplos de filmes que retratam paixões
platônicas, seja por um objetivo, seja por uma pessoa, são inúmeros. Ter uma
paixão platônica nada mais é do que almejar algo supostamente inalcançável. O
público nunca deixou de amar enredos que envolvam o inalcançável e me parece
que este gosto pelo impossível não acabará tão cedo. Se ampliarmos os
horizontes desta análise e viajarmos um pouco mais, veremos que até mesmo os
atuais blockbusters de super-heróis (que salvaram a indústria
de cinema "holliwoodiano" na última década) contém elementos muito
fortes do romantismo. No final das contas, tudo se trata de superação, cada um
à sua maneira.
O cinema é só o exemplo mais forte. Se
olharmos para os lados, para as linguagens menos mainstream, bons
exemplos também não faltarão. Na literatura temos Nicholas Sparks e Cinquenta
Tons do Cinza vendendo feito água. Sparks se tornou
famoso por escrever livros que envolvam amores impossíveis e muito drama
platônico. Cinquenta Tons de Cinza não preciso nem explicar
né?
Nos teatros paulistanos, o que não faltam são
opções de releituras de obras românticas, principalmente no Teatro Municipal.
Óperas de Verdi (1813 - 1901) e Wagner, ícones do
romantismo, são feijão com arroz no mais chique teatro de São Paulo.
Naturalmente que não podemos resumir todo o
cenário artístico atual ao romantismo. Existem inúmeras frentes artísticas
bastante diferentes se desenvolvendo por aí. Arte Contemporânea por exemplo,
continua sendo uma grande polêmica, sem falar na ascensão da Arte Urbana como
uma das principais expressões artísticas atuais. Apesar disso, não se pode
negar que o romantismo está mais presente do que nunca nas nossas vidas. O mais
importante a se notar nesta observação é que nós gostamos muito disso. O
romantismo definitivamente triunfou e continua triunfando, desde a sua
invenção.
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